Monstro...
Calça branca de brin, blusa jeans meia manga, aqueles botões abertos pra ficar maneiro e na cabeça um chapéu de malandro com a faixa verde, representando a cor da minha escola. A quadra de samba Faz Quem Pode, sempre foi o melhor lugar para mim. Era onde mais me identificava, me sentia realizado sendo eu mesmo. Ainda tinha as melhores lembranças, talvez aqui tenha passado os momentos mais preciosos ao lado da minha rainha.
O tráfico me dar condição de comprar o que quiser, de me dar poder, mas a música era o que me completava e me deixava mais humano. Quando se entra para o meu meio de vida, é um caminho sem volta, não que eu queria sair do meu mundo. Mas gostaria de equilibrar as coisas.
Para o Micha um delírio, meu irmão, sempre me colocava com os pés no chão. Na maioria das vezes ele conseguia, porque no fundo sei que ele está certo. Contudo, tinha momentos que flutuar nos meus sonhos era tudo o que queria. E assim chutava o balde e tocava um f**a-se mermo.
Não me senti nenhum um pouco surpreso, já saia e ao abrir a porta do quarto a minha frente, meu irmão. Micha entra no personagem que ele mais gosta de interpretar, o meu general guarda costas.
Carranca séria, postura inquisidora, Micha nem entra dentro do quarto, fica entre a passagem. Me olhando de sobrancelha arqueada, antes de começar a encher meus ouvidos de merda. — Aí, na moral! Me bateram a situação e não acreditei, tu vai continuar se arriscando e indo nessa p***a?
Eu poderia simplesmente mandar ele enfiar a língua no cu e sair, só que ainda dei ideia. — c*****o mano! Tu é chato a vera, meu samba passou para os dez finalistas, e hoje pode ficar entre os três da próxima etapa, não perco por nada.
— Max, tudo que querem é te pegar desprevenido. Tu é o dono dessa p***a toda. Tu é o Monstro c*****o! Não dar para ficar brincando de sambinha, com a p***a da guarda abaixada. Tem jornalista lá na quadra, daqui a pouco sua cara fica estampada.
— É irmão, tu acabou de dizer uma parada importante. — Ele sai da postura rígida achando que eu iria ceder. — Sou dono dessa p***a toda, então não se mete na minha vida. E sai da minha frente.
Peguei o cavaquinho e o empurrei no ombro, fazendo com que ele se desloque, abrindo a passagem, logo saindo em direção a porta. — Ao menos leva escolta Max. — Ele insiste.
Paro o meu trajeto, apenas para responder — Quem precisa de escolta é o Monstro, hoje eu sou o Max.
— Está com a cabeça cheia de merda se pensa que pode viver duas vidas. — Ele me alerta.
— Num fode Micha! — Saí batendo a porta rumo a quadra da verde e branco. Mesmo sabendo que ele estava mais do que certo.
(...)
Triana Müller...
Confesso que tinha gostado do baile de favela, Alexei tinha me explicado que aquele baile não era bem o tradicional que rola em comunidade, que tem uns que são bem pesados. Gostei do light, o mais irritante que tinha no baile Light, era a marola forte, dava para ficar chapada só com o cheiro do fumo da erva. Contudo, aqui na quadra de samba da Faz Quem Pode me identifiquei muito mais. Sambar, eu sou uma negação, o que não me impede de gostar de tudo o que vejo por aqui.
Muito brilho em cima das cores verde e branco. As mulheres em sua maioria negras altas e de corpos esculturais, flutuando em trocas de pernas, ao som de uma bateria que emociona e bate junto o nosso coração, fazendo o "balé" do samba em cima de sandálias de extenso salto que as deixava, ainda mais altas, sambar de verdade é uma arte.
Os homens não ficavam a trás, misturavam samba e frevo em uma só dança. A contrário do bailão, o público daqui não é só jovem. Tem encontro de todas as idades, poderia dizer que ir a quadra de sambar é uma diversão para todas as idades, ainda mais quando via a direita uma vozinha que devia ter uns 80 anos, se acabar no samba.
— Tri, não vai ficar toda dura paradona ai né? — Alexei fala no meu ouvido.
— Eu até gostaria de dançar, mas não sei sambar. Não quero pagar o mico como a Rachel, está todo mundo olhando para ela.
— E a mona ta pensando que está abafando. Disse a ela, que está parecendo que tá matando barata, não quis me ouvir.
— Você é mau!
— Só fui sincero. Não precisa sambar como a Rachel, mas pode levantar os dedinhos e balançar o quadril.
— É, isso eu posso. — Resolvi atender o conselho.
Alexei zuou a Rachel, era só olhar seu jeito de dançar para saber que ele também não ficava muito atrás dela na categoria samba. Se Rachel parecia que matava barata, Alexei sambando aos olhos de todos, parecia uma lacraia eletrocutada. E eu lá, a diferentona no meio deles.
Alguns minutos depois na quadra, a gente se arrisca até a sambar. Claro que peguei leve, sou do tipo que menos é mais. As pré-adolescentes do outro dia finalmente apareceram, até mesmo a irmã do Max.
— E ai maluca! — Ela me cumprimenta batendo a mão e me dando um soquinho. — Quero te agradecer por ter deixado o Max calmo naquele dia lá no bailão.
— Não fiz nada.
— Não fez! Tu é doidona mermo, não tem ideia o quanto se arriscou.
Marcela falou meneando a cabeça, não entendi o que ela quis dizer, resolvi não esticar. — Fugiu hoje novamente?
— Não. Hoje foi o próprio Max que trouxe a gente.
— Ah é! E aonde ele está?
Marcela deu um sorriso desafiador e no mesmo instante, senti um ar quente no meu pescoço arrepiando toda a minha pele. — Ele está bem atrás de você.
Me virei dando de cara com o sorriso largo que fazia contraste com a pele mulata. — Oi, Galela! Queria mesmo te ver.