Andei de um lado para o outro em casa, o deus me fitava com uma certa curiosidade, enquanto eu tentava colocar minhas ideias no lugar.
-Espera... Então você está me dizendo que é Anúbis. -ele fez que sim. -O mesmo Anúbis da mitologia egípcia... Que guia as almas dos mortos para o julgamento com Osíris.
-Exato... No entanto não sei o que pode ter acontecido com Osíris. -ele segurou sua chave. -Não sinto o poder dele... É como se ele estivesse fora de meu alcance.
-Não... Vamos com calma. -falei sentando no sofá. -Eu não estou entendendo nada. Quem era aquele que tentou me m***r?
-Seth. Aquele era Seth.
-O deus da destruição? -ele fez que sim novamente. -Hórus não o matou há muito tempo?
-Para nós, deuses, m***r não é bem m***r. -ele explicou. -Hórus derrotou Seth há milhares de anos realmente e dissipou seu poder, no entanto conforme a humanidade se afundou em caos e destruição no decorrer dos séculos, ele deve ter recuperado o poder.
-Ele queria o vaso com sua areia... -comentei lembrando-me. -Como ele sabia que você era aquela areia?
-Eu não era a areia. Eu estava preso naquela forma. -ele revirou os olhos. -deuses podem ser aprisionados, só que eu não me lembro quando ou como eu fui aprisionado.
-Isso está muito confuso. -suspirei. -Vamos nos ater aos fatos. Você foi aprisionado, Seth sabia e o queria e Osíris parece estar fora de alcance.
-Confirma.
-Mas e meu pai? -o fitei esperançosa. -Meu pai enviou o vaso canópico para mim. Será que ele o encontrou por acidente?
-Esse é um bom ponto. Deveríamos perguntar a ele. -Anúbis sugeriu.
-Isso não será possível... Meu pai faleceu ano passado. -mordi o lábio enquanto relembrava esse fato.
-Ah, eu sinto muito. -Anúbis fitou-me preocupado. -Tenho certeza de que ele teve uma passagem pacifica.
-Você deveria saber, você quem deveria ter atravessado com ele.
-É verdade... É uma pena que eu não me lembre da ultima alma que ajudei a chegar ao julgamento.
Ficamos em silencio por alguns instantes, apenas pensando no quão maluca era a situação. Havia um Deus egípcio de milhares de anos na minha sala de estar e um outro deus, só que dessa vez, maligno tentou me m***r.
-Você disse que seu nome é Isis, não é? -Anúbis perguntou de repente. Fiz que sim. -Isis, estou com um sentimento confuso. Talvez, a alma de seu pai tenha sido a ultima que atravessei, ou tentei atravessar.
-Oque? -o fitei confusa. -Oque quer dizer?
-Você disse que seu pai faleceu ano passado, correto? Acontece, que ano passado foi o ano de lua de sangue. Quando a lua de sangue ascende aos céus, é o sinal de que Seth está mais forte. É quando ele e Hórus devem se enfrentar. Tem sido assim durante milênios.
-Então, você acha que...
-Eu não sei oque achar, talvez devêssemos encontrar Osíris. Ele saberia oque houve com seu pai.
-Ótimo... Então vamos encontrá-lo.
-Isis...
-Oque?
-Eu não sei onde fica a entrada para o Duat.
-Duat... Você diz, tipo o submundo? Onde as almas vão para ser julgadas?
-Exato. Eu não sei onde fica.
-Não é no Egito? -arrisquei. Anúbis respirou fundo.
-Não é bem um lugar... É um sentimento. Eu sinto a entrada. Por isso ela pode ser em qualquer lugar.
-Entendi. É um portal... Se alguém morrer, você consegue abrir o portal?
-Eu conseguiria... -Ele levantou o chave que aos poucos perdia o brilho. -Só que eu não estou sentindo a conexão com Osíris. Então não posso abrir.
-E agora? -suspirei cansada. -Como vamos achar respostas sem ninguém para nos ajudar?
-Podemos esperar amanhecer... Rá poderá nos ajudar.
-Rá? O deus do sol?
-Sim... Ele também foi o criador dos humanos e de tudo que existe hoje. -Anúbis falou com orgulho.
-Então... Se ele é importante assim, poderemos falar com ele facilmente?
-Posso solicitar uma assembleia com ele assim que o sol brilhar forte.
-Tudo bem... Então, temos que aguardar.
Ia sentar-me quando ouvi a campainha tocar alto. Quando abri a porta surpreendi-me ao ver Dan parado ali. Sua expressão era um tanto quanto irritada.
-Dan! -lembrei do jantar no momento em que o vi. -Desculpe, eu não fui ao jantar, mas é que aconteceram tantas coisas!
-Ah é? -sem pedir licença, ele entrou. -Que tipo de coisas? -seus olhos estudaram meu rosto, em seguida se surpreenderam ao ver o deus parado ali no meio da sala. -Quem é esse cara?
“Cara?” -olhei na direção de Anúbis, surpresa por Dan não dar um chilique ao ver uma criatura metade homem e metade chacal, mas ao olhar para Anúbis, vi que o mesmo havia se transformado. Assim como Seth, agora Anúbis parecia um homem alto e forte, usando uma roupa social preta. Os cabelos negros e uma barba bem feita. Os olhos num preto intenso.
-Boa Noite. -O deus cumprimentou e a voz permanecia a mesma. Sua chave desapareceu e se tornou um cordão no pescoço e o cajado uma bengala nodosa.
-Ah... Esse é o amigo do meu pai... -tentei sorrir, Anúbis me encarou e confirmou. -O nome dele é Anúbis...
-Anúbis? -Dan arqueou a sobrancelha. -Nome diferente.
-É egípcio. -falei depressa.
-Nunca ouvi seu pai falar nesse amigo. Ele é bem jovem para ser amigo do seu pai.
-Ele é um amigo bem recente... Das pesquisas que meu pai fez no Egito. -olhei para Anúbis. Ele não é tão jovem quanto aparenta.
-Verdade. -Anúbis se apoiou na bengala. -Vou passar um tempo com a Isis. Estamos procurando alguém.
-Ah é? -Dan o encarou com frieza, não entendi o motivo dele tratar Anúbis de um jeito tão r**m. -Quem? Eu posso ajudar, talvez.
-Eu duvido muito. Estou procurando meu pai. -Anúbis respondeu tranquilamente. -Agradeço o interesse e sua ajuda.
-Isis, eu posso falar com você? -Dan pediu e assenti. Andamos até a entrada da minha casa. -Que história maluca é essa, Isis? Um amigo do seu pai aparece do nada procurando pelo próprio pai?
-Eu não tinha certeza de que era o pai dele quem íamos procurar, mas sim... Ele precisa encontrar o pai para que possa voltar para casa. E o pai dele talvez saiba o que aconteceu com o meu pai.
-O seu pai? Isis, seu pai faleceu durante uma escavação. Como o pai dele pode saber o que aconteceu? Eles estavam juntos?
-Não tenho certeza, mas pode ser que sim e eu preciso saber o que aconteceu com o meu pai, Dan.
-Isis, você deveria dar paz ao seu pai. Ele se foi e você não têm vivido sua vida direito. Não dorme, não se alimenta e agora está com um desconhecido que alega ser amigo do seu pai! E se ele estiver mentindo?
-Ele não está! Dan, você não entende e eu não tenho como explicar. Você deveria ir.
-Está falando sério? Acha que eu vou deixar você sozinha com um completo estranho?
-Ele não é um estranho, ok? Eu não o conheço há muito tempo, mas sei que ele não é alguém perigoso para mim. Então, por favor, só vá.
-Você está agindo igual a Jessica Barns. -Dan falou depois de alguns minutos. Respirei fundo para conter minha irritação. Sempre que eu fazia algo que Dan não queria, ele tinha o péssimo hábito de me comparar á sua ex-namorada que o traiu com seu melhor amigo.
-Eu não sou sua ex-namorada e não estou agindo igual a ela. Tenho coisas a fazer Dan, então se não se importa. Licença. -virei-me e entrei fechando a porta.
Odiava o rumo para o qual o meu relacionamento se encaminhou. Já faz quase um ano que Dan havia se transformado drasticamente em uma pessoa muito egoísta e individualista. Passou a querer que eu vivesse as custas de seus caprichos, no entanto meu coração era livre e desejava trilhar seu próprio caminho.
-Eu a prejudiquei? -pulei de susto ao ouvir a voz do deus. Havia esquecido por um momento que ele ainda estava ali.
-Não, de forma alguma. -O encarei intensamente. -Então, qual é a do visual novo?
-Achei que minha forma verdadeira poderia assustar seu amigo humano... Criei algo de ultima hora. Ficou bom?
-Você parece um Inglês. -brinquei e sorri levemente. -Ficou bom sim. Não sabia que você podia se transformar.
-Quase todos os deuses faz muito isso... Eu utilizo quando vou guiar almas. Tento não assustá-las.
-Como você se tornou o deus que guia as almas dos mortos?
-Eu não sei bem, já faz muito tempo. Sei que o primeiro morto que ajudei foi meu pai. Osíris.
-Então, eu nunca soube que seu pai era Osíris. -Sentei na poltrona interessada. -Me conta?
-Ah... -Anúbis deixou um sorriso aparecer, ele sentou-se de frente para mim. -É uma pequena confusão de família. Minha mãe é a esposa de Seth. -ele começou. -Eles se desentenderam por algum motivo e ela se transformou em Isis, a esposa de Osíris. Acreditando estar se deitando com sua esposa...
-Nossa... Então você é filho de Osíris com...
-Néftis. O nome da minha mãe é Néftis.
-Então, foi por isso que Seth quis m***r Osíris?
-Acredito que é um dos motivos, mas Seth sempre foi muito invejoso quanto a Osíris. Seth acreditou a vida inteira que fosse mais poderoso e nunca entendeu por que Osíris foi o primeiro faraó a governar a humanidade. Então, ele enganou Osíris.
-E o fez se deitar em um sarcófago. -falei séria. Sabia bem a historia de cor.
-Exato. -A deus Isis o salvou quando Seth o atirou ao rio Nilo, no entanto, Seth o encontrou e o cortou em pedaços. Por isso, minha mãe Néftis e a deusa Isis o trouxeram para mim. Eu consegui costurar seu corpo de volta e trazê-lo de volta a vida, mas ele já não podia habitar o mundo dos vivos e assim se tornou o deus do submundo. Que julga as almas.
-E você se tornou o deus que guia as almas.
-Acho que foi mais ou menos assim.
-Existem tantos deuses poderosos... Aprendi sobre a maioria deles com meu pai. Nunca pensei que fosse conhece um deles pessoalmente. As lendas sobre vocês são tão antigas.
-Eu imagino que sim, mas acredito que alguns de nós tenham mudado conforme a crença humana muda. Alguns também podem ter simplesmente deixado de existir. Nunca saberemos.
-Hórus ainda está vivo? -perguntei de repente. Anúbis me fitou confuso. -Bem, ele é seu meio irmão, certo? Ele foi quem derrotou Seth, talvez ele possa fazer de novo.
-Estive pensando sobre isso... É estranho que Seth esteja tão poderoso e Hórus não tenha feito nada. Preciso contatar Osíris para saber como encontrar Hórus.
-Ei, vamos com calma... Procurar um deus de cada vez... Primeiro Rá, então Osíris e por ultimo Hórus, isso tudo evitando encontrar Seth.
-Seth não me assusta. -Anúbis falou com desdém. -Quando você me libertou ele foi embora. Não se lembra?
-É, mas a mim ele assusta. -confessei. -Ele pode ter ido embora por diversos motivos, mas eu não quero perguntar á ele.
Anúbis deixou uma risadinha escapar e se levantou.
-Você deveria descansar. Eu ficarei aqui vigiando caso aconteça alguma coisa.
-Você não dorme?
-Eu tenho uma resistência muito alta e o tempo para mim passa de forma diferente á de vocês humanos.
-Você não sabe o que está perdendo. Dormir é uma das coisa que nós humanos mais gostamos. -falei enquanto me dirigia para o quarto. -Vou confiar em você para me proteger... Esperando que nenhum deus maluco me ataque.
-Estamos ligados pelo destino Isis. -ele levantou o pulso. Uma espécie de bracelete brilhou ali. -Não posso deixar que nada aconteça com você.
-Tenho muitas perguntas sobre isso. -comentei olhando o meu próprio bracelete. Dourado e delicado. Ligado por uma linha igualmente dourada até o pulso do deus Anúbis.
-Eu também, mas não sei como poderemos ter essa resposta.
-Estamos procurando coisas demais. Vamos com calma. -levantei as mãos e Anúbis riu.
-Vá descansar. Amanhã teremos uma assembleia com Rá.