A segunda feira amanheceu nublada, o que fez Brianna resmungar antes mesmo de começar a pensar em como seria o seu dia. Dulce apareceu logo depois do despertador para ajuda-la e a rotina ficava cada dia mais fácil, e apesar das dificuldades, Bri conseguia sentir alguns pequenos progressos.
Sua fisioterapeuta chegou logo que ela terminou o café da manhã e a sessão de uma hora acabou sendo uma hora e vinte. Ao final, Bri sentia-se exausta e frustrada.
- Vai ser devagar - a mulher disse sorrindo - mas sim, você tem os reflexos, e isso é excelente. Aos pouquinhos vai conseguir evoluir no tratamento, precisa ter paciência.
Brianna ainda recebeu a visita de seu neurologista que passou rapidamente para vê-la e aproveitou para tocar em um desagradável assunto:
- Soube que o Dr. Mendéz retornou ao Chile - ele diz.
- Sim - ela suspira - mas ele indicou um substituto...
- Claro - o Dr. Munhoz responde - e quanto à Miranda? Porque não pensa em conversar com ela?
- Não tenho o menor interesse - ela responde ríspida - caso não saiba, namorei por anos com o filho dela e não me sinto nenhum pouco confortável com isso - responde Brianna.
Um pouco decepcionado, talvez, o médico retira-se minutos depois. A garota aproveita para chegar seus emails: promoções, coisas da escola, ali estava ele: Jorge Mendéz:
“Oi, Bri
Então, está tudo bem por sábado, certo? Sem ressentimentos. Eu, particularmente, acredito que eu poderia ter tido um pouco mais de sensibilidade ao dar a notícia, ou quem sabe, ter dado um pouco de tempo para que você se acostumasse com a ideia, mas eu procrastinei muito minha decisão e fiquei sem tempo, no fim das contas eu não queria me afastar da minha melhor paciente, a balança pesou bastante para ficar quando pensei sobre isso.
Como disse, eu cometi erros, e talvez, com a evolução do seu quadro, poderíamos enfrentar algumas dificuldades, acredito que tomei a melhor decisão possível para nós dois, e sim, você receberá todo o apoio necessário ao seu tratamento de um outro terapeuta, Dr. Antônio Machado, ele só poderá ver você três vezes por semana, por morar em outra cidade, mas ele tem tanta experiência em pós trauma quanto eu, e acho que não vai ter dificuldades em se adaptar à ele.
Como terapeuta, eu vou deixar você, mas ainda estou aqui como amigo, caso tenha interesse. Acabei me apegando à minha melhor paciente – mesmo que ela seja mau humorada e ás vezes meio rebelde demais. Também sentirei a sua falta, passaria para te dar um abraço, mas estou no aeroporto. Fique bem, estarei sempre torcendo pela tua recuperação. Com carinho, Jorge”
Aquele email foi como um sopro de ar quentinho em seu coração: ao menos, como amigos, ela poderia manter o contato, então talvez não acabasse por sentir-se tão sozinha. Mas a entristecia pensar que ele não estaria com ela, que não o veria mais, ela nunca pensara que poderia se sentir assim, ainda mais por causa dele... No fundo, Brianna sabia precisava pensar sobre aquilo, e precisava se preparar também, porque Voller chegaria logo após o almoço...
“Querido diário
Hoje está sendo um dia bem complicado... Acho que mesmo sabendo que seria difícil, eu não imaginei que as sessões de fisioterapias fossem tão complicadas. Quando encerrei a de hoje, eu estava exausta e frustrada, porque eu simplesmente não vejo nada de diferente comigo.
Jorge respondeu o meu email, e eu fiquei feliz por isso, eu achei que depois do meu comportamento no sábado ele nunca mais falasse comigo e isso me torturou, mas agora que recebi o email, posso dizer que estou aliviada, apesar de ter sentindo um nó em minha garganta quando eu li “estou no aeroporto”, poxa, ele estava indo embora e eu não o veria, quem sabe nunca mais, e nem podia me despedir.
O Benjamin não vem almoçar e casa hoje. Está difícil, ainda preciso pensar nas coisas que a Bella disse ontem, mas nem sei se vale a pena perder o meu tempo, levando em consideração todas as dificuldades que eu tenho que superar ainda dar atenção à Bella e as bobagens dela, realmente não parece fazer muito sentido, mas eu sou a pessoa que não consegue deixar as coisas de lado quando estou incomodada e sim, eu estou bem incomodada.
Acho que ainda devo um pedido de desculpas ao Voller, mas talvez eu nem mesmo saiba como eu devo fazer isso... Minha vida está uma verdadeira bagunça.”
Dulce trouxe o meu almoço: eu não estava me sentindo muito disposta para sair do meu quarto, além de triste eu me sentia cansada. Quando Voller chegou, inclusive eu cochilava. Ele acabou me acordando ao largar a mochila:
- Desculpa - ele disse baixinho sorrindo - eu não queria acordar você.
- Tudo bem - Brianna ajeita-se na cama - não posso dormir o dia todo.
- Parece que precisa descansar - ele pega a mão da garota delicadamente - quer deixar para estudar mais tarde?
- Não - ela responde - eu preciso estudar, preciso aprender essa matéria - ela suspira - não sei como, mas eu preciso.
- Fica calma - ele sorri - você está indo bem, logo vai estar tirando de letra...
- Olha ai você - ela riu alto - "tirando de letra"
- Essa eu aprendi hoje - ele disse.
- E como estava a escola? - pergunta Bri.
- Normal - ele disse - escolas são iguais em todos os lugares... E você? Não quis ir estudar no jardim ou na biblioteca?
- Não - ela suspira - só estou cansada, a sessão de fisioterapia foi exaustiva.
- Acredito que si - ele diz - e então? O que quer estudar primeiro?
- Qual é a primeira prova? - ela questiona.
- Física - ele responde - e no mesmo dia você vai poder fazer mais uma, ai eu penso que você pode fazer física que tem dificuldade e outra que seja fácil para você, como literatura.
- Boa ideia - ela concorda - ai eu poderia estudar bastante para física, e literatura eu não precisaria estudar porque já sei.
- Sim - ele sorri - então vamos lá? - ele entrega à ela o caderno de questões.
Ao final do dia, depois que Voller voltou para casa, Brianna aguardou por Benjamin que por sorte, chegou no horário:
- Oi para a minha irmãzinha - ele disse entrando no quarto.
- Oi Ben - ela sorri e se ajeita na cama - que bom que chegou cedo, eu estou exausta...
- Uhm - ele aproximou-se e beijou a testa a irmã - e como foi tudo?
- Bem - ela responde - cansativo, mas bem.
- Certo - ele a encarou - soube que o seu terapeuta foi embora...
- Sim, ele foi - aquilo incomodava, ainda mais quando era outra pessoa que dizia, porque parecia ainda mais real - ele voltou para o Chile, ele vai dar aula na Universidade...
- E como você está com tudo isso? - pergunta Ben.
- Eu estou bem, eu acho - ela mente.
- Não sabe mentir direito - ele riu - soube que ele indicou outro profissional, ao menos não te deixa na mão.
- ´Verdade - ela responde - e ai eu não preciso aceitar a Miranda.
- Ainda insistem nisso? - ele pergunta.
- Sim, a mamãe, o papai, o Dr. Munhoz...
A conversa durou pouco, Brianna logo disse que estava cansada e que precisava dormir, mas quando Ben saiu do quarto, ela não conseguiu: simplesmente virou de um lado para o outro na cama até se sentir ainda mais exausta do que antes, até finalmente adormecer e ter um dos sonhos mais estranhos de sua vida:
“ o ronco de uma moto... o ar estava frio, tinha uma voz masculina, ela dizia alguma coisas, tudo parecia tão longe, tão distante... e de repente ela estava caindo, caindo em alta velocidade, e quando por fim atingiu o chão... "
... ela acordou: tinha realmente alguém com ela no mirante naquela noite: mas ela não conseguia lembrar-se de absolutamente nada além de uma voz que parecia um eco distante e incompreensível, não facilitava em nada aqueles flashes, ela não conseguia nem mesmo organizar aqueles pensamentos em sua cabeça.
Fechou os olhos e tentou dormir novamente, mas a cabeça parecia girar: Jorge, Marco... Voller, porque tudo tinha que ser tão complicado? Não bastava estar presa em uma cama ou uma cadeira de rodas, não lembrar-se de uma parte da sua vida e ainda assim, tinha que acontecer mais um monte de coisas, todas juntas e todas ao mesmo tempo.