Distribuindo beijos por aí...

1319 Words
        Estou tentando, de todas as formas, evoluir... Ao menos na fisioterapia, tenho tido um pouco mais de sucesso, e por mais estranho que pareça, quanto mais eu evoluo lá, desenvolvo um pouquinho mais no que diz respeito à minha memória, e isso me lembra o que Jorge repetiu algumas vezes “é um caminho duplo, passos pequenos e constantes, na mesma direção”, e a minha recuperação física podia sim, ajudar na minha memória.                Ainda penso nos emails não respondidos do Jorge e isso me incomoda. Talvez ele tenha desistido mesmo de mim... Ou apenas está com pouco tempo livre, ou ainda, encontrou uma namorada e essa simples ideia fez meu peito doer um pouco, eu ainda precisava falar contar para ele sobre esse "novo elemento" Jonah, falar sobre ele, mas para isso, precisava primeiro ver ele, entender quem ele era na minha vida, o que representava e porque os amigos de Marco achavam melhor que ele não falasse comigo. - Tá pensando o que aí? – Voller pergunta me encarando no meio da tarde de segunda-feira, enquanto revisávamos gírias em português. - Muitas coisas – suspiro – acho que eu não vou conseguir montar esse quebra cabeça. - Vai sim – ele sorri, Voller tem sido quase que essencial no meu processo, e eu posso ter me apegado ainda mais a ele quando perdi Jorge, sem nem mesmo perceber, ele era quase meu coach motivacional nos últimos tempos – você é forte e vai conseguir, sabe disso. - Obrigada - eu digo, nem mesmo sei porque estou agradecendo. - Pelo que está agradecendo? - ele pergunta. - Acho que é porque no fim, topou ir comigo amanhã, sabe, é importante... -E eu sei que é, por isso que eu topei - ele responde sorrindo bobo. - Porque ainda vem aqui? – pergunto encarando os olhos brilhantes de Voller. - Você quer que eu vá embora? – ele pergunta assustado. - Não, a pergunta é “porque ainda vem aqui”, se você está bem em português e eu bem nas exatas... – eu o encaro. - Acho que eu não estou bem ainda – ele responde e vejo seu rosto pálido corar, ele está nervoso, as palavras saltam de sua boca como se tivesse vida própria – e também quero passar mais tempo com você – ele suspira – gosto de estar com você. - Eu também gosto de estar com você – respondo sem nem mesmo perceber as palavras saindo da minha boca, o que era um tanto assustador. - Isso é sério? – ele diz, seus olhos tem uma mistura de esperança e alegria, que é bonito de ver, e que ao mesmo tempo assusta. - Sim, boboca – eu respondo rindo.                São os segundos que mudam a vida de uma pessoa, ao menos foi o que me disseram uma vez: frações de segundo onde você fala alguma coisa, ou faz alguma coisa, que será decisiva em sua vida, e naquele momento, eu sabia que aqueles eram os segundos cruciais: estávamos sentados, lado a lado, no tapete da sala de estar, ele apenas virou o rosto em minha direção e quando eu percebi, eu mesma estava beijando-o – como assim? Eu beijei o Voller? Eu não poderia ter feito isso! E não foi um beijo qualquer, eu estava beijando-o como se ele fosse o último homem da Terra, ou ao menos, como se eu tivesse desejado isso de todo o meu coração nos últimos meses. - Ah meu Deus – eu digo afastando-me, ao menos o quanto eu posso, envergonhada – eu sinto muito por isso, de verdade. - Sente muito? – ele sorri, ele na verdade, ri, parece feliz, realizado, ele toca meu rosto com delicadeza – Obrigada por ter feito – ele diz – provavelmente eu não teria coragem. - Está me agradecendo por eu ter beijado você? – pergunto confusa. - Sim – ele responde ainda sorrindo sem tirar a mão do meu rosto – era o que eu queria fazer e não consegui, por que eu não tinha coragem... - Nossa – eu digo rindo e ele aproxima-se novamente, e agora, é ele quem me beija, mas diferente de como a louca aqui fez, ele me beija com paixão e delicadeza, como quem planejou esse momento, e não como quem fez isso de forma quase animal.                O clima ficou estranho depois disso – e como não ficaria? Eu não beijava nem mesmo Marco, quando éramos namorados, no meio da sala, e agora estava ali, beijando aquele garoto que eu conhecia há pouco tempo... E nós ainda fizemos isso várias vezes. Quem se importava com gírias e ditados populares, quando poderia beijar alguém, não é mesmo? Mas ele foi embora em seguida, provavelmente arrependido, ou confuso, eu não saberia dizer exatamente. Eu não era esse tipo de garota, que saia distribuindo beijos por aí . - Tudo bem ai? – pergunta Ben assim que chega em casa, invadindo o meu quarto no fim do dia. - Tudo sim – respondo esticando-me na cama – e com você? - Tudo certo – ele responde – como foi o seu dia? - Bom – respondo, estou com medo de parecer estar escondendo coisas, mas não quero falar sobre isso, Ben ainda está na porta, vou mudar o rumo da conversa – porque não entra? - Por que passei aqui na correria, só vou tomar um banho e vou ir com a Carol ver um lugar para aquele negócio que ela quer abrir – ele não parece muito certo de que quer falar sobre isso. - Sem problemas – respondo, sei que ele pode parecer relutante, porque se sente responsável por mim e por me ajudar – quando você voltar – eu bocejo – eu provavelmente já vou estar dormindo, mas conversamos amanhã. - Beleza – ele responde e me encara – tem certeza de que está tudo bem? - Sim, sim – eu respondo – só estou um pouco cansada.                Ben não questionou mais, eu amo meu irmão, mas tem coisas que eu sinceramente, não quero ter que dividir com ele, os beijos animalescos que distribuo por ai, é uma dessas coisas, minha saudade inexplicável de Jorge, é outra.                Pego o meu notebook e o encaro por mais um tempo: e se eu ligar, e não houver nenhuma mensagem? Tem coisas que eu simplesmente não sei lidar, e essa “ausência” de Jorge na minha vida e agora online, era uma dessas coisas. ***                Mais um plantão concluído – suspiro satisfeito quando chego ao pequeno apartamento alugado, no quarto andar – não precisava morar naquela caixa de fósforos, nem de um emprego no hospital, mas eu o fazia, como quem estava tentando ao máximo levar uma vida de m***a para ter uma desculpa esfarrapada para voltar para casa...                Casa? – eu mesmo precisei rir – Como podia achar que aquela cidadezinha no interior, no sul do Brasil era minha casa? Eu nasci no Chile, cresci aqui, me formei aqui... E como eu tinha tanta certeza de que era lá que eu queria ficar?                O pacote sobre a mesa... Encaro aquele embrulho por mais uma vez, sei que não posso deixar de abrir, mas eu conseguiria? Seria bem o momento para isso? “Jorge Mendéz” estava escrito com uma caligrafia bem rebuscada – Brianna deve ter dedicado um bom tempo para preparar – penso, distraido, e logo me distraio ainda mais, lembrando-me dos olhos brilhantes e do mau humor constante: ela fora, sem sombra de dúvidas, minha paciente mais complexa e mais rabugenta... Mas eu quebrara uma regra, havia me apegado à ela, mais do que eu deveria.                Talvez em uma outra circunstância – eu mesmo suspiro – um universo paralelo onde eu não sou o médico, onde ela não é minha paciente adolescente – repito para mim mesmo – nem assim daria certo – tento me convencer, ainda que em vão. 
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