Tive um pesadelo h******l.
Meu pai corria por uma construção subterrânea e carregava consigo um vaso canópico. Sua bolsa estava suja de areia e suas roupas um pouco rasgadas, como se ele tivesse sido atacado por alguma coisa. Corria como se sua vida dependesse disso.
-Preciso levar este. -ele falava desesperado. O vaso era idêntico ao de Anúbis, a unica diferença, era que no topo havia uma espécie de olho.
Meu pai continuava sua corrida, olhando para trás algumas vezes, até que se perdeu e parou em um local sem saída. Gritei por ele e tentei chegar até aquele de quem senti muita falta, mas não pude. Seja lá o que o perseguia acabou por alcançá-lo, pois um riso maligno tomou conta do lugar e tudo se escureceu.
-Isis! -Anúbis me sacudia. Abri os olhos assustada. Segurava os lençóis com força e meu coração batia descompassado. -Você teve um pesadelo. -sua voz calma imediatamente me trouxe á realidade.
-Sonhei com meu pai. -sussurrei sentando-me a cama. -Algo o estava perseguindo. -comentei assustada.
-No Antigo Egito os faraós costumavam ter sonhos premonitivos. -Anúbis falou seriamente. -Acha que pode ter sido isso que o machucou?
-Eu diria que não, mas tem um deus egipicio conversando comigo, então tudo é possivel. -suspirei derrotada. -Não vamos nos ater muito ao meu pesadelo, temos que falar com Rá.
-Sobre isso... -Anúbis me olhou preocupado. -Creio que não conseguiremos falar com Rá no momento.
-Oque? Por que? -foi quando notei que ainda estava escuro lá fora. Meu relogio indicava ser sete horas da manhã, então por que ainda estava escuro? -Oque está acontecendo?
-Um eclipse. -Anúbis falou seriamente. -Eu não sei muito sobre isso, mas pelo que sei, todos os dias Rá entra em uma batalha contra Apep ou Apófis... Não sei como você a conhece, enfim, é uma serpente inimiga da luz, portadora do próprio caos, antigamente, antes de trair Osíris, Seth ajudava Rá nessa batalha, mesmo sem a ajuda de Seth, Rá conseguiu se manter firme e trazer o sol todos os dias para a humanidade, mas hoje... Tem algo de errado.
-Acha que Seth está ajudando Apófis? -perguntei um pouco receosa. O eclipse normal geralmente durava pouco tempo, mas desta vez, a escuridão que cobria o sol não parecia querer se dissipar.
-Oque faremos agora?
-Eu não sei, precisamos entender o que está acontecendo.
-Se tivesse uma forma de falarmos com algum dos deuses...
-Fora de cogitação... -Anúbis me mostrou sua chave, perdendo cada vez mais o brilho. -Estou perdendo cada vez mais a conexão com Osíris.
-Sinto muito Anúbis. -falei de repente, por um segundo terrivel percebi que era praticamente inutil para aquele deus. Embora ele houvesse salvo minha vida, eu não tinha nada que pudesse fazer por ele.
-Pelo o que a senhorita está se desculpando? -Anubis sentou-se de frente a mim. Quando olhava para os olhos dele, podia ver reflexos de piramides e um pouco do que ele era.
-Eu não sirvo para basicamente nada. -confessei abaixando a cabeça, o deus segurou meu queixo com delicadeza. Era estranho me habituar tão rapido com sua forma humana quando já havia visto sua forma de deus. Olhei em seus olhos novamente e pude ver o quão gentil ele poderia ser e pensei que se aquele fosse o olhar da morte, ela não era tão r**m assim.
-Não diga isso... Se a senhorita não tivesse me liberto eu jamais poderia sequer descobrir o que Seth planeja. -ele sorriu levemente. -Estou para perguntar-lhe há um tempo... Os seus olhos...
-Ah... -Dei um sorriso fraco, meus olhos eram motivos de curiosidade independente de humanos ou deuses. -Eu tenho uma mutação genética chamada heterocromia. São de cores diferentes.
-São lindos. -ele elogiou e senti o meu rosto queimar um pouco.
-Meu pai me dizia que eram olhos abençoados pelos deuses sempre que alguem zombava deles. -sorri triste.
-Seu pai era um homem inteligente.
-Se ele estivesse aqui, com certeza saberia o que fazer... -de repente me calei. -Espera! Meu pai!
-Oque tem? -Anubis se afastou um pouco confuso.
-Meu pai dava aulas na Universidade Hórus! Na sala dele deve ter algo que pode nos ajudar!
-É uma idéia muito boa.
Uma hora depois, estava sentada no fundo do ônibus com Anúbis ao meu lado. Ele havia mantido sua aparencia humana e tinha muito bom gosto para as roupas. O eclipse continuou no céu deixando o clima um pouco mais frio.
-Meu pai trabalhava como arqueologo na maior parte do tempo, mas dava várias aulas na Universidade. É um grande amigo do professor Steve Parish... Podemos perguntar a ele sobre meu pai; embora eu acredito que ele está me achando uma maluca.
-E por que ele acharia isso?
-Ontem eu meio que vi a Ammit arrancar o coração de uma garota.
-Ammit? O demônio que pune as almas condenadas? -fiz que sim. -Isso é um mau sinal. Se Ammit está livremente punindo almas, pode ser que Osíris não esteja fazendo os julgamentos. Temos que encontrá-lo depressa.
Na Universidade, Anúbis chamava mais atenção do que eu imaginei. As pessoas o olhavam por ser alto e seu estilo de roupa um pouco diferente. A aparência humana dele era muito mais bonita tambem.
-Olha só, você faz sucesso. -brinquei e ele me fitou sem entender.
-Oque quer dizer?
-Quero dizer que quando tudo voltar ao normal, você poderá até arrumar uma namorada humana.
-Namorada?
-Ah, espere! Na mitologia você já é casado. Como era o nome dela...
-Anput. -Ele sorriu. -Os casamentos dos deuses egípcios não são como vocês, humanos, estão acostumados.
-E como são os casamentos egipcios? -Anúbis olhou de um jeito divertido antes de soltar uma risadinha e continuar andando. -Ei... Me conta. Como são?
Paramos em frente á sala do professor Parish, como esperado ele estava lá dentro lendo algumas anotações para sua proxima aula. Senti uma nostalgia boa. Meu pai ficava daquela mesma forma algumas vezes no escritório. Lendo e anotando coisas em seu diário particular.
-Sr. Parish? -chamei baixinho. Ele ergueu a cabeça e sorriu ao me ver.
-Srta. Liria! Que bom vê-la! -ele se levantou, mas imediatamente sentei em frente a sua mesa. -Ao que devo a honra? -ele sorriu gentil, seus olhos alternando de Anúbis para mim.
-Ah sim... Esse é um grande amigo meu... Anúbis..
-Igual o deus Egipcio! -maravilhou-se o professor.
-É... Ele é Egipcio. -sorri levemente ao pensar que aquele era o próprio deus e que o Sr. Parish adoraria conhecê-lo.
-Muito prazer. -Anubis e ele trocaram um aperto de mão.
-O Prazer é todo meu. -Sr. Parish ainda olhava o deus de forma admirada como se já soubesse quem ele era.
-Então... Sr. Parish, eu queria te perguntar, se alguma vez na história do egito antigo, Seth ficou muito poderoso ou... Os deuses ficaram impossiveis de ser contactados...
-Oque? -O professor sorriu. -Você está falando igual ao seu pai!
-Meu... Meu pai?
-É! -O professor deu uma risada gostosa. -Ano passado, seu pai voltou de uma escavação. Estava animadíssimo dizendo que encontrou a origem e a profecia.
-Profecia? -olhei Anúbis que parecia tão confuso quanto eu.
-Sim, há uns vinte anos atrás, a nossa equipe... -ele me olhou com carinho. -Seus pais e eu, junto com dois outros arqueologos encontramos uns registros hieróglifos que dizia algo sobre o retorno de Seth, sua mãe que era fluente em hieróglifos disse que estava muito incompleto e que deveriam procurar mais. No entanto precisei voltar para uma palestra importante e eles ficaram por meses lá. Não soube deles por quase um ano e quando voltaram estavam com você e várias teorias. -ele riu. -Acho que você foi um presente egipcio e tanto.
-Então... Meus pais sabiam algo sobre Seth retornar... E o que mais?
-Ah, bem... -Parish coçou a cabeça, -Seu pai ficou muito distante depois que sua mãe faleceu, e ele passou muito tempo em escavações levando você e tudo mais... Quando estava por aqui ele não parava de anotar coisas em seu velho diário. E ano passado ele voltou dizendo que encontrou a origem da profecia de vinte anos atrás e que precisava fazer algo. Precisava te proteger e salvar a todos.
-Meu pai sabia... -sussurrei, mas Anúbis ouviu. -E depois?
-Depois... -O professor me fitou com aqueles olhos antigos que já haviam visto de tudo, incluindo civilizações anteriores. -Ele sofreu aquele acidente na escavação e... nos deixou.
Fiquei estática, se tudo que Parish disse era real, então meu pai descobriu a profecia que traria Seth de volta e tentou impedir, mas foi morto no processo. Então, talvez Seth o tivesse matado e ...
-Isis. -Anúbis me tirou dos devaneios enquanto Parish me encarava preocupado.
-Professor, o senhor disse que meu pai ficou distante.
-Sim, ele passava muito tempo na sala anotando coisas.
-Eu posso ir á sala dele?
-É claro, querida. Fica virando o corredor á esquerda. Eu não removi nada ainda, não tive coragem.
-Obrigada.
Levantei quase correndo. Anúbis me seguiu de perto sem tentar atrapalhar meu raciocinio. Estava tão perdida em mim que quase passei direto pela porta da sala onde havia o nome “Professor Tom Liria: Arqueólogo e Egiptólogo”.
-É aqui, senhorita. -Anúbis falou gentilmente enquanto segurava meu pulso. Senti um formigamento e assenti, entrando no escritório do homem mais inteligente que conheci.
A sala estava perfeitamente limpa, e os documentos um pouco espalhados. Claramente o Sr. Parish pensou em tirá-los, mas desistiu, pois havia uma caixa incompleta sob a mesa. Andei pelo local olhando cada detalhe. Haviam todos os tipos de livros sobre o egito e sua mitologia nas prateleiras. Fotos estavam espalhadas pelo local. Era possivel ver o meu crescimento. Senti o peito apertar quando vi uma foto onde estavamos nós três. Minha mãe com seus cabelos loiros e cacheados, meu pai com os cabelos negros bem penteados para trás e seu óculos de casco de tartaruga.
-Estou questionando-me... -Anúbis comentou pegando essa foto. -Qual dos dois a senhorita puxou? -ele me encarou. Realmente eu me diferenciava de meus pais com a pele bronzeada e os cabelos negros ondulados. Um olho de cada cor. Dourado e Azul.
-Eu puxei á minha avó. -falei olhando a foto ao lado de Anúbis. -Ela tinha um pé no Egito.
-Ah. -Anúbis deixou a foto na prateleira e andou ao redor da sala com as mãos para trás. -Seu pai era um homem de grande conhecimento. Gostaria de tê-lo conhecido.
-Você ia adorar... Ele sabia tudo sobre o egito e os deuses. -liguei o laptop do meu pai e inseri a senha. O aniversário de casamento dele com minha mãe. O papel de parede se iluminou á minha frente. Eu com uns sete anos em frente ás pirâmides de Gizé.
-Ah... Eu costumava passar muito tempo próximo a essas pirâmides.
-Jura? -olhei o deus a minha frente. Tentando imaginá-lo com a cabeça de chacal andando entre os egipcios.
-Sei oque está pensando. Nem sempre eu ando em minha verdadeira forma.
-Como sabia que eu estava pensando nisso? Deuses leêm mentes agora?
-Mentes não... Expressões. -ele corrigiu. -Encontrou algo?
-Ah, claro. -abri alguns documentos de meu pai e tentei encontrar algo que pudesse nos guiar de alguma forma. -Não há nada muito específico aqui. São aulas que ele orgnanizou e alguns e-mails para um tal de Ramnsés.
-O professor que conhecemos....
-Sr. Parish.
-Exato... Ele disse que seu pai passava muito tempo em te levando em escavações e anotando coisas em um velho diário.
-Isso! -falei animada. -Meu pai tinha mesmo um caderno muito velho cheio de coisas. Ele nunca o trocava, pois foi um presente. -Comecei a revirar as gavetas.
-Acha que está por aqui? -Anúbis perguntou enquanto procurava comigo.
-Eu não sei mais onde poderia estar. -Deixei Anúbis vasculhando as caixas e comecei a ler os e-mails. Haviam e-mails falando sobre diversos assuntos. Pirâmides, deuses e artefatos. Até que encontrei um, em uma lixeira. Era diferente dos demais, pois estava escirto em uma lingua totalmente diferente. -Ei, Anúbis, sabe ler isso? -perguntei ansiosa.
-É claro. São Hieróglifos. Minha lingua nativa. -ele apoiou-se atrás de mim para que pudesse ver a tela. -Aqui diz...
“Olá amigo, temo que serei breve, pois estou sendo vigiado e seguido. Não sei se é “Ele” ou algum tipo de organização que o segue, mas quero que saiba que fiz como pediu e os enviei para os locais indicados. Estou enviando o ultimo para onde deve ficar e espero que seja o bastante. Cuide-se e proteja Hórus de qualquer jeito.”
Anúbis terminou sua leitura e me observou. Ambos estavamos com uma expressão de confusão.
-Como assim, proteja Hórus? -fui a primeira a falar.
-Acredito que “Ele” seja Seth. Seu pai e este homem deviam saber que Seth estava á espreita.
-Quem é Ranmsés? -Questionei olhando os inúmeros e-mails, dessa vez com mais interesse. -Meu pai e ele se falam há muito tempo. Tem e-mails aqui de dez anos atrás.
-Deveriamos procurar por ele. Talvez ele nos dê respostas mais claras.
-É... O e-mail dele é de... -olhei e me surpreendi. -Anúbis... Acho que você vai voltar para o seu lar.
-Oque quer dizer?
-Veja o e-mail... -o olhei intensamente. -Ranmsés vive no Egito.