04

1857 Words
Abri meus olhos e me encontrei em uma sala com paredes brancas e uma luz intensa. Uma mulher vestida de branco e cabelo preso se aproximou de mim com um sorriso. Eu: Que lugar é esse? — me sentei na cama. : Enfermaria. Eu: E o Eduardo? — procurei minhas coisas — E a pasta que estava aqui? : Calma... a pasta está ali. — apontou uma mesa — O Viúva-n***a também está sob controle. — sorriu — Vai aprender boas lições. Eu: Me fala o lugar! — desesperada — Anda, eu quero o lugar que ele tá! : Sala de punição. Eu: Fica em qual bloco? — peguei minha pasta da mesa — Senhora! — desesperada. : C, mas depois ele vem pra cá. Eu: Desculpe? : Isso. — sorriu diabolicamente — Pra não morrer. Meu Deus. Corri pelos corredores como se o mundo fosse acabar. Se ele morrer, posso desistir do Pedro. Eu: Sala de punição? Guarda: O acesso é restrito. — sério. Eu: Ah... não... — coloquei as mãos na cabeça — isso não pode ser verdade. Fiquei um tempo em silêncio, pensando em alguma ideia que me colocasse por cima de tudo aquilo. Eu: A sala do secretário fica aqui? Guarda: Não. Andar de cima, às direitas... E lá fui eu novamente. Correndo e tropeçando nas coisas. Depois de muito sofrimento, cheguei até a sala do secretário do hospital. Bati na porta e um velho me atendeu. Eu: O senhor é o secretário? Secretário: Sim. — sorriu — Está perdida aqui? Eu: Não... na verdade, eu acabo de me encontrar. Secretário: A senhorita aceita um chá? — sereno. Eu: Não. Obrigada. Vim falar de outro assunto... Secretário: Pois diga. O homem se sentou à minha frente, cruzou os braços e aguardou uma resposta minha. Coloquei o cabelo atrás da orelha e o fitei. Eu: O Hosten está sendo transferido? Secretário: Ele te contou isso? — sorriu — Aquele passarinho é cheio de inventar histórias... Eu: Senhor secretário, só me diga a verdade. É tudo que eu peço. Secretário: Por um tempo. — encarou-me nos olhos — Ele precisa de terapia intensiva. Eu: Mas em outro hospital? Secretário: Não. O doutor Linhares e eu achamos que a minha casa de campo é o mais indicado. Que loucura é essa? Eu: Ah... entendi. — sorri — É o melhor mesmo. Secretário: Sim. Lá ele poderá fazer um tratamento mais... — hesitou — autentico. Eu: Ótima ideia, senhor. Brilhante. Secretário: Gosto muito de todos os pacientes, senhorita. — cordial — Até mesmo os mais levados. Eu: Digno. — me levantei da cadeira — Já vou. Secretário: Mande um abraço ao meu amigo, viu? Tenho muito apreço pelo diretor. Eu: É, claro. — sorri — Ele é um homem incrível. Me retirei daquela sala e fui até o banheiro. Chorei por vinte minutos lá dentro. Essas pessoas deveriam estar atrás das grades também. São tão loucos quanto os internos. Fernanda: Alícia? — bateu na porta. Fiquei muda — Eu sei que tu está aí. Eu: Já vou sair... Fernanda: Tá acontecendo alguma coisa contigo. E tu vai me contar. Eu: Não, não quero voltar com ele. Fernanda: Mas tu ama ele, Alícia! — autoritária — Pensa no seu sofrimento... todo mundo tem defeitos. Meu ex-namorado, por exemplo, era um puto. Eu: E tu voltou com ele? — enxuguei a última lágrima do meu rosto. Fernanda: Sim. — sorriu — Depois ele me traiu com uma pelega do bairro dele, mas tudo bem. Entendeu o que eu quis dizer? Não. Eu: Sim. Fernanda: É isso, amiga. — me abraçou — Terminar um relacionamento dói. Eu: Já tô bem melhor. Fernanda: Eu sei. — riu alto — Tenho esse poder sobre as pessoas. Eu: Agora eu vou voltar para o meu trabalho... Fernanda: Ok, tenha cuidado com esse coraçãozinho, viu? — apontou para o peito errado — É o único que tu tens. Acenei rapidamente para a minha amiga e voltei a caçar aquele ser. Procurei deixar o desespero de lado e parecer uma médica normal. Passei por uma porta com um vidro que estava refletindo luz. Parei em frente a ele e ajeitei o cabelo. Meu pescoço estava todo marcado pelos dedos dele. Caminhei mais alguns corredores e encontrei o quarto de Eduardo. Eu: Já voltou? Guarda: É... não foi para a enfermaria hoje. Eu: Posso? Guarda: Bom, o diretor me passou ordens para não deixá-la sozinha com ele. Droga. Pensa, Alícia! Eu: É sigilosa a relação de paciente e médico. — convicta — Tu deve saber que as ordens são pra que tu me monitore daí. Não precisa entrar comigo. Guarda: Tudo bem, mas vou algemá-lo. Adentramos o quarto. Eduardo estava deitado em posição fetal, com o rosto virado para a parede. O guarda o puxou pela camiseta, violentamente, e o aprisionou naquelas correntes enferrujadas. Depois de feito isso, ele se retirou, deixando só o psicopata e eu. O rosto dele estava, praticamente, deformado por tantos hematomas. As mãos também estavam machucadas e o olhar... distante como sempre. Eu: O que fizeram contigo? Não obtive resposta. O Eduardo parecia estar em outro mundo. Não tinha piadas sarcásticas ou comentários maldosos. Só um homem inexpressivo... como se a alma não habitasse mais o corpo. Sentei-me ao seu lado, puxei seu braço e observei seus machucados. Ele puxou o braço de volta. Eu: Tu precisa me dizer... — desesperada novamente — não vou te fazer mal... embora tu tenha tentado me matar. Nada. Continuou em silêncio absoluto. Eu: Não acredito nisso. — me virei para o lado oposto ao dele — Faz quase nove anos que eu tô nisso... — apontei a situação — e tu vai morrer nas mãos daqueles malucos... e meu irmão? — dei uma risada nervosa — Vai continuar sumido. Tem ideia do que vai te acontecer nessa transferência, né? Eduardo: Vão me usar de todas as formas possíveis. Quando enjoarem, me matam e alegam que eu tentei fugir. — sorriu — É bem capaz que eles ganhem medalhas por isso. Dessa vez, fui eu quem lhe deu silêncio. Meu coração ficou angustiado. É doentio isso. Não acho que ele seja má pessoa. Eu, na minha condição de psicóloga, entendo que ninguém nasce r**m. Eduardo passou por muitas coisas na vida e ficou doente. Só. Não é alguém que mereça sofrer assim. Eu: Vou te tirar daqui. — me levantei e andei de um lado para o outro — Ouviu? Tu vai sair dessa merda. O psicopata soltou uma risada estridente, debochando da minha tentativa de ajudá-lo. Fiquei impaciente com aquilo. Eu: Beleza. — suspirei — Fica aí, então. — caminhei até a porta e voltei — Tu é um i*****l, sabia? Tem ideia do quão fodida eu tô ficando por tua causa? Eduardo: Você me conhece há três dias... Eu: Não! — interrompi — Eu te conheço há oito anos. Tu que não sabe quem eu sou. Não sabe do que eu sou capaz... Eu: Hosten, — coloquei a mão no rosto — por favor! O Pedro é tudo que eu tenho... minha família ficou destruída por causa dele. Vim pra Porto Alegre por tua causa. Tua! — apontei para ele — Tu tem que me ajudar. Eduardo: Não tem como sair daqui. — calmo — Sou o criminoso-troféu deles. Acha que eu sairia de boa? Não é filme. Eu: Quem falou de te tirar do hospital? — arqueei a sobrancelha direita — A casa de campo é mais vulnerável. Eduardo: Você leu muito livro de ficção. Eu: Coopera. — desanimada — Tu é o esperto de nós dois. Me diz alguma coisa viável. Eduardo: Tenho duas coisas viáveis pra você. Eu: Fala! — eufórica. Eduardo: Primeiro, — enumerou nos dedos — você é retardada. Segundo, não posso te ajudar com o seu irmão. — sorriu — Tem um terceiro! — arregalou os olhos — Terceiro, se a gente ficar sozinho, mesmo que por um minuto, vou te estrangular. Cota de tempo excedida. Ou eu saio. Ou eu mato. Eu: Tu que escolheu isso. — sarcástica — Se f**a bastante na casa de campo. Eduardo: Acha que eu ligo? Eu: Que bom pra ti. — me virei para a direção da porta — Eu teria medo. Deus sabe o que estão preparando lá... Óbvio que, i****a do jeito que eu sou, dei meia volta. Eu: Tá feito. Vou te buscar na casa de campo. Eduardo: Espero por você, Mulher-Maravilha. Não demore. Assim que o expediente acabou, voltei para casa. Meu cachorro me recebeu com a euforia de sempre. Dei-lhe um abraço e fui até meu quarto. Tirei as roupas do armário e as coloquei em cima da cama. Silver ficou assistindo a tudo. Eu: Tu também vai embora, Silver. Dê adeus à Porto Alegre. No dia seguinte, assim que o sol nasceu, coloquei minhas coisas dentro do carro e segui até o hospital com o cachorro. Olhei-me no retrovisor e constatei que eu estava no fundo do poço. Correndo atrás de um delinquente... beijando velhos nojentos. Essa sou eu agora? Fernanda: Tá de mudança? — apareceu no vidro do carro. Levei um susto — Calma... Eu: Não. Soube alguma coisa do Viúva-n***a? Fernanda: Eu não. — sorriu — Vamos entrar! Preciso te contar de um homem ma-ra-vi-lho-so — falou pausadamente — que eu conheci. Eu: Tudo bem... Já na recepção do hospital, me deparei com a movimentação de funcionários e seguranças. Eduardo veio caminhando pelo corredor, algemado e velado pelos mais bem treinados da equipe de segurança. O secretário e outro velho escroto estavam andando atrás dele. O outro velho, eu suponho, talvez seja o médico dele. Depois que eles passaram por nós, falei para a Fernanda: Eu: O cachorro tá no carro... vou levá-lo ao veterinário e já volto. Fernanda: Beleza. — deu um beijo no meu rosto. Voltei para o carro e espreitei os movimentos no furgão branco. Colocaram o Eduardo lá dentro, com mais quatro guardas, e o trancaram. O secretário entrou em um carro vinho com o médico e buzinou para o furgão. Pouco tempo depois, eles saíram do hospital. Esperei um tempo e saí também. Segui, à distância, o carro e o furgão. Levou quarenta minutos para chegarmos ao sítio do secretário. Fiquei de longe, muito longe mesmo, observando cada passo. Alguns minutos se passaram e os guardas voltaram para seu carro. Só restou o secretário e o médico na casa de campo. Silver começou a latir. Eu: Shhh... — me virei para ele — já vai acabar. O dia se foi e a noite chegou. Fernanda me ligou tantas vezes, que eu achei melhor desligar o celular. Minha barriga estava roncando de fome. Não deu para escutar nenhum barulho vindo da casa. Tudo no mais perfeito silêncio. Coloquei o moletom e o gorro na cabeça. Desci do carro "com a cara e a coragem". Enquanto eu caminhava pela estrada de terra, me bateu o arrependimento. Que droga eu estou fazendo? É loucura. Nunca fiz algo assim na vida. E se eles estiverem armados? Certeza que já sabem que estou aqui... Eduardo: Chegou no momento certo. Meu coração disparou. Achei que fosse ter um ataque cardíaco e morrer ali.
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