Longe da casa de Brianna, ainda no hospital, Jorge Mendéz encara a tela do computador por longos minutos, até ter seu momento de reflexão e contemplação interrompido por Miranda Ribeiro, sua colega de trabalho:
- Jorge - ela diz animada ao entrar - espero não estar te atrapalhando.
- De forma alguma - ele desliga o monitor e sorri para a colega - posso ajudar em alguma coisa?
- Ah, sim - ela sorri - não é bem uma ajuda, na verdade, eu só passei para saber notícias da sua paciente, a Brianna.
- Claro - ele parece contente - ela fez alguns progressos físicos, sim, mas continua com algumas dificuldades, se deprecia, se questiona e se culpa, Miranda, como aquele garota se culpa.
- Sim - ela responde, agora em tom mais sério - Bri sempre teve esse lado mais sombrio e preocupante - ela da ombros - os pais nunca pareceram se preocupar muito, até tudo isso acontecer...
- Acredita mesmo que ela possa ter se atirado do mirante? - ele encara a colega confuso.
- Querido - a mulher senta-se na cadeira em frente à ele - eu fui a psicóloga da Brianna desde que ela era uma criança. Ela passou por momentos complicados, e no fim, depois de namorar o meu filho, ela acabou afastando-se das sessões - ela revira os olhos - como se tivéssemos muitas opções por aqui...
- Claro, eu compreendo - diz Jorge.
- Então, tem coisas que não vão mudar - ela continua - por mais que ela supere o trauma do acidente, por mais que ela lembre-se do que aconteceu, talvez isso não a impeça de tentar repetir, ou simplesmente a mera lembrança a encoraje a fazer tudo novamente... - ela levanta-se - não sei, suposições, Jorge, apenas.
- Certo - ele suspira - e como colega, pode me sugerir alguma coisa?
- Não - ela o encara - apenas não gostaria de ver você sentir-se fracassado como eu me sinto ao ver ela.
- Claro - ele pensa um pouco - pode me dar uma opinião particular?
- Claro - ela responde.
- Fui convidado à retornar ao Chile - ele sorri - como professor em meio período, na Universidade que eu estudei - ele parecia feliz e ao mesmo tempo incomodado.
- Isso é maravilhoso, Jorge - ela bate palmas - parabéns.
- Então, acha que eu devo ir?
- Mas eu nem mesmo sei porque está me perguntando.
- E quanto à Bri...?
- Acabei de te dar um parecer sobre ela - ela responde - sabe que nem mesmo pode apegar-se tanto à um paciente com esse histórico, então sim, acredito que você deve ir.
- Foi o que eu pensei - ele responde - e eu poderia continuar os atendimentos, achei boa a proposta.
- É maravilhosa - responde Miranda.
- Obrigada - Jorge agradece e logo Miranda se despede e se retira.
Jorge encara o computador novamente, ligando o monitor e começando a digitar freneticamente em seu teclado um email notificando o recebimento e o aceite formal da proposta de seu antigo professor e agora reitor: ele voltaria para o Chile.
Brianna acordou tarde no sábado, e estranhamente deparou-se com Dulce um tanto preocupada dentro do quarto:
- Bom dia, Dulce - ela disse - o que foi?
- Doutor Mendéz - ela responde um tanto sem jeito - ele disse que sabe que não tem horário hoje, mas que gostaria de conversar com você...
- Tudo bem - Bri espreguiça-se e continua - peça à ele para aguardar e vem me ajudar, por favor.
- Claro - responde a cuidadora.
Vinte minutos depois Brianna chega à sala de cadeira de rodas, e encontra com um apreensivo Jorge, que não se contém ao vê-la:
- Ai meu Deus - ele sorri - não sabe como me deixa feliz ver você aqui.
- Então - ela sorri também - acho que precisamos conversar um pouco.
- Sim - ele responde e ela indica o sofá da sala.
- Eu te devo um pedido de desculpas por ontem - ela suspira - eu acho que eu realmente não estou me fazendo muito bem...
- Que bom que pensa assim - ele sorri - mas não me deve desculpas, acho que eu é quem devo.
- Não - ela franze a testa - você está fazendo o seu trabalho...
- Não - ele responde - nesse momento, eu não estou mais, Bri.
- Claro, esta é uma visita informal...
- E todas as que possamos ter novamente, Bri, serão informais - ele não sabe como dizer o que precisa ser dito.
- Você está desistindo do meu tratamento? - ela o encara incrédula - Não pode fazer isso comigo, Jorge.
- Não - ele tem os olhos marejados - eu não estou desistindo - ele responde - eu apenas acredito que eu acabei cometendo um pequeno erro com você - ele diz calmamente - e eu receio que eu não vá conseguir conserta-lo, então, vou aproveitar a oportunidade que me foi oferecida e retornar ao Chile para lecionar na Universidade...
- Isso é bom - ela responde, e ele percebe que ela esta brava - é ótimo, parabéns.
- Obrigada, Bri, mas quero dizer que eu sinto muito...
- Não - ela grita - você não sente m***a nenhuma, e quer saber porque? Porque você é só o cara que analisa a bagunça toda que eu sou... E eu entendo, é só mais um que vai embora, então, já nos despedimos, adeus.
- Não faz isso - ele ajoelhou-se em frente à ela, deixando-a um pouco surpresa - eu não sei como eu deveria agir, apenas acho que talvez isso seja o certo - ele suspira - só não fique brava comigo, eu não gostaria de perder o contato...
- Eu não estou brava - ela afasta a cadeira dele, indo em direção ao seu quarto - eu estou decepcionada com você, Dr. Mendéz.
Assim que chegou em seu quarto, Brianna chorou: não choraria em frente à ele, ele era somente o terapeuta, e ela nem mesmo deveria ficar triste porque ele ia embora, mas sentia uma sensação terrível de vazio e abandono ao pensar que logo na semana seguinte, não veria mais os olhos brilhantes e o lindo sorriso do seu Doutor favorito. Doía pensar que ele a deixaria e agora ela não conseguia deixar de pensar que ele fazia isso porque ela era tão c***l, pessimista e auto depreciativa.
Pegou o diário novamente, talvez pela última vez e escreveu, ainda que em meio às insistentes lágrimas:
“Querido diário,
Para variar, eu não sei nem mesmo dizer que dia é hoje, me sinto tão perdida em meus pensamentos e esses acontecimentos estranhos que m*l penso nas convenções datas e horas.
O doutor Mendéz acabou de sair daqui, ou melhor, eu acabei de deixa-lo na sala, plantado como um i****a enquanto eu vim chorar em meu quarto: ele vai embora, ele vai voltar para o Chile e vai me deixar. Vai deixar meu tratamento, e me deixar para trás.
Nunca pensei que eu poderia sentir falta dele, mas agora parece que eu não sei o que eu vou fazer da minha vida se ele não estiver por perto para me ajudar, eu odeio minha vida, odeio o que ela se tornou depois de tudo isso... Vai ver era assim que eu me sentia naquele dia, porque sinceramente, hoje é um dos dias em que eu preferia não ter mais que viver”
Quando terminou de escrever, e passou a ler as frases que tinha escrito, Brianna chorou mais ainda: então os pensamentos suicidas, eles estavam lá, e aquelas frases que havia escrito eram a prova disso. Será que ela estava bloqueando momentaneamente esse tipo de coisa? Desse jeito era muito, muito fácil de acredita que ela havia se jogado daquele mirante.
Dulce tentou animá-la durante o horário de almoço e quando Ben chegou, ele fez um imenso esforço também, e tudo o que conseguiu foi um "fica tranquilo que eu ainda vou participar da reunião que você panejou". Dividida entre aceitar os fatos ou seguir na negação, Brianna tentou deixar de lado aquela conversa com Jorge para digerir depois e concentrar-se na noite... Ela não poderia sentir tanta falta de um médico, ela arrumaria outro. Mas e se não fosse somente do médico que ela sentiria falta?
Quando por fim a noite caiu e Voller chegou, ele tentou conversar, mas ela parecia estranhamente arredia, como no dia em que haviam se conhecido. Brianna foi legal com Carol e com Voller também, mas parecia que fazia um tremendo esforço para estar ali e para ser agradável, e ele sabia que ela não poderia estar bem. Benjamin tentou conversar, mas assim que os convidados foram para suas casas, ela apenas pediu que ele chamasse Dulce e disse estar cansada demais para qualquer tipo de conversa.
E em seu quarto, quando finalmente conseguiu ficar sozinha ela chorou novamente, sentia-se mais confusa do que nunca e agora, para completar, sentia uma certa culpa também, por Voller, porque ele parecia legal demais para estar com alguém como ela.