“Dia 08 do meu processo de recuperação
Querido diário
Hoje eu comecei oficialmente as minhas atividades de ensino remoto. Não é a mesma coisa do que as aulas presenciais, e eu devo dizer que me sinto realmente aliviada por isso, porque sem a normalidade, eu não preciso encarar as pessoas, está bem difícil, eu não sei o que aconteceu, mas parece que todos me culpam por alguma coisa ou tem pena de mim... Falei para o Ben que eu não quero mais receber visitas, ele estranhou, mas concordou comigo, acho que entende meus motivos.
Ontem á tarde, Celina, que costumava ser minha amiga, veio me ver. Eu já disse, ela costumava ser minha amiga, porque depois de ontem eu não consigo me imaginar conversando com aquela garota por mais do que dois minutos, ela era realmente muito fútil e o principal, ela não parece se preocupar comigo ou com minhas condições atuais, parece que ela veio até aqui para me passar um boletim com as fofocas escolares, pelo que eu soube tem novo aluno na escola, deve ter vindo para abalar as estruturas, porque ela falou dele o tempo todo.
O tal do rapaz veio de intercâmbio, é canadense, tem dezessete anos e pela detalhada descrição da Celina, ele chegou na sexta feira e demonstrou ser aquele tipo de cara que é bom em absolutamente tudo o que faz, ou seja, mesmo ausente das aulas presenciais, eu consegui sentir aqui da minha cama o abalo da chegada dele. Eu não entendo como essas garotas conseguem ser tão bobinhas, quer dizer, qualquer coisa parece um grande evento, o cara m*l chegou e já está sendo tratado como a nova estrela do time, não é possível!
Além dessa visita – que eu não posso nem mesmo chamar de desagradável, vou chamar de informativa – meu dia foi um verdadeiro tédio: tentei fazer as coisas que o Dr. Mendéz disse, tipo, ouvir música, escrever, desenhar e me sinto uma criança do jardim de infância, mas não me lembrei de nada, a não ser do quanto minha vida está uma verdadeira maravilha nesse momento – sintam o cheiro da ironia.”
- Oi – Bella disse entrando no quarto, o que fez Brianna fechar subitamente o laptop.
- Oi – Brianna sorri – tá fazendo o que aqui?
- Eu vim te ver – Bella sorri – pensei em ficar um tempo com você... Ver um filme? Brigadeiro?
- Uhm – a garota sorri – certo, você faz o brigadeiro e eu escolho o filme.
- A parte boa para você e a r**m para mim... – Bella revira os olhos.
- Se eu pudesse sair dessa cama... - começa Brianna.
- Inventaria uma desculpa e eu faria o brigadeiro, de toda forma – a irmã mais nova ri – tudo bem.
Brianna ajeita-se na cama como pode. Minutos depois Bella entra no quarto e o aroma de brigadeiro preenche o ambiente: quase podia ser um momento normal, se a cada vez que fosse rir, Bri não sentisse dores pelo corpo. Ao fim do filme e do brigadeiro, as duas ainda conversaram um pouco:
- E a sua recuperação? – questiona Bella.
- Devagar – Bri revira os olhos – eu não consigo lembrar de nada... Conversei com o Ben no telefone, e depois é como se tivessem deletado tudo o que eu fiz da minha vida. Eu terminei de me vestir, não lembro nem mesmo de me despedir da mãe e do pai... É muito frustrante, sabe?
- Nossa – Bella encara a irmã com piedade – deve ser difícil.
Benjamin entra no quarto interrompendo a conversa:
- Que milagre, as duas juntas e nenhum grito – ele debocha e então encara Brianna – como passou o dia?
- Ah, passei bem – ela suspira – passei como deu para passar.
- E as tarefas da escola? – Ben questiona.
- Eu li bastante coisa, comecei algumas, mas ainda não terminei nada.
- Acho que deveria se concentrar e focar nas tarefas, é importante – Ben diz com seriedade.
- Obrigada pelo sermão – ela encara Bella – obrigada pelo tempo e pelo brigadeiro, aparentemente agora, eu preciso estudar.
Ainda revoltada com a insistência de Benjamin em coisas que não estavam lhe despertando o menor interesse, Brianna pegou o laptop e começou a digitar freneticamente: o ponto positivo era que não precisava levantar cedo e nem encarar os colegas, o negativo era que não entenderia nada e ninguém poderia ajudar, Ben era um zero à esquerda nas disciplinas exatas.
Depois de quase três horas tentando ininterruptamente concluir minhas tarefas de matemática e física, eu desisti: ninguém em casa tinha capacidade de me ajudar e eu não conseguia pensar em uma solução. Encarei a rela em branco do meu notebook e pensei um pouco “se eu enviar um email ao professor e disser que estou com dificuldades, ele pode tentar me ajudar” , seguido de “se eu fizer isso, posso estar me passando por vítima e os professores me aprovem por pena” e no fim, decidi que absolutamente ninguém morria por enviar um email ao diretor da escola dizendo que está tendo algumas dificuldades..
“Diretor Guedes,
Como sabe, eu sempre tive um pouco de dificuldades nas disciplinas de matemática e física, mas era totalmente contornável na presença de um professor que me ajudasse... Sozinha em casa, fica bem difícil, infelizmente ninguém consegue me ajudar com isso. Caso o senhor tenha alguma ideia brilhante que possa me ajudar, serei muito grata. Esperando poder voltar em breve, Biranna Barnett”
Enviei a mensagem e dei atenção às minhas outras tarefas, mas Ben logo entrou em meu quarto distraindo-me:
- Encontrei uma coisa – ele diz sério – ontem à tarde, eu repassei a cena do seu acidente...
- Uhmm – fecho o laptop e o encaro curiosa – o que achou?
- Recuperei o seu telefone celular – ele diz, tirando do bolso o aparelho quebrado, porém, ligado – entreguei a um amigo ontem para ele ver se conseguia fazer funcionar.
- Certo – eu sorri – e o que podemos descobrir... ?
- Com quem falou, onde esteve...
- Tudo bem – ajeitei-me como pude na cama para que ele sentasse ao meu lado.
Peguei o aparelho e coloquei a senha: encarar meu telefone fez eu ter um pequeno flash: eu telefonara para alguém depois de falar com Benjamin. Fui direto ao registro de chamadas: Marco Antônio. Benjamin não falava nada, apenas analisava as coisas que eu fazia e anotava algumas informações em seu bloquinho. Entrei no registro de localização e ele era normal, eu havia saído de casa – e não tinha sido a pé – tinha ido até um restaurante conhecido, onde eu normalmente encontrava meus amigos e depois, tinha saído – e não tinha sido a pé – e ido até o mirante. Do mirante, eu havia recebido uma mensagem de Bella pedindo uma blusa emprestada, e eu apenas respondi com um “ok” e depois disso, mais cinco minutos até o celular desligar-se.
Eu não sabia direito no que pensar: não lembrava de nada daquilo, nem mesmo da minha irmã pedindo a blusa, nem de ligar para Marco, era h******l não conseguir fazer a menor ideia do que acontecera com você. Ben saiu do meu quarto um tempo depois e acho que estava um pouco decepcionado por não termos descoberto muitas coisas.
Quando eu acordei na manhã seguinte, eu lembrei de um sonho esquisito: Bella discutia comigo e dizia que eu nunca deveria ter voltado a andar, e o estranho era que no sonho eu estava andando... Antes que eu pudesse pensar sobre isso, minha mãe aparece para me desejar bom dia, antes de sair para um compromisso inadiável que eu sabia que era algum procedimento estético que ela havia adquirido com descontos em alguma clínica um pouco duvidosa...