Capítulo 06

1911 Words
Com o passar do tempo, o sono se apossava de todos. As crianças já haviam adormecido no colo de seus pais, as esposas pareciam sonolentas. Entretanto os três filhos, o genro Oliver e a neta Emma estavam atentos na história que o senhor Bailey lhes contava. O senhor da casa fez uma pausa pedindo para que os filhos acomodassem suas famílias. Não queria que tivessem uma péssima noite de sono apenas para lhe dar atenção. Enquanto todos se dispersavam, o idoso olhava a janela pensativo. Suspirava ao imaginar que estava contando aquele segredo para seus filhos. Não teria sequer sonhado que um dia como aquele chegaria, onde todos saberiam o motivo de sua solidão. Sempre escondeu tais sentimentos de seus filhos, para que eles pudessem crescer sem nenhum outro problema além dos que já tinham. Ao viver sozinho sentira um alívio grande em poder chorar, resmungar, quebrar coisas sem dar satisfação a ninguém. Entretanto, Lucius estava disposto a acabar com aquela barreira. Queria que todos os filhos fossem capazes de compreender o pai. Isso não seria algo bom? Imaginando que os próprios filhos estariam dormindo, senhor Bailey forçara suas pernas para se levantar da poltrona e se apoiar no andador ortopédico. Ao ajeitar a coberta no sofá, percebia que o filho mais velho permanecia na sala, com os braços cruzados lhe fitando. ― O que foi Benjamin? O resmungo do idoso que caminhava lentamente pela sala não assustava ou irritava o rapaz. ― Por que sempre escondeu isso de nós? Senhor Bailey parou de caminhar quando ficou de frente para o filho. Fitando de seu rosto percebia que já não existia mais nenhuma criança ali. Como poderia lidar com aquilo? Sempre que olhava para seus filhos via as crianças que tanto amava. No entanto, já eram adultos, homens de família que tratavam assuntos com seriedade. Havia dado o primeiro passo em admitir sua história. Considerando sua idade e o tempo que lhe resta, não precisaria manter nenhum segredo com um adulto como seu filho. Além do mais, não importaria se iriam acreditar ou não em si, apenas queria desabafar e dizer que sua vida já fora colorida uma vez. ― Porque ainda dói. Benjamin se surpreendia em ver o olhar triste do pai. O mesmo voltava a caminhar em passos lentos para o seu quarto. O filho mais velho se recordava daquele olhar de toda vez que chovia, em tempos frios de forma geral, era a época que parecia ser a mais triste para o pai. Virando-se depressa o rapaz alcançou o velho senhor e o ajudou a caminhar para seu quarto. Ambos em silêncio. O ajudou a tirar sua roupa para colocar o pijama, ajeitou as meias em seus pés percebendo a frieza dos mesmos. Notou que tinham inúmeros frascos de medicamentos sob sua cômoda, e que o pai os ajeitava cuidadosamente tomando cada um sem se perder. Enquanto observava o pai tomar a medicação, o coração de Benjamin se apertava. Vivia com sua mãe, onde a mesma se mantinha bela e saudável rodeada pelo padrasto e amigas, que na opinião de Benjamin eram interesseiras ao seu dinheiro. Enquanto isso, senhor Bailey vivia em uma cidade abandonada, cuidando de cavalos e plantas, sozinho e doente sem pedir ajuda a ninguém. Não tinha mais beleza em seu rosto, estava com a pele enrugada e o corpo fraco. ― Que tipo de filho eu sou? O senhor Bailey não teria ouvido o sussurro do filho. O primogênito ajudou o pai a se deitar, certificando-se de estar coberto, já que previsão do tempo era de vento gelado e pancadas de chuva pela madrugada. Sem nenhuma palavra, Benjamin se retirou do quarto com os olhos marejados, percebendo que o pai estava indo cada vez mais longe de si. Encostando-se na parede da sala cobrira a boca e nariz para abafar o seu choro. As lágrimas que derrubavam em seu rosto pareciam descarregar um fardo de anos. Millena, que havia saído à procura do marido, o encontrou na sala em prantos. Não demorou para que seus pés a levassem até Benjamin e o abraçasse docemente, deixando com que ele a apertasse sem que houvesse amanhã. Ela percebera que estavam em frente a porta do quarto do senhor Bailey, e a julgar pela demora do marido em ir para o quarto, significava que Benjamin teria descoberto alguma coisa para abalá-lo de tal maneira. Deixou que Benjamin chorasse até que se sentisse melhor. Ao passar de alguns minutos, finalmente levantava seu rosto molhado. A esposa passava as pontas dos dedos com suavidade e delicadeza limpando as bochechas onde tinham as lágrimas. Sorriu gentilmente depositando um selar demorado em sua testa. ― Vamos dormir, precisa de um descanso. ●●● O dia seguinte amanheceu nublado e com uma chuva fina. Os inquilinos de senhor Bailey já teriam levantado e faziam uma leve faxina na casa à pedido de Benjamin. Lucius teria percebido que o irmão mais velho estava diferente, e mesmo assim não lhe fez perguntas sobre. Compreendia que entre os dois mais velhos, Benjamin era o mais responsável, sendo assim, ele faria tudo de sua maneira. As mulheres estavam responsáveis pelos alimentos. Lavavam alguns legumes e já preparavam comidas saudáveis, de acordo com a receita do nutricionista que Millena encontrou próximo da televisão. Todos haviam levantado cedo, já que Benjamin queria que o pai fosse bem cuidado, pelo menos daquela vez. Benjamin havia procurado pelas últimas receitas dos médicos, ajeitou-as em ordem e lembrou dos frascos que havia encontrado na noite anterior na cômoda do pai. Um era para pressão, outro para dor muscular, um outro para controlar a diabetes e assim a lista seguia. Achava estranho que para cada sintoma houvesse um medicamente, e por isso passou as primeiras horas do dia conversando com o médico da família. Héctor arrumava a televisão para que pegasse um sinal melhor, dizia que seria para seu próprio benefício enquanto ficasse ali, já que estava cansado de ouvir jornal de outras cidades. Enquanto instalava uma pequena máquina, o rapaz ficava ouvindo a conversa do irmão mais velho no celular. Cansado, se jogou no chão ganhando uma garrafa de água de Lucius. ― O que o Ben está fazendo? De repente ele está querendo cuidar de tudo. Lucius olhava para o irmão mais velho e sorria largo. O seu plano estaria dando certo pelo menos. Voltando-se para Héctor apenas deu de ombros. ― Acho que ele percebeu uma coisa. ― Que coisa? Vocês são cheios de segredinhos. ― Não temos segredos Héctor ― O rapaz se levantava e ajeitava a roupa ― Você é que se recusar a enxergar a realidade. Lucius voltava para a estante onde tirava a poeira. Oliver era o único que havia se oferecido para manter as crianças ocupadas dentro do quarto. Enquanto as mulheres se divertiam cuidando do almoço, Héctor apenas parou para observar tudo em sua volta. O que poderia estar perdendo? O que recusava a enxergar? O que todos estavam fazendo era para o benefício do senhor Bailey. Voltando a encarar a televisão, o moreno soltou um suspiro e voltou a arrumar o aparelho de canais pagos. Benjamin desligava o telefone fazendo anotações em um bloco de notas. Por mais que fosse presidente de uma agência de entretenimento, e tivesse dito que seus empregados poderiam ligar em caso de urgência, acabou por avisar ao seu secretário que até o fim da viagem gostaria de não ser perturbado. Enquanto raciocinava as palavras do médico, o homem ficava a rabiscar a folha do bloco de notas. Havia ligado para questionar para que serviriam aqueles remédios, e se haveria a possibilidade de o pai estar doente. Entretanto, o médico não soube responder já que não sabia o histórico de senhor Bailey. O idoso nunca foi de ir à exames, e passou a frequentá-los após se mudar para aquela cidade, e com outro médico que não o conhecia. Soltando um suspiro cansado, Benjamin se debruçava na mesa e olhava para os papéis. No final das contas optou por ajudar na limpeza da casa. Não adiantaria ficar pensando demais sobre hipóteses. Quando fosse necessário iria questionar o próprio pai sobre os remédios. Levando cerca de duas horas, senhor Bailey saíra do quarto de banho tomado. Teria levantado mais cedo, mas percebeu a movimentação da casa e as vozes dos filhos distribuindo tarefas. Não queria interrompê-los de sua diversão, seja lá o que estivessem fazendo. Sendo assim preferiu ficar na cama debaixo das cobertas, enquanto olhava para o seu diário. A foto preta e branca o fazia sorrir em nostalgia. Talvez reviver suas memórias não fossem de todo um m*l. Quando juntou coragem e força o suficiente para se mover da cama, o idoso seguira direto para o banheiro, onde pode tomar seu banho calmamente. Ao ir para a sala e ver toda sua casa limpa e cheirosa, não conseguira guardar o riso diante dos filhos ansiosos. ― O que andaram aprontando? ― Senhor Bailey avançava com o andador, o cheiro do almoço já fazia seu estomago se revirar. Estava com fome. E por ter levantado da cama tarde, perdera o café da manhã. ― Onde estão os pequeninos? ― Estão brincando com Oliver ― Lucius sorria ajudando o pai a se sentar na mesa da cozinha, e serviu uma xícara de café ― A casa estava pleno **, Ben achou melhor limparmos para o senhor. O idoso desferiu o olhar para o filho mais velho, que havia voltado a se debruçar sobre suas folhas. Sorrindo sutilmente, bebericou de seu café enquanto conversava com as noras. Assim que o almoço fora servido todos se juntaram à mesa para fazerem o desjejum. Senhor Bailey encarava a janela, esticando o pescoço e resmungando quando voltava a comer. ― O que foi vovô? Está esperando alguém? ― Emma sussurrava evitando alardes, mas os olhares perspicazes dos três filhos já haviam percebido que o pai estava estranho. ― Eu ia cuidar de algumas plantas, mas a chuva não deixa. Todos os quatro olharam para a janela que estava atrás de Benjamin. m*l dava para ver algo no lado de fora, já que o vidro estava embaçado do lado de dentro e molhado no lado de fora. Voltaram a olhar o senhor Bailey, que comia com vontade os legumes feitos pelas noras. Adorava o tempero delas e aproveitava disso quando elas o visitavam. ― Não sabia que vovô gostava de plantar. ― Nunca gostei ― Ria o idoso, olhando para a neta ― Mas aprendi a gostar. ― Por quê? ― Fora a vez de Oliver, que se mostrava curioso. Somente então o senhor Bailey notava que todos prestavam atenção na sua conversa com a neta mais velha. ― Por causa daquele jardim que eu encontrei na escola. ― Enquanto limpava os lábios com o guardanapo de papel, se esticava para pegar sopa, que estava na panela próxima de Benjamin. O rapaz segurou o prato do pai e lhe serviu, evitando que o mesmo se curvasse demais e machucasse sua coluna. ― Claro que voltei no dia seguinte para ver aquele jardim. Era um lugar bonito e calmo, onde eu poderia fazer o que quiser sem me importar com ninguém. Ao pegar o prato, o idoso agradeceu voltando a se sentar. Tomando da sopa e intercalando com o suco natural de laranja, senhor Bailey olhava para todos na mesa, já não se sentindo mais constrangido em contar suas histórias. ― E estava curioso para saber se aquele moleque iria me dedurar para a direção.
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