- Que cara é essa? - Voller pergunta a Bri na tarde de sexta-feira.
- Estou preocupada - ela responde - com as provas, e em sair de casa...
- Vai ficar tudo bem - ele diz sorrindo - eu vou estar com você, suas provas vão ser no turno inverso, então assim que sair da sala, eu estarei lá.
- Ah, claro - ela sorri, aquilo não parecia muito reconfortante, ela pensava em estar em uma cadeira de rodas, usando sondas e fazendo a prova em turno inverso - obrigada.
- Não me agradeça - ele sorri - acho que chega por hoje.
- Estou exausta - ela boceja.
- Como foi a fisioterapia? - ele questiona fechando os livros.
- Fiz um progresso - ela suspira - e agora consigo sentir, basicamente dores.
- Faz parte do processo - ele sorri - quer fazer alguma coisa?
- Que tipo de coisa?
- Sorvete - ele diz.
- Uhm, gosto...
- Então, vamos? - ele convida.
- Não - ela n**a, sem chance.
- Qual é, Brianna? Tem uma sorveteria aqui pertinho, a calçada é super plana e eu posso levar você...
- Não - ela responde - não vou sair numa cadeira de rodas para tomar sorvete...
- E porque não? - ele pergunta.
- Por que não quero sair assim... - ela responde - não é como eu imaginei que seria...
- Uhm - ele sorri malicioso - imaginou como seria sair comigo?
- Para, bobo - ela responde - não vou.
- Vai sim - ele sorri - também não imaginei sair com a garota mais marrenta e mau humorada do Brasil, mas fazer o que...
- Que horror - ela grita - eu nem sou assim.
- Claro que é, Brianna! - ele se aproxima - Eu não estou nem ai para sua cadeira de rodas ou precisar te empurrar por ai - ele sorri - faço isso de bom grado, porque eu gosto de estar com você, mesmo que pareça impossível...
- É impossível, Voller - ela o encara - quem vai gostar de estar com alguém...
- ... não, não é gostar de estar, é "gostar de alguém".
- Que seja - ela tentou ignorar as borboletas no estômago - quem vai gostar de alguém com tantos problemas?
- Eu ! - ele sorri - Desde o dia que eu entrei por aquela porta ali, e você começou a reclamar... Acho que eu gosto do fato de que você nem mesmo sabe o quão incrível você é, acho que eu deveria ficar mais e mais tempo com você para poder te mostrar isso.
- Eu não sei o que quer de mim - ela diz com os olhos marejados - só sei que eu não posso te dar, eu não sou essa garota, Voller...
- É sim - ele responde - e no momento, sua chata, eu só quero que vá tomar sorvete comigo.
Ela encarou as paredes por um tempo: se ela aceitasse, seria quase como aceitar a sua condição de cadeirante, de inválida... Ela começaria a fazer coisas normais e com o tempo, se acostumaria com aquela vida que ela não queria levar, mas se não aceitasse, chatearia Voller e provavelmente ele não falaria mais com ela...
- Tudo bem - ela responde - só chama a Dulce, pro favor.
- Claro - ele responde e sai do quarto correndo.
Alguns minutos depois ela aparece na sala: vestido amarelo com estampa floral, all star cor de rosa e um casaquinho cor de rosa também... Ele poderia passar o resto da vida olhando para ela, era fácil ignorar a cadeira de rodas e o mau humor dela quando ela sorria daquele jeito, ela estava tão linda que chegava a doer.
- Você está incrível - ele diz sorrindo, e sim, Brianna não é boba, ela conhece aquele sorriso bobo, ela sabe a sensação: um garoto sorrindo daquele jeito está disposto à tudo, e ela sabe disso.
- Obrigada - ela agradece.
- Vão com cuidado - grita Dulce enquanto volta aos seus afazeres.
Aquele foi, de longe, um dos melhores passeios da vida dela: o caminho foi um tanto silencioso, ela estava desacostumada a ver as pessoas, mas assim que chegaram na Frozen's, a sorveteria mais famosa da cidade, tudo pareceu sumir: ela só conseguia concentrar-se no seus sorvetes favoritos e no sorriso realizado de Voller:
- Você por aqui - Celina, a colega e ex amiga aparece e senta-se na mesa com eles, mesmo sem ser convidada.
- Sim - ela tenta permanecer confiante - eu por aqui...
- E você - ela encara diretamente Voller - que estranho...
- Como sabe - diz Voller - sou o tutor da Bri em exatas, assim como ela é minha tutora em linguagem...
- Mas ninguém está estudando aqui - ela ri - ah, entendi... - ela sorri sarcástica e sai sem dizer mais nada.
- Certo - suspira Brianna - eu poderia ter ficado em casa e não teria passado por isso...
- Calma - ele sorri e pega a mão dela, beijando-a em seguida - esquece ela.
Brianna apenas consente e tenta concentrar-se no plano diversão: e consegue, ao menos com Voller as coisas pareciam naturais, mesmo quando eram tão difíceis. No caminho de volta, pararam no parque, tiraram fotos e se divertiram muito.
- Obrigada por isso - ela disse quando estavam sentados no parque: ele no banco com a cadeira dela bem ao lado.
- Não me agradeça - ele sorri - fazia dias que eu pensava em fazer isso.
- Foi incrível - ela diz sorrindo.
- Foi sim - ele sorri - uma comemoração prévia aos nossos excelentes resultados na semana que vem!
Os dois voltaram para casa e Brianna sentia-se quase nas nuvens. Dulce estava feliz por ela e ouviu todos os detalhes enquanto a ajudou com um banho e a vestir um pijama. Assim que a cuidadora saiu, Bri pegou o seu diário:
“Querido diário,
Sai com o Voller hoje, e eu sei que isso parece estranho, mas eu acho que eu nunca me diverti tanto em toda a minha vida como no dia de hoje. Fomos à sorveteria e ao parque, e se não fosse a desagradável da Celina, teria sido perfeito, mas foi incrível de toda forma.
Acho que eu posso me acostumar fácil à estar com ele, tudo parece simples e bom, e ele parece sempre ter uma solução para tudo, e ele me olha daquele jeito, com aquele sorriso bobo de quem está realmente afim do outro, mas eu não posso fazer isso comigo, não posso fazer isso com ele.
Que tipo de namorada seria? Um fardo para que ele carregue, o tempo todo? Que não tem uma vida normal, que não consegue fazer nada sozinha? Eu não me perdoaria, porque sei que ele está disposto à tentar, ele tem isso escrito nos olhos dele, mas não posso permitir, porque eu nem mesmo sei se um dia eu vou melhorar e ter minha vida de volta, ele não merece isso.
Além disso, eu nem mesmo sei o que eu estou sentindo agora... É bom estar com ele, e ele é ótimo, em todos os sentidos, mas eu sito falta de outra pessoa, não posso enganar ninguém nem mesmo a mim”
Fechou o seu diário e pegou o notebook, checando os seus emails, uma nova mensagem de Jorge Mendéz:
“Oi Bri, cedo demais? Ainda não está sentindo minha falta, não é? Me conta, como passou a sua semana? E como foram as sessões de fisioterapia? Está se alimentando bem? E dormindo o suficiente? Cuide-se, torcendo por você. Com carinho, Jorge”
Com o coração disparando ela encara a tela pensando em uma boa resposta:
“Hey, não fala besteira, não é cedo demais, acho que eu sinto sua falta desde que te deixei plantado na sala da minha casa, ainda estou arrependida, acredita?
Passei bem a semana, estudei muito, semana que vem faço minhas provas, terei que ir até à escola, não sei se eu estou preparada para isso, de verdade. Minhas sessões estão sendo exaustivas, e eu fiz um progresso: passei de “não sinto nada” para “sinto algumas dores”, acredito que seja o caminho, mas estou com poucas esperanças.
Me alimentando bem sim, com sorvete, inclusive fiz uma pequena excursão à sorveteria, você teria ficado orgulhoso... Durmo bem, sem sonhos ou pesadelos e ainda não procurei o outro terapeuta – pode me julgar, mas prefiro o meu antigo. Sinto sua falta, de verdade. Brianna”
Há quilômetros de distância, em um pequeno apartamento no centro da cidade, há dois quarteirões da Universidade, Jorge Mendéz lê a resposta de Brianna, quem sabe ele não estava assim tão perdido, quem sabe o que ele julgava ser um erro, o envolvimento além do necessário, fosse um acerto? Ele sentia o peito disparando, não aguentou e escreveu um novo email enquanto tomava sua cerveja sentindo o ar fresco da noite entrando em seu quarto:
“Acho que eu não consigo ficar sem falar com você, foi complicado de ficar assim durante a semana... Fico feliz de saber que está disposta a tentar coisas novas, é excelente para a sua recuperação. Sem querer ser o terapeuta chato, precisa de acompanhamento... Me chama quando quiser conversar”
Quando este email chegou, Bri já estava dormindo profundamente com seu computador desligado e no lugar, nem mesmo imaginaria que ele seguiria aquela conversa.