Os dias de Brianna tinham uma nova parte favorita: as tutorias com Voller. Além das disciplinas da escola, os dois conversavam e ela ria do sotaque estranho do rapaz... - E como é lá onde você mora? - ela questiona em uma das pausas, enquanto os dois comem um bolo de nozes que Dulce fizera.- Extremo norte do Quebéc - ele diz - frio, muito frio, por muito tempo... Temos quase cinco meses de neve, e nosso verão é uma alegria, se fizer quinze gruas o pessoal sai de roupa de banho. - E o Natal? - ela pergunta encantada. - Ah - ele ri - eu sei isso, Natal com neve... - Isso mesmo - ela sorriu. - É bonito - ele dá ombros - quando você tem uma família que ligue para essas coisas, é bem legal - ele faz uma pausa olhando pela janela - você com certeza teria um excelente Natal lá - ele completou. - Porque acha isso? - ela questiona. - Por que parece ser o tipo de pessoa que realmente liga para isso - ele sorri. Brianna encara o vazio por alguns segundos: sim, ela realmente era a pessoa que ligava para isso: Natais, Páscoas... Decorar a casa, cozinhar quantidades absurdas de comida, comprar e embalar presentes e reunir pessoas, antes do seu acidente, certamente eram coisas que ela amava fazer, mas agora... Ela nem mesmo sabia se um dia voltaria a ter uma vida, quem diria um Natal...- O que está pensando aí? - Voller a encara questionando.- Nada - ela suspira numa tentativa de afastar as lágrimas. - Conheço essa expressão - ele sorri com bondade - quer conversar? - Não, você não me conhece - ela responde num tom mais seco - não sabe nada sobre mim... Voller evita a discussão: apenas dá ombros e continua encarando as fórmulas matemáticas no caderno sobre a cama:- Como vai sua recuperação? - ele parece interessado.- Lenta - ela responde, ainda não convencida - mas não quero falar sobre isso.- Porque? - ele pergunta.- Por que eu ... - ela não consegue evitar - estou com medo... Medo de não conseguir, medo de nunca mais conseguir andar - ela responde já chorando. Ele não diz nada, apenas levanta de onde está e a abraça apertado:- Eu sinto muito que se sinta assim - ele seca alguma lágrimas com as mãos, delicadamente - mas você é mais forte do que pensa, Bri, logo vai estar bem... - Quero acreditar nisso - ela responde. - Então acredite - ele pega a mão dela e a beija - e eu vou acreditar também.- Não deveria... - ela puxa a mão instintivamente.- E porque? - ele a encara confuso. - E se o que estão falando for verdade? E eu sou só a maluca que se atirou daquele mirante...?- Não fala besteira - ele a encara sério - Brianna, você não pode dar ouvidos à essas coisas- Sim, eu posso - ela responde - e se for verdade? E eu estiver me enganando?- Não, não é verdade - ele retruca. Ela desiste: continuam estudando por mais um tempo, e perto das dezenove horas, Voller se despede dela e segue para casa. Brianna encara o vazio de seu quarto: Ben já deveria ter retornado há um tempo... Pega o notebook e começa a tentar achar algo para se distrair, não consegue... Fecha os olhos: uma luz azul e outra vermelha, pareciam estar abaixo dela, o vento frio, com cheiro de noite e de terra molhada, ela abre os olhos: lembrara-se de alguma coisa:
"Dia 12 do meu processo de recuperação
Querido Diário
Hoje eu tive um dia realmente estranho, quer dizer, o que pode ser mais estranho do que ser a pessoa que supostamente se atirou do mirante? Enfim... Voller esteve aqui para me ajudar, e eu gosto muito disso, ele realmente é bom e tira minhas dúvidas, além de ser lindo, engraçado e uma excelente companhia, mas eu não deixo de pensar que ele faz isso por pena ou porque vai receber algum tipo de reconhecimento especial pro ter ajudado uma maluca...
Eu chorei na frente dele, meu Deus, eu perdi totalmente o controle da minha vida, onde é que já se viu chorar na frente de um estranho? Ainda mais por um motivo tão íntimo e particular como os meus medos e minhas duvidas quanto à minha recuperação e as causas do meu acidente.
O Benjamin está atrasado hoje, e eu fiquei esperando por ele e com isso, acabei lembrando de uma coisa... Luzinhas. Uma azul e a outra vermelha, pareciam estar um pouco abaixo do meu campo de visão, mas lembro nitidamente delas e das cores, que estranho... Lembro de sentir o vento frio, acho que eu poderia estar correndo, não sei... E o cheiro, cheiro forte de terra molhada.
Não lembro de ouvir nada, é uma lembrança totalmente sem som e meio embaçada em minha mente, mas as luzes eu tenho certeza de que estavam lá. Eu estou cansada demais, acho que não vou esperar o Ben."
Brianna acomoda-se na cama e adormece profundamente. Benjamin chega tarde e apenas verifica se está tudo bem com ela antes de ir para o seu quarto. Na manhã seguinte, antes de sair para trabalhar, ele corre para falar com a irmã: - Bom dia flor do dia - ele entra com uma xícara de café recém coado para ela. - Bom dia Ben - ela responde sorrindo - e ai? Tudo bem com você? - Tudo - ele responde sorrindo - e com você? Como foi o seu dia? - Normal - ela responde, não falaria sobre suas inseguranças ou sobre chorar abraçada em Voller - estudei bastante. - Que bom - ele responde, parece nervoso. - Cê tá estranho - ela diz encarando o irmão mais velho que coça a cabeça - o que está acontecendo? - Uhm, certo - ele suspira - você se lembra da Carol?- Carol? - ela o encara - A do cabelo colorido?- A propria - ele responde. - Sim, me lembro sim - Bri entende exatamente o que está acontecendo. - Eu e ela estávamos... Bem, conversando. - Está saindo com ela - responde Bri. - Na verdade não - ele responde sem jeito - pra te ser bem sincero, eu a pedi em namoro ontem.- Nossa - ela o encara com um pouquinho de raiva - que rápido você, eu nem mesmo sabia que estavam se vendo e agora começa um relacionamento com Carol...- Sempre nos falamos, Bri, ela é uma ex colega de escola - ele ri - agora ela é cheff em um restaurante no lago - porque está agindo assim?- Eu estou normal - ela ri - está tudo bem - Brianna responde, mas todos sabem que não está tudo bem. - Qual é o problema? - Ben pergunta. - Vai me deixar de lado, Ben - ela responde - quem vai me salvar desse hospício? - Eu vou - ele responde e beija as mãos da irmã - não vou deixar você sozinha. - Promete? - ela pergunta. - Claro que eu prometo - ele aperta-lhe as bochechas - você é a minha irmãzinha, o meu monstrinho, e eu vou cuidar de você, para sempre.
Benjamin sai do quarto e Brianna encara as paredes: como assim namorando com a Carol? E como ele nem mesmo pensou em contar que estavam saindo? Que tipo de irmão ele era que não contava as coisas... - mas esses pensamentos automaticamente sumiram quando ela percebeu que não tinha contado à Ben sobre muitas coisas ao longo de sua adolescência.
- Bom dia - Patrick entra no quarto da filha - como está se sentindo hoje?
- Bem - ela mente - acho que eu estou pronta.
- Pronta? - o pai questiona.
- Fisioterapia - ela havia evitado por quase duas semanas - sinto alguma coisa, então acho que podemos tentar, sei lá, se o doutor Munhoz acreditar que seja adequado.
Os dois conversam sobre a fisioterapia e sobre outros assuntos diversos. Brianna tentou evitar, mas depois do surto de Bella e de sua conversa com Voller, simplesmente não conseguia parar de pensar nisso:
- Pai? - ela questiona.
- Sim - ele a encara atento.
- Você acredita que eu me joguei lá do mirante?
- Porque está me perguntando isso, Brianna? - ele parece nervoso.
- Porque eu quero saber... Acredita?
- Não sei - ele responde - não existem muitas hipóteses, entende?
- Entendo - ela suspira.
- Lembrou-se de alguma coisa? - ele tenta desconversar.
- Não - ela responde - só não consigo me imaginar fazendo uma coisa dessas.
Patrick Barnett desconversa, ele não sabe se acredita que a filha faria uma coisa daquelas, mas todos os indícios são de que ela realmente o fez, mas ele não vai falar sobre isso:
- Preciso ir agora - ele beija a testa da filha - precisa de alguma coisa?
- Não - ela responde sorrindo - só vamos realmente conversar sobre a fisioterapia.
- Perfeito - o pai sorri - assim que o Dr. Munhoz sair daqui, peça que ele entre em contato comigo.
- Sim, senhor - ela concorda.
Assim que o pai sai, Brianna pega o telefone celular, havia uma mensagem:
Voller: Oi Bri, tudo certo por ai?
Brianna Oi, tudo sim e com você?
Voller: Tudo bem... Eu queria te dizer uma coisa... Melhor, queria pedir desculpas.
Brianna: Okay, e pelo que você acha que me deve desculpas?
Voller: Acho que eu forcei a barra ontem... Falando de coisas que você não quer falar.
Brianna: Tudo bem, sem problemas. E obrigada, você foi muito legal comigo.
Voller: Não me agradeça. Tudo certo para hoje à tarde?
Brianna: Sim, tudo certo sim.
Voller: Estarei aí às 15:00.
Assim que solta o telefone Bri sente o coração disparando: não pode ser... Ela não pode simplesmente começar a gostar daquele garoto. Ele tinha todas as características que ela certamente gostava, mas ele só dava atenção à ela por pena, então, se ela demonstrasse qualquer sentimento, poderia fazer ele sentir-se na obrigação de tentar corresponder, por pena... Aquilo não era o tipo de coisa que ela gostaria de viver.
Pegou uma folha de papel e ajustou na prancheta, com um lápis na mão tentou desenhar alguma coisa, nada saiu... Teve seus devaneios interrompidos por Dulce com o seu café da manhã e depois pelo Dr. Mendéz e ainda, pelo Dr. Munhoz, este último, bem satisfeito com a decisão de Bri de iniciar a fisioterapia. Quando por fim sua maratona de visitas estava concluída, ela tentou o diário:
Dia 13 do meu processo de recuperação
Querido diário
Acho que ninguém acredita que exista alguma outra explicação para o que aconteceu comigo, então, acredito que eu preciso me conformar com a ideia de que eu me atirei mesmo. O Benjamin está namorando e nem mesmo havia me contado que estava saindo com alguém, o que é bem estranho. Não sei se eu tenho muita coisa para dizer...
Mas logo o deixou de lado, não conseguia concentrar-se em nada verdadeiramente. Apenas largou tudo e tentou dormir um pouco antes do horário do almoço, pelo menos estaria descansada para seus estudos durante à tarde...