Se eu parasse um pouquinho para pensar com clareza, em meio à aquele turbilhão de coisas que estava acontecendo, talvez, em algum momento, eu pudesse ter percebido a grande quantidade de indícios que levavam à aquela possibilidade: Marco Antônio e eu sempre passeávamos de moto, sempre íamos ao mirante e à outros lugares juntos, mesmo quando éramos apenas amigos, depois, como namorados e ainda depois do término, inclusive, havíamos viajado juntos...
Se eu tivesse sido um pouquinho menos inocente e boba, talvez nada daquilo estivesse acontecendo, mas eu simplesmente havia bloqueado da minha cabeça tudo em relação ao Jonah e obviamente, nem mesmo me lembrava de ter discutido com Marco, ele disse que eu deveria esquecer Jonah e sim, eu esqueci.
Agora, pensando com calma, depois da conversa perturbadora com o primo do melhor amigo de Marco, eu conseguia enxergar com clareza o que havia acontecido, e como em um filme, minhas memórias começavam a voltar, claras e nítidas.
Jorge conseguiu dar o ar da graça e enviou um email, que eu li apenas na manhã de quarta-feira, quando eu acordei me sentido a pior e mais terrível criatura:
“Querida Bri,
Eu realmente sinto muito, muito mesmo por minha ausência. Será que podemos conversar na noite de sexta feira? Eu vou estar de folga... A coisa está corrida, acho que eu estou “fugindo” de mim mesmo, evitando ficar sozinho, tem dias que fica complicado, mas enfim, o foco ainda é você, e eu estou com saudades suas, até mesmo do seu mau humor cotidiano, devo ser masoquista.
Li uma parte do que você me mandou, a carta, principalmente, e fiquei feliz de ver que expressou os seus sentimentos por escrito, conforme eu havia sugerido, é uma maneira interessante de se expor, e eu achei incrível da sua parte. A caligrafia do envelope demonstra carinho e zelo, acho que alguém sente minha falta, vou ficar feliz por isso e lisonjeado também.
Vou Tirar um tempo para ler as suas anotações, e conversamos sexta feira, as dez da noite. Vou mandar tudo de volta para você, quero que compartilhe com o seu novo terapeuta e sim, eu já falei com ele, sabe que eu não vou conseguir ficar longe, queria saber da sua evolução.
Quando ao rapaz novo, tem certeza de que o conhecia? Conversamos mais, mas vai com calma e cautela. Se cuida, eu sinto a sua falta, demais. Com carinho, Jorge.”
- O que está pensando aí? – Benjamin entrava no quarto.
- Sobre a minha conversa com Jonah – respiro profundamente.
- Sabe que pode não ter nada a ver, não sabe? – pergunta Ben – E sabe que não podemos simplesmente acusar o filho do delegado...
- Eu sei sim – respondo – e sei de tudo isso – eu encaro meu irmão com seriedade – mas eu me lembrei...
- Podem ser “falsas memórias” – relembra meu irmão.
- Eu conversei com Jorge – ele diz séria – e sim, pode ser, mas tem muitos elementos em comum com coisas que eu já vinha percebendo desde antes.
- Precisa de tempo, Bri – insiste Ben – e eu preciso te tirar daqui – ele ri – porque a Carol vai morrer de não aparecermos lá essa noite...
- Eu não estou no clima – respondo.
- E se chamarmos o Voller? – pergunta Ben.
- Nós brigamos – ela responde em tom rude – eu briguei com ele, pedi que ele me deixasse – suspiro – não me olha assim, sabia que não daria em nada...
- Como não daria em nada? – meu irmão parece irritado – Pelo amor de Deus, você gosta dele.
- Pareço não ter muito filtro, não é mesmo? – resmungo – Fala sério, ele vai voltar para aquela m***a de Canadá e eu vou ficar aqui, chorando e me lamentando por isso? Como se a minha vida já não estivesse r**m o suficiente?
- Está sendo c***l consigo mesma e ingrata – meu irmão diz sério – não quer ir por mim, tudo bem, pelo seu mau humor, nem mesmo apreciaria tua companhia, mas a Carol pediu que fosse e é importante para ela...
- Não vou dar mancada com ela – respondo num gemido – preciso de uma meia hora para me arrumar.
- Tudo bem – responde Ben – eu vou esperar por você.
Aquela etapa era um pouco melhor do que já havia sido: ao menos eu tomava sozinha o meu banho e lavava meus cabelos, ainda que não pudesse ficar em pé o tempo todo, podia usar o banco e as barras de apoio, podia dar alguns passos sozinha, mas ainda era mais lenta do que o normal e aquilo me incomodava um pouco.
Encarei meu guarda roupas por um tempo, queria vestir algo confortável, mas que não me fizesse morrer de calor. Optei por um vestido leve, com um short por baixo para não mostrar demais, caso minhas pernas falhassem em algum momento. Ben pareceu bem satisfeito ao me ver.
Bella não falava comigo há meses... Desde a noite em que Marco a buscara em casa para uma festa e Ben havia revirado o guarda roupas dela e encontrado a minha jaqueta, ela parecia não ter muito assunto e nem mesmo interesse em falar comigo. Agora, eu conseguia entender o motivo, ela fizera aquilo para proteger Marco, e tinha medo, de que em algum momento, pudesse se prejudicar.
- Obstrução de justiça – disse Benjamin à ela enquanto caminhávamos em direção à porta, fazendo com que a expressão normal de desdém mudasse para pavor e medo, o que apesar de ser um pouco c***l, me parecia engraçado e tendo em vista o que ela havia ajudado a esconder de mim, não era nada demais.
Benjamin dirigiu com destreza e em pouco mais de trinta minutos estávamos na frente do novo empreendimento de Carol: o woods era um pequeno e simpático gastropub que ficava em uma cidade vizinha, quem a conhecia, podia garantir que o lugar era a cara dela.
- Que bom que veio – ela diz sorridente assim que me enxerga – fazia dias que eu não via você.
- Verdade – suspiro – é bom estar aqui – olho ao redor – esse lugar ficou tão bonito que m*l dá para acreditar – digo com orgulho, lembrava bem de como era o ambiente antes que Carol fizesse, praticamente sozinha, todas as reformas.
- Ficou – ela suspira sorridente – deu trabalho e estresse, mas cá estamos, com tudo pronto.
Conversamos por mais um tempo, e logo deixei ela e o meu irmão um pouco mais à vontade para me sentar em uma das mesas que haviam perto do pequeno palco.
- Está sozinha? – a voz rouca de Jonah parecia reverberar em minha cabeça enquanto eu fechava os meus olhos e inalava profundamente aquele cheiro de perfume, cerveja e cigarro que ele tinha.
- Jonah – eu digo sorrindo – na verdade não, eu vim com o meu irmão – respondo – ele parece ocupado – eu indico ele e Carol em uma conversa bem íntima.
- Posso te fazer companhia? – ele pergunta.
- Claro – respondo, mas eu não tinha bem certeza de que queria ficar perto dele.
- Queria te dizer que sinto muito – ele suspira – talvez não tenha sido a melhor opção te chamar e te contar aquelas coisas, se você tinha esquecido – ele parece sem jeito.
- Não – eu respondo de imediato – não se desculpe, foi bom – eu afirmo – agora está muito claro em minha mente, eu me lembro – e era verdade.
- Mas a lembrança não foi boa – ele diz – eu sei que não foi, Bri, ninguém deveria passar por isso e ainda mais ser enganada por pessoas em quem confiou a vida inteira.
- Verdade – respondo – mas talvez, se não tivesse me contado, Jonah, eu nunca soubesse o que aconteceu, nunca teria descoberto como parei naquele buraco, e sim, eu estava prestes à aceitar a ideia de que havia tentado cometer suicídio.
- Não fala besteiras – ele pega minha mão com delicadeza – sabe que não seria capaz de fazer isso...
- Se estivesse perdido como eu estava – suspiro e brinco com seus dedos ao redor dos meus – talvez acreditasse que seria capaz.
- Ainda assim – ele sorri, e na minha mente agora, o sorriso dele voltava a ser lembrança, eu conseguia lembrar de ver por tantas vezes aquele lindo – não gosto de saber que precisa lidar com isso e que de alguma forma, eu posso ter sido responsável.
- Ainda preciso esclarecer o que foi que aconteceu – respondo– pode ter sido só um acidente mesmo... – ao menos é no que eu quero acreditar.
- Não vamos falar disso – ele diz – acho que seu irmão está vindo aí e eu vim para ajudar a galera do som – ele indica o palco – espero que se divirta, Bri – ele pisca o olho – e quer saber? Você está linda.
- Obrigada – respondo sem jeito e ele logo sai, com a pose de galã da novela: mãos nos bolsos, caminhando de costas, sem tirar os olhos de mim. Devo estar sorrindo com cara de i****a, com toda a certeza desse mundo.
Eu sei que eu estou fantasiando, eu não lembro de verdade como é namorar esse cara, mas ele deve ser incrível. Talvez seja por isso que aquelas pessoas do colégio estavam estranhas comigo, porque eu estava saindo com ele, fazia sentido, muito sentido.
Enquanto o meu irmão nitidamente curtia o show e por vezes, ajudava Carol com alguma coisa ou recebia algum conhecido dos dois, eu me mantive imóvel na mesa, com meu refrigerante de limão. Alguns conhecidos pararam para me dar um oi, e logo iam em outra direção e eu podia ficar imersa em meus próprios pensamentos. Era tão estranho... Não saber quem eu era, não saber direito o que eu sentia, nem o que eu queria. Meu celular toca, mensagem de texto:
Marco: Oi Bri, onde você está?
Brianna: Inauguração do pub da minha cunhada. Porque?
Marco: Acho que precisamos conversar...
Brianna: Vamos fazer isso amanhã.
Marco: Você quem sabe... Eu te ligo.
Achei estranho. Percebi que Jonah me encarava de longe e sorria, sorri de volta, era bom sentir que alguém gosta de mim. No dia seguinte, eu conversaria com Marco. Na noite seguinte eu estaria conversando com Jorge e aí eu ficaria... Ainda mais confusa, com certeza, e eu sabia... E sim, eu ainda queria conversar com Voller.