Acho que preciso de salvação

2204 Words
- Bom dia, bom dia - Jorge Mendéz entra no quarto de Brianna sorrindo e falando alto - quero saber onde está minha paciente mais mau humorada e ranzinza... - Provavelmente não vai ver você hoje - ela riu e ajeitou-se na cama - devo dizer que o meu humor está excelente, caso ainda não tenha percebido.  - Então, meu Deus - ele grita e ergue as mãos para os céus - eu estou presenciando um milagre, amém! - Boboca - ela responde rindo.  - Como está se sentindo? - ele pergunta enquanto senta na poltrona ao lado dela.  - Bem - ela responde - descansei, dormi e não sonhei com nada, então, aparentemente, minha cabeça resolveu tirar uma folga ontem.  - Certo - ele anota alguma coisa e volta-se para ela - isso é muito bom, sabia? Ajuda você a conseguir organizar seus pensamentos, sei que está passando por muita coisa...  - E não sabe nem mesmo da metade - ela ri.  - Uhmm - ele a encara - porque eu acho que eu preciso saber? - Ben está namorando, Marco me enviou um presente e disse que quer me ver e eu acho... - ela faz uma pausa - posso estar confundindo as coisas com o meu tutor...  - Certo - Jorge a encara - Ben está namorado, qual o problema? - Rápido demais? - ela responde.  - Para quem?  - Para eles, ué - ela encara o homem - certo, isso não deve ser problema meu.  - E porque está incomodada? - ele pergunta.  - Não estou incomodada. - Se realmente não estivesse, nem estaríamos falando disso...  - Acho que eu tenho medo que ele fique, sei lá, distante e sem tempo para mim - ela revira os olhos - como todos os outros moradores da minha casa ou pessoas da minha vida.  - Entendo... Então tem medo de ser deixada de lado pelo seu irmão? - Sim, porque ele é a única - ela lembra-se de Voller, não podia ser injusta - não, uma das poucas pessoas que não me trata como um problema a ser resolvido.  - Tudo bem, e já conversou com ele?  - Sim - ela responde - e ele quer trazer a namorada, fazer algo diferente, quer que eu saia do quarto... Carol quer cozinhar...  - Parece incrível.  - Não aceitei ainda. - E porque?  - Não sei se me sinto segura para isso.  - Claro que sim - ele sorri- é importante para o seu progresso, e você vai ter o apoio de Ben e da Dulce, caso precise, sabe disso.  - Acha uma boa ideia? - ela questiona.  - Uma das melhores que eu ouvi nos últimos tempos.  - Tudo bem então... Próximo tópico, Marco Antônio - ela diz.  - Certo, qual é o problema? - Não é um problema - ela responde - eu não lembro da nossa última conversa, sei que falamos ao telefone no domingo, antes do meu acidente.  - Sim - Jorge diz - quem sabe seja bom ver ele.  - Ou não - ela suspira - como se sentiria ao encontrar sua ex namorada, se estivesse totalmente inválido em uma cama?  - Não está inválida, Brianna, está em processo de recuperação...  - "Temporariamente inválida", caso prefira então.  - Você é muito pessimista - ele a encara - precisa encarar as coisas, Brianna, não vai poder se esconder nesse quarto para sempre.  - Não era o meu plano.  - E qual era o seu plano?  - Esconder-me em meu quarto até me recuperar e poder ter uma vida normal...  - Precisa viver - ele responde - se ficar ficada apenas na recuperação, pode se frustrar, pode ser ainda mais difícil do que realmente é.  - Certo - ela suspira - agora quem está sendo pessimista é você.  - Não - ele sorri - estou sendo o seu terapeuta e dizendo que esse caminho de sentar e esperar que as coisas se resolvam, para somente então tocar a vida em frente, pode ser meio que um barco furado.  - Acredita que eu devo ver o Marco? - Acho que sim - ele responde - claro, se você achar que está preparada, telefona para ele, se por acaso ficar desconfortável na ligação, diga que acha melhor esperar, e se estiver tudo okay, simplesmente combine um horário para que ele venha te ver.  - Parece inteligente.  - Obrigada - Jorge responde, ele gosta muito daquela garota, ela é intragável às vezes, mas tem um bom coração e principalmente: um excelente senso de humor - sabe que eu estudei muito para ouvir que era inteligente.  - Argh - ela rosna - boboca. - Começamos com o comportamento normal... - ele bate com a caneta no bloquinho - e o seu tutor? - O que tem ele? - ela questiona.  - Eu que pergunto, você disse que poderia estar confundindo as coisas... - Ah - ela suspira - sim. Provavelmente eu estou.  - E o que seria confundir...?  - Pensei que ele podia estar gostando de mim - ela responde - mas confundi mesmo, porque não.  - Ele disse que não?  - Não - ela grita - só sei que não.  - E como sabe?  - Pelo amor de Deus, homem - ela ri - acha mesmo que um cara gato, inteligente, super querido e pelo qual a escola inteirinha está babando ia ter algum outro tipo de intenção justamente com a maluca que se jogou do mirante e não pode mais caminhar?  - Você está se depreciando de novo, Brianna - responde Jorge irritado - mas sim ele pode sim estar tendo outro tipo de intenção - e porque aquilo incomodava tanto ele? - porque essas coisas acontecem. - Sim - ela revira os olhos - nos filmes clichés...  - Também - ele suspira - não vamos discutir, eu quero que pense nisso.  - Quer que eu pense no que?  - Voller... Marco... Nos sentimentos que você - ele a encarou - especificamente você, tem por eles ou por qualquer outro garoto - ele frisou essa parte - não adianta saber da intenção dos rapazes se você nem mesmo sabe das suas.  - Me manter longe de qualquer garoto - ela riu - não quero decepcionar mais ninguém.  - Isso que você faz é péssimo - Jorge levanta-se - terminamos por hoje.  - Ainda temos...  - Não - ele responde ríspido - não vou ficar mais quinze minutos ouvindo você se depreciar, quero que pense no que eu pedi, e voltamos a conversar na segunda feira.              Ele sai sem despedir-se e Brianna fica encarando as paredes do quarto. Ela sabe que esse comportamento que ela tem, de se colocar cada vez mais para baixo, é uma forma de não deixar que os outros criem expectativas, mas sabe também que afasta as pessoas ou que pode parecer vitimismo, ela pega o diário:  “ Dia já perdi as contas... Nem vou me dar mais ao trabalho de contar. Querido diário,                 O Jorge está furioso comigo, ele diz que me deprecio, ele diz porque não sabe como é r**m não conseguir mensurar a m***a que você fez, ele não sabe como é saber que cometeu algum erro, e não saber exatamente qual é.                 Não vou tentar explicar nada... Acho que fazer terapia não vai resolver meu problema, eu nunca vou saber o que aconteceu comigo, ou o que me fez tomar aquela decisão, se é que eu a tomei.         Vou fazer o que ele me disse: pensar nos garotos.                 Eu terminei com o Marco, porque não era mais a mesma coisa, parecia que namorávamos no piloto automático, como se o fizéssemos por ser o que todo mudo espera que a gente faça, como um compromisso do qual não podíamos escapar: então eu escapei. Eu o amava, desde quando éramos amigos, amava a companhia dele e o jeito divertido, e todas as coisas legais que fazíamos, mas acho que eu nunca fui verdadeiramente apaixonada por ele, perdidamente apaixonada, a ponto de fazer loucuras – como me jogar de um mirante.                 Em compensação, o Voller, e eu digo isso sabendo que posso estar sentindo isso apenas por estar carente e vulnerável – ele me faz ter vontade de sair correndo e voltar à viver, me faz querer pensar em um Natal com neve e em dias de sol na praia... Quando ele chega, parece que aquece meu coração, e quando vai embora, fico com a sensação de que eu não saberia o quer fazer, caso ele não voltasse.                 Tem outra pessoa, mas não sei o que sinto em relação à ela, nem mesmo sei e eu sinto. Não quero mais decepciona-la, é tudo o que eu sei... “             Brianna deixou o diário de lado e chamou Dulce para ajuda-la com sua higiene... Queria tomar banho, lavar os cabelos... Quando estava pronta, reparou que a roupa de cama havia sido trocada, as cortinas abertas e as coisas arrumadas. Pediu que Dulce a ajudasse a sentar-se na poltrona, queria ver o jardim lá fora...             A primavera chegava devagar: aos poucos as árvores iam soltando brotos, algumas flores tímidas já apareciam, apesar do frio... Brianna costumava gostar de sentar no jardim, no balanço que tinha em um grande pé de Plátano. Ela quase podia sentir a sensação do balanço, de estar descalça, com a grama tocando levemente seus pés, e isso a fez involuntariamente mexer os dois pés, ao mesmo tempo.  - Dulce - ela gritou ao perceber - você viu? - Sim - a cuidadora tinha lágrimas nos olhos - eu vi sim - ela sorria.  - Eu mexi os pés, Dulce... Devagarinho, mas eu mexi...  - Sim, pequena - a cuidadora agora aproximava-se abraçando a menina - você logo vai conseguir voltar a andar, se Deus quiser.              Quando os pais telefonaram ao meio dia, Brianna contou empolgada sobre o que tinha acontecido, e a notícia foi bem recebida por todos, mas Patrick era o mais empolgado: - Quem sabe essa mudança de ambiente não te faz bem? - ele pergunta - A cadeira está aí, pode pedir ajuda à Dulce ou ao seu irmão... Quem sabe não seja bom...  - Vou tentar - ela responde decidida. - Eu estou feliz com o seu progresso - o pai diz - e mais feliz com a sua força de vontade.              Benjamin não iria para casa naquele dia. Brianna decidiu usar a cadeira de rodas. Almoçou com Dulce na cozinha e esperou por Voller, pela primeira vez, fora do quarto, na biblioteca.  - Bri - ele entrou correndo e ajoelhou-se em frente à ela, abraçando-a - como é bom ver você fora do quarto...  - Ei - ela ri - assim parece um grande acontecimento.  - E é - ele sorri - acho que vai ser bom para você mudar de ambiente...  - Sim - ela diz decidida - acho que vamos revisar o conteúdo no jardim.  - No jardim? - ele sorri surpreso - Você é uma caixinha de surpresas, Brianna Barnett. - Acho que eu sou sim - ela riu, às vezes.             Sem dizer mais nada, Voller posicionou-se atrás da cadeira e a levou até o jardim, praticamente correndo, fazendo-a rir. Dulce tentou dizer que eles deveriam ter cuidado, mas quando ouviu Bri gargalhando, ela desistiu: ver ela feliz, parecia ser uma das coisas mais importantes naquele momento.              Pouco estudaram naquela tarde: Voller a levou por todo o jardim e os dois conversaram e riram, Brianna sentia-se bem, de repente, tudo o que estava acontecendo era bom para ela: - Mexi meus pés - ela disse encarando o sol que começava a se pôr por entre as árvores. - Sério? - ele sorria, sentado ao lado dela, na grama.  - Sim - ela sorriu - vi o balanço pela janela, e pensei na sensação e quando percebi mexi - ela fez um esforço para mover os pés novamente, e conseguiu - assim.  - Nossa - ele beija a mão dela - isso é o sinal de que você vai se recuperar sim.  - Já tem planos para o fim de semana? - ela pergunta olhando para o outro lado, porque tem medo da resposta e sabe disso.  - Me diga você - ela volta-se para o lado dele, que esta sorrindo - pensou em algo que queira fazer em minha companhia? - Acho que preciso de salvação - ela ri.  - Salvação?  - Sim, meu irmão quer trazer a namorada e eu não sei se eu estou preparada para conhecer ela.  - Tudo bem - ele sorriu - eu posso contrabandear chocolates, e álcool, mas acho que álcool não seria indicado.  - Somente os chocolates - ela riu e em seguida disse - claro, se não tiver nada melhor para fazer. - Eu nem mesmo consigo pensar em uma coisa melhor para fazer Brianna...              Aquele era um dos momentos que a  gente sonha que alguém esteja escondido, gravando. Mas ninguém estava, então Brianna apenas se sentiu a garota mais sortuda do mundo por saber que lembraria de Voller pronunciando aquelas palavras. O silêncio começou a ficar constrangedor, e ele decidiu que deveria leva-la de volta para dentro, porque começaria a esfriar. Logo eles se despediram e o rapaz seguiu seu caminho, enquanto Bri tomava um café sentada ao lado da janela.
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