Eduardo soltou o meu pescoço. Caí no chão de joelhos e respirei fundo, tentando retomar meu estado normal.
Eduardo: Tudo bem... — riu — só estamos conversando.
Basílio: Já aprontei a cama.
Eduardo: Obrigado.
Eu: Tu me disse que eles estavam morrendo... — respirei fundo — eu achei que...
Eduardo: Eles são velhos, Ivanov. Estão morrendo mesmo. Mas não pelas minhas mãos.
Adentrou o chuveiro novamente e continuou com seu banho. Agonizei por mais alguns minutos no chão.
Eu: Achei que tu fosse me estuprar.
Eduardo: Sou "viado" demais pra isso. — sarcástico — A propósito, — olhou sério — vou te matar no próximo comentário e******o sobre a minha sexualidade. Não sou gay.
Eu: Mas...
Eduardo: Mas, mas... — imitou meu tom de voz — cala a boca.
Fiquei quieta. Peguei uma roupa na mala e a coloquei. Penteei o cabelo e coloquei um lenço para cobrir as marcas que Eduardo fez questão de reforçar no meu pescoço. Ele terminou o banho e colocou as roupas que estava vestindo antes.
Eu: Precisamos te comprar roupas novas. — afirmei. Ele concordou — Me desculpa pelo que eu falei. Não era pra te ofender.
Ele abriu a porta e saiu. Terminei de me arrumar e o segui. Basílio estava em frente ao quarto que preparara para nós. Olhei pela janela e vi o Silver dormindo perto dos outros cães. A única cama do quarto era de casal. Me deitei e esperei que Eduardo fizesse o mesmo. Mas ele não fez. Se sentou na cadeira de balanço e pegou um porta-retrato de cima da cômoda.
Eduardo: Eu vou matá-los.
Eu: O que? — incrédula — Tu...
Eduardo: Eles sabem, Ivanov. — interrompeu-me — Acho que estão ligando para a polícia.
Eu: Não! — rebati — São só dois velhinhos.
Eduardo: Shh... ouviu? Estão ligando para a polícia.
Me encolhi no edredom e tapei os ouvidos. É pelo Pedro. Pelo Pedro. Eu jurei que o traria de volta e farei isso. Custe o que custar.
Basílio: Não era a polícia, não... — nervoso — era um primo distante.
Pressionei mais forte a mão nas orelhas e cantarolei qualquer coisa. Quanto mais eu procurava não escutar, mais em vão era. Os gritos do velho ecoaram pela casa inteira. A mulher, Olga, apareceu do meu lado com uma espécie de santo de gesso.
Eu: A senhora vai me matar? — indaguei com medo.
Ela levantou a escultura religiosa bem acima da cabeça e gritou. Fechei meus olhos e esperei que ela me acertasse com ele, mas nada me aconteceu. Abri os olhos e vi a cabeça dela em cima da cama.
Eduardo: Facas de fazenda são as melhores. — alisou o objeto — Só precisei de um golpe nela... — sorriu — três no velhote. — esfregou a mão no rosto e se sujou de sangue.
Eu: Não vou aguentar isso por muito tempo... — chorei — me diz que vale a pena. O Pedro está mesmo vivo?
Eduardo: Sim. — sentou-se ao meu lado — Até onde eu sei, sim.
Eu: Ele estava ligando pra polícia?
Eduardo: Estava. — convicto — A gente tem que sair daqui. Pega tudo de comida que você encontrar.
Fui até a cozinha e vasculhei os armários. Peguei alguns pacotes de bolacha e outras coisas de fácil conservação. Eduardo voltou com uma das roupas de fazendeiro do Basílio. Uma camisa xadrez.
Eduardo: Vamos. — pegou uma maçã da fruteira — Daqui a pouco eles vão estar aqui.
Voltamos para o carro, com tudo que conseguimos carregar da casa, e saímos pelo portão da parte de trás da fazenda. Olhei pelo retrovisor e vi as luzes dos carros de polícia. Eduardo estava certo.
Eu: Olha a polícia lá. — engoli seco — Eu acreditei neles...
Eduardo: Não é culpa deles, Ivanov. — sorriu — Eu sou procurado.
Eu: Era só não ter dado abrigo pra gente.
Eduardo: Coloque-se no lugar deles. — olhou para mim — Se um criminoso te abordasse e te pedisse abrigo, você diria "não" pra ele?
A estrada se fez infinita. O vidro baixo fez com que o vento entrasse pela janela e bagunçasse meu cabelo. Eduardo continuou vidrado na estrada. Paramos em um posto de beira de estrada. Ele tirou mais dinheiro amassado dos bolsos e me entregou.
Eduardo: Compra um maço de cigarros e o que você quiser. — colocou as notas na minha mão — Sem dar bandeira, viu?
Eu: Fica tranquilo.
Coloquei o capuz na cabeça e desci. Comprei tudo que precisávamos e caminhei até o carro. O problema é que o carro já não estava mais lá. Me sentei em um banco e abri um pacote de salgadinhos. Uma Duster parou na minha frente. O vidro abaixou e eu pude ver o Eduardo sorrindo despreocupado.
Eu: Problema resolvido?
Eduardo: Mais do que isso. — destravou o carro — Entra.
O homem dirigiu por mais algumas horas. O carro de agora era muito melhor que o outro. Me sentei atrás, com o Silver, e dividi um pacote de bolachas com ele.
Eu: Sei que tu não responde, mas ainda insisto... como?
Eduardo: Você saiu pra comprar as coisas e eu fui ver se tinha câmeras no posto. Tinha. — olhou-me pelo retrovisor — Mas só nas bombas. A área externa da conveniência não. Foi fácil.
Eu: O dono estava lá?
Eduardo: Isso... — sorriu descontraído — estava. — frisou.
Mais uma morte desnecessária. Coloquei a mão no rosto e respirei fundo. Decidi dormir para não xingá-lo. Quando acordei novamente, vi que estávamos parados. Outro posto de gasolina. Ele não estava no carro, então desci para procurá-lo. Não demorou muito para encontrá-lo. Ele estava falando com um caminhoneiro. Me aproximei, sorrateira, e o vi sorrir para o homem. Os dois pareciam íntimos conversando. Senti meu coração ficar apertado dentro do peito.
Eu: Alexandre! — gritei. Ele me fuzilou com seus olhos castanhos — Vamos logo.
Caminhoneiro: Amiga sua? — sorriu com luxúria — Gostei mais.
Eduardo passou a mão no próprio rosto e mordeu seu lábio inferior. O motorista veio em minha direção, passando a língua nos lábios e tirando a camisa manchada de óleo.
Eu: Não faço essas coisas. — espalmei as mãos no ar — Ouviu?
Caminhoneiro: Se fazendo de difícil? Vem aqui. Não vou te machucar...
Eduardo: Cara, não chega perto dela. — autoritário — Sua conversa é comigo.
Caminhoneiro: Mas a loirinha faz muito mais meu tipo, não é?
Abraçou-me pela cintura e cafungou meu pescoço. Olhei para o Eduardo como se pedisse socorro. Ele ficou imóvel. Inexpressivo.
Eu: Me ajuda, Eduardo. — gritei.
O homem apertou um dos meus s***s e passou a língua no meu rosto. Não acredito. Vou ser estuprada.
Caminhoneiro: Como você consegue ser tão delicada? — cheirou minha pele — Parece uma cesta de morangos.
A voz dele era grave o mau-hálito predominante. Me deu náusea só de ficar perto.
Eduardo: Se eu te der ela, você me consegue mais alguma coisa?
Caminhoneiro: Cinco pinos. — riu — Mas eu quero você também.
Eduardo: Fechado. Comigo primeiro.
Caminhoneiro: Que seja. — me empurrou — Já acabo com você, loirinha.
Os dois subiram no caminhão. Meu coração parecia querer sair pela boca. Andei de um lado para o outro e pensei no que fazer. Ele vai me vender também? Por droga? Não é possível...
Eduardo: Vamos.
Eu: O que? — incrédula — Tu não...?
Eduardo: Morto. — suspirou — A gente precisa sair logo daqui.
Voltamos para o carro. O olhar dele ficou mais frio que o habitual. Me senti aliviada por não precisar fazer nada.
Eu: Obrigada por não... — hesitei — me vender.
Eduardo: Você é uma i*****l, sabia? — irado — Minha paciência tá pequena, Ivanov. — bateu no volante — Quem você pensa que é? Tem ideia do quanto me arruinou?
Eu: t*****r com aquele velho seria a solução da sua vida? — aplaudi — Bacana.
Eduardo: Aquele velho ia me dar muita cocaína, Ivanov.
Eu: Sua mente é louca. Tu não precisa de cocaína.
Eduardo: É mesmo? — irônico — Já percebeu que eu tô dirigindo feito um robô? Ou você quer ser pega pela polícia?
Fiquei quieta o restante do caminho. Já era noite quando chegamos à rodovia paulista. Ele se alongou todo no banco do motorista e deu um bocejo.
Eu: Agora nós vamos parar em algum lugar?
Não me respondeu. Abracei o cachorro e admirei as luzes da cidade paulistana. Nem imagino o que vou fazer com o Pedro quando encontrá-lo.
Eu: O Pedro fica muito longe daqui?
Nada. Coloquei as mãos na janela e aproveitei a vista. Eduardo parou o carro em uma casa bem afastada daquele monte de luzes.
Eduardo: Seu irmão deve estar aí.
Eu: Tu não vai descer comigo? — indaguei — Eu sei que te prejudiquei, mas não vou conseguir sozinha.
Tirou a chave do contato e abriu a porta. Desci junto com ele. A casa era muito velha. Já na porta de entrada, ouvi as vozes do monte de gente que tinha lá. Um mendigo apareceu ao meu lado e mexeu no meu cabelo.
Eduardo: Toca nela de novo. — cruzou os braços — Desafio você.
Outro homem surgiu na sala e riu do que o Viúva-n***a havia dito. Um sentimento de medo tomou conta de mim. A única base que eu tinha ali era um serial killer.
Eduardo: c***a, — se referiu ao homem que estava rindo — o Junkie tá aqui?
"Junkie"?
Cabra: Sim. Veio procurar por ele? A polícia tá até oferecendo recompensa por você, Eduardo.
: Vou te entregar, Eduardo! — gritou outro viciado — Meu crack acabou faz tempo...
Eduardo: Morto não gasta dinheiro, Eddy. — ríspido — c***a, o Junkie...
Cabra: Sobe logo. — deu passagem — Tá no quarto.
Subimos correndo as escadas. O único quarto aberto era um com vários viciados usando droga. Foi c***l e doeu muito em mim. Queria acreditar no contrário, mas não pude. Um daqueles viciados em estado deplorável era o Pedro.
Eu: Pedro? — acariciei o rosto machucado dele.
Pedro: Não sou o Pedro... — fez uma expressão lunática — sou o Junkie.
Eu: Tu é o Pedro. — segurei o rosto dele e o forcei a me encarar — João Pedro Ivanov!
Pedro: Junkie! — gritou — Sou o Junkie... Junkie, Junkie! — levantou-se e gritou por todo o quarto — Junkie, Junkie, Junkie...
Eduardo: Vamos, Alícia.
Eu: O Pedro... — entre lágrimas — vamos tirá-lo daqui.
Eduardo: Não. — agarrou meu pulso e me puxou de lá — O Pedro morreu.
Eu: Me solta, Eduardo! — me debati — Eu quero o meu irmão. Vim aqui por ele.
O maldito psicopata desceu as escadas me arrastando. Gritei e esmurrei a mão dele para que me soltasse. Os mendigos gritaram ao me verem sendo humilhada daquela maneira. Saímos da casa e ele só parou de me arrastar quando me jogou no carro.
Eu: Tu é retardado?! — berrei com ódio — Meu irmão precisa de ajuda.
Eduardo: Alícia... — abaixou-se na minha frente — ele já era. Quando eu conheci, até tinha salvação. Agora não tem mais. Morreu. — inalterável — Aceita.
Eu: Não... — abracei meus joelhos — eu fiz tudo por ele. TUDO.
Eduardo: Supera. — acariciou meus cabelos. Olhei incrédula para ele — É f**a, mas é a vida que ele escolheu.
Eu: Tu me chamou de Alícia. — olhei com estranheza — E me tocou... é um pesadelo isso, né?
Eduardo riu contemplativo. Deitei a cabeça no banco e encarei o nada. Ele deu a volta pelo carro e entrou no banco do motorista.
Eu: O que eu vou fazer da minha vida? Fugir contigo? — desolada — Não tenho nada e nem ninguém.
Ficamos em silêncio. Eduardo tirou um pedaço de bolacha do bolso e deu ao Silver. Meu corpo inteiro parecia ter sido quebrado em pedaços. Doeu muito ver que o meu único parente vivo havia morrido.
Eu: Acha que eles vão te entregar?
Eduardo: Só se quiserem morrer. — sorriu maliciosamente — Já estou sentindo falta de matar...