Anúbis e eu entramos em um impasse. Minha ideia era irmos imediatamente para o Egito e encontrar esse tal de Ranmsés, no entanto o deus egipcio de milhares de anos não concordava com isso.
-Temos que rever esse seu plano. -ele sentou-se me encarando. -Não tem como sabermos quem é Ranmsés somente com esse nome. Deve existir milhares de Ranmsés no Egito se... Esse for o nome verdadeiro dele. Este e-mail é de um ano atrás, temos que considerar que ele pode não estar mais lá, afinal ele estava sendo seguido. E a questão mais importante. -ele me encarou cruzando os braços. -Como eu vou entrar em um avião?
-Você não pode fazer aparecer um passaporte? -questionei. O deus me fuzilou com o olhar. -Ok. Certo, você tem razão em tudo que disse, mas não temos o que fazer aqui. O diário do meu pai não está aqui. Temos que procurar no escritório que fica no Cairo. Egito e o tal Ranmsés é nossa melhor pista. Podemos achar informações sobre ele lá.
-Isso ainda não descarta o fato de que eu não posso ir ao Egito com você.
-Você pode se teleportar para o Egito. Oque acha?
-Eu não posso me teleportar. -ele suspirou. -Minha chave não tem poder o suficiente para isso.
-Anubis, não é por nada não, mas você consegue fazer alguma coisa sem a chave? -perguntei emburrada, mas claramente o ofendi. O deus se levantou e sua bengala imediatamente se transformou em um cajado dourado. O cajado brilhou em roxo e me vi rodeada de guerreiros fanstamas. De todos os tempos existentes. Encolhi-me quando um samurai se aproximou com uma katana banhada em sangue. -Tudo bem... Eu já entendi. Sinto muito.
-Bem... -Anubis fez seu pequeno exercito desaparecer. -Talvez eu possa me transformar em uma criança e ir como acompanhante. Não sei.
-Isso seria interessante. -sorri levemente, mas parei ao ouvir uma batida na porta. Peguei o laptop do meu pai e abri. Era o professor Parish. -Professor?
-Queria saber se você vai assistir á minha aula... Pode trazer seu amigo egipcio. -ele sorriu gentil.
Juntos, sentamos no fundo da classe de historia egipcia do professor Parish. A aula dele era uma das que mais gostava, pois me lembrava meu pai contando-me histórias sobre múmias e faraós.
-Este fato está incorreto. -Anúbis sussurrou para mim.
-Oque?
-O primeiro faraó do mundo foi Osíris e não esse Narmer. -Ele explicou.
-Nenhum humano sabe exatamente qual foi a ordem cronologica de faraós do mundo. -fiz bico. -Não temos um deus para nos contar tudo que aconteceu no Egito.
-Acho que nenhum de nós, deuses, sabemos tudo que aconteceu no Egito. -ele riu.
Ao nosso redor, as alunas olhavam Anúbis com interesse. Algumas davam risadinhas conforme cochichavam entre si.
-Ei... Anúbis. -chamei e o deus me encarou. Esse hábito de Anúbis, de sempre falar comigo olhando-me diretamente nos olhos me deixava sem reação ás vezes. -Como funcionam os casamentos dos deuses Egípcios.
-Bom... Nós temos um conceito um pouco diferente dos humanos sobre amor. Os humanos sabem que estão apaixonados por sentir o coração acelerado e... Um frio na barriga. Isso tudo é somente uma reação química provocada pelo cérebro de vocês. Quando veem algo que gostam muito, seu cerebro libera dopamina.
-Certo... Não entendi exatamente tudo, mas entendi.
-De qualquer forma... Nós, deuses, não possuimos essa química e nosso cérebro funciona de forma diferente. Então quando nos casamos é pensando além do que viver juntos. É para o equilbrio do mundo. Para que aja um deus para cada dever.
-Então, vocês... Se casam para... Procriar?
-Você pode usar dessa forma. -ele riu. -Há deuses que existem para dar formas ao trovão... Ás flores e etc. Isso é uma repartição diferente. -ele explicou. -Nós, deuses egipcios existimos para guiar a humanidade. Somos criadores de coisas que a humanidade irá usar. Há a deusa da matemática Sexate que trouxe vários ensinamentos para os humanos e há a deusa da maternidade...
-Isis. -falei de repente. Sabendo bem quem ela é. -Meu nome é em homenagem á ela.
-Sim... Isis é a deusa da maternidade. Existe para que ajude os humanos com suas proles. Para que nasça com saúde. Há boatos de que é ela quem abençoa cada humano com uma criança, mas não posso afirmar isso.
-Já que vocês dois estão partilhando de idéias interessantes. -Professor Parish falou de repente. -Por que não contam para a sala quem foi o criador das piramides de Gizé?
-Quéops. -Anúbis respondeu prontamente. -Foi ele quem construiu as piramides de Gizé. O nome dele é em Homenagem ao deus Quenúbis. O deus que cuidava do rio nilo, onde os egipcios dependiam muito para sobreviver.
-Vejo que o senhor tem um grande conhecimento do antigo Egito.
-O senhor não imagina o quanto. -falei sorrindo.
Quando voltamos para casa, Anúbis e eu tratamos de comprar as passagens para o Egito, no entanto o voô era dali há dois dias e o eclipse não havia mudado nem mesmo á noite.
-Acha que Rá esta perdendo? -perguntei de repente.
-Não. Se Rá estivesse perdendo, a humanidade já teria sido consumida.
-Rá sempre luta sozinho contra Apófis?
-Antigamente Seth e Bastet o ajudava e isso fazia com que o sol brilhasse mais intensamente, no entanto, desde que Seth se voltou contra os deuses Rá o enfrenta sozinho com Bastet.
--Por que os outros deuses não os ajudam?
-Cada deus tem sua propria responsabilidade. Entende? A de Rá é manter vocês a salvo, afinal, as lágrimas dele os criou.
-Sério? -perguntei curiosa.
-É uma antiga lenda, que Rá nunca admitiu ser verdadeira, mas dizem que Rá foi o deus primordial. Ele criou a terra e tudo que há nela e o esforço o fez derramar suor e lágrimas, então quando estas tocaram o chão, surgiu uma forma nova. Os primeiros humanos.
-Isso é muito legal. Sério. -falei admirada. Anúbis deu risada.
-Acho que destino é uma coisa muito forte mesmo. Estou conectado á você, uma adoradora da mitologia egipcia.
-É... -olhei o bracelete em meu pulso. Era dourado com pequenas inscrições. -Quando tudo se resolver... Digo, você voltar para o Duat com Osiris e eu descobrir oque houve com meu pai... Acha que ainda poderemos nos ver?
-Creio que não. -Anúbis voltou a olhar para o céu. -Há muitos séculos atrás, Rá separou os deuses dos humanos. Então cada um exerce sua função de longe. Não andamos entre humanos.
-Entendo... Isso é uma pena, por que acho que os deuses vivendo ao nosso lado iria ajudar muito.
-Não sei...
Quando peguei no sono fui teleportada para um sonho incrível. Minha mãe estava em um quarto com um bebê no colo. Quando me aproximei vi que os olhos eram heterocromáticos. Elise Liria sorria e brincava com a mão do pequeno bebê e falava palavras doces, no entanto o idioma era outro.
-Ainda está falando em egipcio? Ela não vai aprender assim -Meu pai, vinte anos mais jovem entrou no quarto sorrindo. Trazia consigo uma bandeija com um jantar.
-Ela vai sim... Está no sangue dela. -Minha mãe ajeitou-me no berço. -Oque acha que deveriamos fazer? Podemos perder a pista se não voltarmos á escavação.
-Eu volto. Você cuida da Isis. -Meu pai sorriu gentil, mas minha mãe fez uma expressão irritada. -Querida, você acabou de dar a luz, não deve se esforçar.
-Eu posso muito bem entrar em uma tumba e ler alguns hieroglifos.
-É, mas alguem precisa cuidar da Isis.
-Então, o unico motivo pelo qual vou ficar é a Isis e não por que estou cansada ou algo do tipo.
-Eu sei disso.
Fiquei observando os dois com lagrimas nos olhos. Nunca conheci minha mãe e sentia inumeras saudades do papai. Quando achei que poderia tocá-los, meu sonho mudou. Minha mãe segurava firme uma adaga antiga e encontrava-se encurralada entre um berço e uma criatura estranha. Parecia um cão n***o magro e uma calda bifurcada no qual as pontas haviam flechas. Os olhos do cão era um vermelho intenso. Minha mãe possuia cortes em formato de garras no braço e na perna, claramente havia sido atingida pelo monstro.
-Eu não vou deixar que a machuque... -falou corajosa, mas o cão avançou, minha mãe conseguiu desferir um corte na criatura, mas ele resistiu e sua boca acertou o pescoço dela. Matando-a instantaneamente.
Minha versão bebê chorava no berço, assustada devido ao barulho e chamando de sua forma pela mãe. O cão se aproximou lentamente, a boca pingando sangue e ao alcançar o berço, um brilho dourado emanou que o fez fugir assustado. O brilho se dissipou aos poucos até desaparecer, e eu acordei.
Anubis preparava algo na cozinha e não me dei conta de que havia dormido na sala. Levantei-me um pouco assustada. Quando me viu, deu um pequeno sorriso, que logo sumiu ao notar minha expressão.
-Oque houve? Pesadelo?
-Acho que sonhei... Com a morte da minha mãe.
-Como assim? -Segurando minha mão, Anúbis guiou-me de volta para a sala, onde contei-lhe o meu sonho. -O cão n***o para ser Sha. É um animal associado a Seth. Nunca houve relatos reais dele, então achei que não fosse real.
-Ele é bem real. -sussurrei enquanto secava uma lágrima. -Ele matou minha mãe quando eu era apenas um bebê. Por que ele faria isso?
-Escute. -Anubis puxou-me para um abraço gentil. -Se tem ligação com Seth, ele deve ter feito isso para que seus pais não pudessem ler a profecia inteira... Ou encontrá-la.
-Eu estou cansada dessa profecia e de Seth tambem. Ele matou minha mãe e meu pai, por um motivo que eu não tenho ideia ainda.
-Eu sei e sinto muito por isso... -Anubis me olhou nos olhos novamente. -Quando encontrarmos Osiris e Hórus, o faremos pagar.
Passamos o resto do tempo antes da viagem ao Egito organizando minha mala e pensando no que faríamos quando chegassemos lá. No entanto, minha cabeça não conseguia processar tudo. Fiquei imaginando o quão horrivel fora a morte de minha mãe e pensei sobre a luz dourada que me protegeu. Nem mesmo Anúbis tinha um palpite sobre o que poderia ser aquilo.
Por volta das 20h recebi uma ligação de Dan, por uns instantes havia esquecido completamente dele, e que ele estava furioso comigo por causa de Anúbis e o jantar com sua familia, então quando o atendi, me surpreendi com o tom de voz gentil dele.
-Baby... Eu queria falar com você. Não gosto quando estamos brigados.
-Eu tambem não gosto de brigar Dan, mas tem muita coisa acontecendo e eu queria que você confiasse em mim.
-Eu confio em você... E por isso estou te ligando. Quero resolver as coisas com você.
-Como assim?
-Baby, esquece tudo e vamos começar uma vida. -ele começou. -Esquece esse Anúbis, o pai dele... A Hórus. Vem comigo para Cambridge. Vamos morar em um apartamento, só nós dois. Você pode recomeçar sua vida lá.
-Dan, você está falando sério? Você só consegue pensar em ir pra Cambridge estudar em Harvard e só?
-No que mais você quer que eu pense, Isis?
-Dan... O Anúbis está procurando o pai dele. Que pode saber o que aconteceu com o meu pai. Serio que você não se importa?
-Isis, quem se envolveu nessa história foi você, por que eu deveria me importar com esse cara ou o pai dele, ou o que o pai dele sabe?
-Porque eu me importo! Eu fiquei horas, fazendo tudo para ajudar você porque sabia que Harvard era importante para você e quando algo é importante para mim, você só quer que eu esqueça?!
-Você não sabe o quanto Harvard é importante para mim... Se soubesse, não ficaria presa ao passado. Seu pai morreu, Isis. Mesmo que você descubra o que houve com ele, não vai trazê-lo de volta.
-Dan... -A essa altura, as lágrimas enchiam meus olhos. Era impressionante o quanto Dan estava me surpreendendo e decepcionando ao meus tempo. -Você é um b****a completo. Fica longe de mim.
Então eu desliguei. Anúbis entrou no quarto minutos depois ao me ouvir soluçar e quando ele se aproximou, não aguentei. O abracei e chorei tudo que havia aguentado.
No dia seguinte, estava eu, com todas minhas economias na bolsa encarando o grande aeroporto e discutindo com um deus de milhares de anos.
-Anúbis, tenho certeza de que vai funcionar. Você precisa se transformar.
-Isis, é humilhante! Não combinamos que eu seria uma criança?
-É, mas você leu no site. Precisamos de um documento que prove que você tem algum parentesco comigo, se não eu vou presa por sequesto! Então, por favor...
-Só Rá sabe o quanto eu não quero fazer isso!
-Eu tambem sei, mas é o unico jeito!
Observei Anúbis intensamente. Passamos os ultimos momentos discutindo em como colocariamos ele em um avião sem documentos, até que tive a brilhante ideia de pedir a ele que se transformasse em um cachorro. O deus ficou totalmente ofendido, mas após algumas discussões o vi brilhar e encolher, segundos depois, havia um Doberman preto e marrom me encarando. Tirei a coleira da minha bolsa e vi o deus me fuzilar com os olhos. Tentei não rir.
-Escuta Anúbis, eu não posso andar com um cachorro desses por ai sem coleira. Reza para que eles não me façam te colocar um focinheira.
Entramos no aeroporto sem problemas, as pessoas que passavam por nós encaravam o cão com receio. Fiz o check-in e já me preparava para despachar a mala quando uma funcionária se aproximou.
-O Cão vai no bagageiro?
-Não, eu tenho a passagem dele aqui. -entreguei a ela que conferiu o nome e me fitou.
-Anúbis? -fiz que sim. -Entendo, se ele vai com os outros passageiros, terá que colocar uma focinheira nele.
-Oque? Mas ele é dócil!
-São as regras de segurança, senhora. -ela respondeu encarando o cão que tinha uma cara de poucos amigos.
Assim, horas depois, eu estava embarcando em um voô de vinte e cinco horas para o Egito com um cão muito, muito mau humorado.