Quando Brianna acordou na manhã de sábado, sentia-se ainda mais confusa: sonhara com outras coisas esquisitas, tinha certeza de ter escutado "te espero" com a voz de Marco Antônio ao telefone, seria ele então? Ele confirmara que haviam conversado, mas insistiu em não saber onde ela iria...
"Time after time" em uma versão acústica, com Boyce Avenue ecoava na cabeça desde a hora que acordou, essa era a música, a musica que ela ouvia em casa, enquanto se arrumava para sair. Deu play nela e começou a escrever em seu diário novamente, com o modo de repetição ativado:
"Querido diário,
Tem muito tempo que parei de contar os dias, eu tive sonhos estranhos e não estou sabendo lidar com os meus pensamentos ultimamente, nem com os meus sentimentos. Evolui bastante essa semana na fisioterapia, e acreditamos que em breve eu estarei migrando para um centro especializado, onde tem toda a estrutura necessária para o desenvolvimento dos meus exercícios, para que eu possa evoluir e voltar a andar, isso me empolga e me assusta, porque eu tenho medo de não conseguir.
Começo a ter sessões com um novo terapeuta na segunda, sinto que de alguma forma, estou perdendo o Jorge, que estranho... Conversamos ontem, ele não acha que seja uma boa ideia eu voltar ao mirante, e eu não sei o que eu poderia fazer para "forçar" minha cabeça a voltar a funcionar, não aguento mais não saber o que aconteceu.
Acho que eu preciso dizer isso, quer dizer, escrever, então decidi elaborar uma lista de todas as certezas que eu tenho sobre o acidente, a confirmar no futuro:
1. Eu não tentei suicídio
Essa é a ideia mais absurda porque eu sou uma pessoa que sempre amou viver, não consigo conceber a ideia de terminar com minha vida, ainda mais por uma bobagem qualquer.
2. Tinha alguém comigo naquele mirante
Alguém do s**o oposto, tinha as mãos frias, ele tocou nas minhas mãos. A voz dele... Não me lembro o que ele dizia, mas a voz não era desconhecida.
3. Meus pais não querer que eu me lembre do que aconteceu
Pode ser que tenham razão, mas não faço ideia do motivo que têm para isso.
4. Tinha uma motocicleta
Eu me lembro claramente do som de uma motocicleta... Quando eu cai? Logo depois que eu cai? O som também não me parecia totalmente estranho.
5. Marco Antônio sabe mais do que me disse
Ele esteve aqui e eu inicialmente acreditei que ele não sabia de nada, mas agora eu tenho dúvidas quanto à isso, por causa das mãos, da moto...
6. Eu discuti com alguém
Não sei se brigamos, não se se cai, se me joguei ou se eu fui empurrada. Aí está o grande problema, enquanto eu estava sozinha, não haviam opções, mas eu tenho certeza de que não estava sozinha.
7. Fui resgatada por um soldado que foi junto comigo na ambulância - sim e eu já o conheço, nem sei porque eu escrevi isso.
8. Time after time, era a música que eu ouvia enquanto eu estava me arrumando, provavelmente eu estava triste, não é uma música que eu ouço quando estou feliz... "
Brianna largou o diário e resolveu telefonar para Marco Antonio:
- Alô? - a voz sonolenta dele denuncia que ela o acordara.
- Oi Marco, é a Bri - ela diz - tudo bem? Desculpa acordar você...
- Estou bem sim - ele suspira - tudo bem, e você? Tudo certo? Como vai a recuperação?
- Vai bem - ela diz - me diz uma coisa, nos falamos por telefone, por bastante tempo no dia do meu acidente, eu não estava muito bem, sabe o que tinha acontecido?
- Como eu já te disse, não conversamos nada demais - ele responde - você me pareceu bem.
- Não podia - eu respondo - ouvia aquela playlist acústica do Boyce... Eu não faço isso quando estou bem.
- Desanimada, cansada, preocupada - ele suspira - falou sobre isso, a escola, e coisa...
- Uhm - ele estava mentindo - por trinta e seis minutos me lamentei?
- Pode ter sido - ele responde - sabe como é, um assunto puxa o outro, Bri, sempre fomos bons com isso.
- Verdade - ela quase sorri, mas ainda sente que ele não está sendo sincero - bem, obrigada.
- Não me agradeça - ele responde - consegui ajudar?
- Ah, não muito - ela disfarça - acho melhor eu desistir de tentar saber o que houve e tocar a vida.
Despediram-se e Brianna começou a pensar novamente sobre tudo. Repetiu a música por diversas vezes... Benjamin entrou no quarto:
- Bom dia - ele carrega o café da manhã - tudo bem ai? Ouvi você no telefone, musica...
- Bom dia - ela responde decidida - o Marco sabe de algo mais. E tinha alguém comigo no mirante.
- Acha que pode ser ele? - pergunta Ben.
- Acredito que pode ter sido - ela responde - ouvi uma moto, eu precisaria ouvir o ronco da moto dele novamente, mas ouvi uma moto...
- Seu dia de sorte - riu Ben - Bella acabou de contar que o Marco convidou-a para uma festa essa noite.
- Isso é brincadeira, não é? - ela sentiu-se traída.
- Não - respondeu Ben - eu estou tão perplexo quanto você, mas tem uns cinco minutos que ela entrou contando isso, e eles tem conversado... Sempre te disse que ele era um b****a.
- Será que ele vem de moto? - perguntei.
- Tá nublado - respondeu Ben - mas a previsão é de tempo bom, acho que virá de moto sim - Ben me encarou - vou reabrir o caso.
- Baseado em que? - ela pergunta.
- Nova evidências - ele responde - consegui uma coisa, mas tem que me prometer não surtar.
- Sem surtos - ela o encarou - o que descobriu?
- Muita gente mentiu no depoimento - ele responde - no seu celular, fora da nuvem, tem fotos... Marco, umas pessoas da escola, todos os amigos próximos que disseram que não haviam visto você naquela noite, tem fotos com você na garagem da casa do Alemão, o Rodrigo...
- ... jogamos sinuca - ela gritou - nós fomos jogar sinuca, eu estava vestindo minha jaqueta de couro preta, aquela curta.
- Não - diz o irmão - jeans e uma blusa branca - ele diz - coturnos, jeans skinny, foi como te encontraram...
- Sai com a jaqueta, pelo amor de Deus - ela insiste - pergunte ao papai, ele me viu sair, fechou a porta - ela suspirou - a jaqueta não está em casa...
- Tudo bem - Ben diz - vou procurar.
Enquanto tomo meu café da manhã, num misto de ansiedade e medo de estar errada, Benjamin procura pela minha jaqueta pela casa. Papai entra em meu quarto:
- Oi - ele diz.
- Oi pai - respondo.
- Saiu com a jaqueta - ele diz muito sério - eu me lembro, e ainda posso provar - ele fala baixo e rápido - tem uma foto sua com o cachorro, no meu celular, você saiu depois disso, eu não sei com quem, mas vestia a jaqueta preta.
- Obrigada, pai - eu respondo.
- Não diga para a sua mãe, ela acha que é melhor que não se lembre... Tenho medo de onde isso pode chegar.
- Como assim? - eu questiono.
- Brianna - meu pai se aproxima - a simples ideia de perder você, de você poder ter escolhido acabar com tudo, partiu meu coração, e o dela também. Temos medo que você volte ao gatilho, entende?
- Entendo - suspiro - não foi o que aconteceu, pai... Eu vou lembrar.
E com esse pensamento, Brianna passou o restante do dia, enquanto sabia que o irmão estava no departamento de polícia, tentando reabrir o caso.