Memória de CD riscado

2124 Words
            A sexta-feira amanheceu nublada e um pouco fria: Brianna por um momento agradeceu por não precisar sair da cama, ela detestava dias nublados, dias chuvosos também - ela espreguiça-se e sente um leve formigamento em uma das pernas... Formigamento? Ai meu Deus! - Beeeeen - ela grita - Dulce, Mãe... - ela continua até alguém aparecer, mas o primeiro a surgir na porta é o pai.  - O que foi Brianna? - ele se aproxima procurando algo de errado.  - Eu senti - ela diz animada - um formigamento na minha perna direita.  - Como assim? - o pai não entende.  - Eu não sentia nada - ela sorri - agora quando acordei, senti um leve formigamento, senti alguma coisa. - Ah, isso é maravilhoso - o pai sorri contente - vamos chamar o Dr. Munhoz...  - Não é necessário - ela responde - ele deve vir aqui perto das dez horas hoje.             Ben aparece correndo de cuecas e camiseta: - O que foi? - ele pergunta preocupado - Estava no banho... - Senti um formigamento na perna direita - ela responde.  - Ai meu Deus - ele a abraça - viu, as coisas vão melhorando aos pouquinhos...              Todos pareciam contentes ao saberem da novidade. Dr. Mendéz era o primeiro médico da manhã, e ele disse estar feliz com o pequeno progresso: - Sim - ele sorri - é muito bom voltar a sentir, mas pode ser que tenha sentido apenas um reflexo.  - Não entendi - ela o encarou confusa.  - Pode não ter sentido, apenas pensado ter sentido - ele explica.  - Cortou o meu barato - ela o encara brava.  - Não - ele pegou a mão dela - acho que essa parte é meu trabalho também, não posso deixar você elevar demais as suas expectativas sem um parecer do seu neurologista que venha a corroborar com isso.  - Uhmm - ela suspira - tudo bem.              Assim que o Dr. Munhoz chegou, Brianna contou o que sentira e a resposta dele, apesar de semelhante à de Mendéz, trazia um pouco mais de esperança: - Inicialmente, é tudo muito sutil - ele explica - vou te dizer que eu estou rezando para que realmente tenha sido sensitivo e não reflexivo. Isso prova que ainda temos que ter fé, Brianna.  - Obrigada, doutor - ela diz um pouco emocionada - eu não quero ficar assim para sempre.  - Acho que ninguém quer - ele sorri com bondade - acho que precisa descansar mais - ele diz - está com olheiras, está conseguindo dormir bem?  - Sim - ela responde - ontem dormi mais tarde porque fiquei assistindo a um filme...  - Uhm - o médico sorri - tudo bem, mas precisa descansar, é importante. Acho que deve fazer isso antes mesmo do almoço - ele diz baixinho.               E quando o médico sai, Bri sente-se realmente cansada: tudo parecia deixa-la cansada, e receber os médicos era quase uma sessão de tortura. Apenas pediu que Dulde a auxiliasse a deitar melhor e dormiu profundamente: “ eu estou caindo... posso ouvir um grito? Tem cheiro de terra molhada e tudo está gelado... “ “uma voz masculina conhecida murmura algo sobre estar cansado”                 Brianna acorda suando: o que estava acontecendo? Que sonho mais doido era aquele? Pegou o bloco ao lado da cama e anotou algumas coisas, tentando em vão adormecer novamente. Ben entra correndo no quarto com roupas esportivas: estivera correndo.  - E ai irmãzinha - ele diz e logo a encara - que cara é essa?  - Sonhei uma coisa - ela diz - sem sentido...  - Certo - ele diz - mas sabe que nada vai fazer muito sentido, não é?  - Sim - ela suspira - era como um CD riscado, voltando e indo... E depois voltando: eu estava caindo, sentia cheiro de terra molhada, tudo era frio... Parecia ter alguém gritando ao fundo...  - Pode fazer sentido - diz Ben - e o que mais? - Uma voz masculina, eu sei que eu a conheço, mas não identifico, diz que está cansado, que está muito cansado, nas verdade. - Bri - Ben a encara - eu falei isso para você no telefonema antes do acidente. Você falou que desligaria porque iria sair e eu disse que algo como "vou dormir que eu estou cansado, estou muito cansado". - Então pode fazer algum sentido - ela diz empolgada.  - Claro que sim - ele responde - anotou isso? - Sim, senhor - ela diz debochada.  - É como o Dr. Mendéz disse, aos poucos você vai se lembrar... - Ben encorajou-a. - Mas é muito difícil - ela responde.  - Sim, e eu sei disso - ele sorri - mas estou aqui do seu lado sempre que precisar, certo? Para qualquer coisa. - Até para ouvir os relatos da minha memória de CD riscado? - ela pergunta com os olhos marejados. - Até para isso - ele beija a testa da irmã - vou para o banho e a senhorita deve se preparar, porque hoje à tarde o seu tutor virá para estudar com você.  - Como sabe disso? - ela pergunta.  - Tem uma grade de horários na cozinha, com a sua programação - ele deu ombros - coisas da Dulce, certo?  - Perfeito - ela debochou - cada vez mais me sinto como um problema.              Ben saiu do quarto e Dulce e ajudou com o banho, era estranho depender de alguém o tempo todo, mas a cuidadora - sim, cuidadora, como de idosos, ela repetia constantemente fazendo a moça rir - era ótima, muito paciente e prestativa, e com isso, Bri sentia-se segura. Quando Dulce foi colocar-lhe as meias, Bri mexeu os dedos do pé direito, e para garantir que não havia sido apenas um reflexo, ela acabou por mexer novamente e gravar vídeos para enviar aos seus médicos.              Ainda enquanto almoçava, Brianna brincava de mexer os dedos do pé, sim, havia uma pequena esperança para ela, que ainda precisou atender telefonemas dos seus dois médicos felizes e empolgados com os resultados.  - Ola - Voller diz quando aparece à porta do quarto.  - Oi - ela diz sorridente, ajeitando-se na cama - chegou cedo.  - Sim - ele sorriu sem jeito - precisa de tempo? Posso esperar...  - Não - ela respondeu rapidamente - está tudo bem, só comentei...  - Certo - ela sorriu. - Pode puxar aquela cadeira - ela indica uma poltrona confortável - e sentar perto de mim, eu não mordo. - Não entendi - ele a encarou confuso. - Falei que eu não mordo - ela riu - como cães bravos que precisamos manter distância, porque mordem, eu não costumo morder. - Tem diferença? - ele questiona - "Eu não mordo", "para eu não costumo morder"?  - Sim - ela riu - "eu não mordo", é definitivo e "eu não costumo morder" é condicional. - Certo - ele riu - acho que é melhor manter uma distancia segura - e sentou-se na cadeira ao lado da janela, mas logo levantou-se - brincadeira - e trouxe a cadeira até o lado da cama - eu não tenho medo. - Sim - ela revirou os olhos - o que uma garota semi inválida poderia fazer? - ela riu alto.  - Você não sabe o quanto pode ser perigosa, Brri - ele sorriu e ela sentiu uma leve onda de calor percorrer seu corpo, era incrivelmente sexy a forma com que ele pronunciava seu apelido, fazia o corpo dela arrepiar-se.  - Certo - ela sacode a cabeça para afastar os pensamentos inapropriados para o momento - vamos começar com minhas dúvidas de matemática?  - Claro - ele concorda.             Os dois estudam por mais de duas horas, até Dulce aparecer com suco de uvas, bolo e sanduíches: - Um lanchinho - ela diz delicada - acho que estudar deixa a gente com fome - ela riu - eu, pelo menos, sempre gostei de fazer uma pausa. - Obrigada Dulce - Bri agradeceu.  - Obrrigada - sorri Voller.  - É a sua mãe? - ele parece confuso.  - Não - responde Bri depois de um gole de suco - ela é a minha cuidadora. - Como uma babysitter? - ele questiona. - Não - ela ri - como um cuidador de idosos.  - E porque? - ele parece não entender. - Na minha condição - ela detesta falar sobre isso - eu não tenho muita autonomia, e minha mãe não tem paciência e talvez não tenha responsabilidade para assumir os cuidados comigo - isso incomodava também, e ela tinha os olhos marejados.  - Ei - ele pega a mão dela, delicadamente, e a segura com firmeza, fazendo novamente com que Bri sentisse a onda de calor percorrendo o seu corpo - você vai ficar bem, é só uma questão de tempo.  - Acredita mesmo nisso? - ela solta a mão do rapaz encarando-o - Ou só dia isso porque está com pensa de mim?  - Acredito - ele diz franzindo a testa - mas acho que você precisa acreditar também. E ai ? Assistiu o filme que eu te indiquei? - Sim - ela sorri - nossa, ele era muito bom...  - Sim - o rapaz sorri - assisti tem uns três anos, mas revejo com frequência. - Porque? - ela o encara confusa. - O que? - ele retruca.  - Porque rever um filme? - ela parece divertir-se.  - Reviver a emoção que ele causa - ele a encarou - você não sentiu nada?  - Sim - ela responde envergonhada, precisaria escrever sobre o filme e sobre o sentimentos que ele tinha desencadeado, por um momento, ela desejava mais do que tudo sentir o rapaz ao lado olhando-a com o mesmo olhar de devoção - mas não sei se é algo que eu gostaria de repetir.  - Ah - ele pareceu entender - é um pouco pesado... - Quase ignorei o assassinato - ela riu sem jeito.  - Para mim ele foi quase irrelevante - ele deu ombros - concentro-me nas emoções dos personagens.  - Sim - ela suspira  e o encara rindo - você é um romântico! - Você me descobriu - ele esconde o rosto entre as mãos - escrevo um pouco no meu tempo livre.  - Escreve? - ela o encara. - Sim - ele responde envergonhado - one shots, textos curtos...  - Aqueles cruéis, que parecem com um t**a no rosto de quem lê? - ela ri.  - Não - ele responde - estão mais para um soco no estômago.  - Nossa, estou realmente surpresa - ela aplaude - quem diria... - Não sabe muito sobre mim, não pode ficar surpresa. - Sei um pouco - ela dá ombros - não importa... Você publica? - Não - ele ri - são bem particulares.  - Tá certo - ela espreguiçou-se e novamente mexeu os dedos, o que a fez rir.  - O que houve? - ele pergunta.  - Senti meus dedos do pé hoje - ela riu - parece bobo mas...  - É incrível - ele responde sorrindo também.              Os estudos ainda levaram em torno de duas horas e apesar dos olhos brilhantes e o sorriso perfeito de Voller dificultarem - e muito - a sua concentração, prejudicando o processo final de  aprendizado e compreensão, Brianna deu-se por satisfeita porque agora, ela sabia, ao menos cinquenta por cento do conteúdo de matemática. Tentou dormir assim que Voller saiu, mas ficava difícil com o perfume dele impregnado dentro do quarto, resolveu escrever:   " Dia 11 do meu processo de recuperação Querido diário,          Nem mesmo sei porque ainda escrevo "querido diário" parece meio idiota... Hoje o meu dia foi emocionante, acordei pensando ter sentindo um formigamento no meu pé direito e agora, eu mexo os dedos do pé, parece pouco, mas para mim já é suficientemente incrível!          Me sinto exausta, mas não consigo nem pensar em fechar os meus olhos. Ontem à noite eu assisti um filme que o Voller indicou... O Voller é o cara do intercâmbio, e graças ao diretor, meu tutor nas exatas, enfim, ontem à noite ele me indicou um filme e eu assisti e pesar de ser um pouco perturbador, ele era tocante, e eu me peguei questionando novamente algumas coisas. O "olhar de devoção" é uma coisa que eu creio que ao menos uma vez na vida, nós vamos sentir, acho que uma vez na vida alguém deve te amar desse jeito - não a ponto de te m***r, obviamente...          Não consigo mais manter os meus olhos abertos, acho que não devia ter ficado acordada até tão tarde ontem... Boa noite"           Brianna fechou o diário e tentou arrumar-se para dormir: se chamasse por ajuda, provavelmente, tentariam convence-la a jantar, mas ela estava cansada demais para isso, cansada demais para qualquer coisa.
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