Capítulo 05

1684 Words
’Eu gostaria de não ter chorado tanto!’ disse Alice enquanto nadava tentando encontrar uma saída. ‘Eu devo estar sendo punida por isso agora, suponho, afogando―me em minhas próprias lágrimas! Isso sim será uma coisa estranha. Entretanto, tudo está estranho hoje. – Alice no País das Maravilhas Capítulo 2, a lagoa de lágrimas. ●●● O senhor Bailey parecia estar cansado, os ombros sutilmente curvados para frente passavam a impressão de que o peso em suas costas era grande demais. Seus movimentos também estavam ficando lentos, além de sua fisionomia estar sempre séria. Os olhos não vagavam por sua volta, estavam sempre focados em um único lugar como se estivesse perdido em algum pensamento. Aquele pai já não era o mesmo. Benjamin estava duvidoso quanto ao que via. Por mais que observasse seu pai, nunca imaginara que ele teria segredos. Apesar de ter vivido toda sua vida ouvindo as brigas conjugais, não adivinhou que haveria muito mais daquilo. Claramente sentia peças faltando em seu quebra cabeça, imaginando que as peças ausentes se encontrariam entre seus pais. Entretanto havia mais. E provavelmente envolvia uma terceira pessoa naquela relação. Segundo o seu irmão mais novo, o pai jamais teria traído sua mãe, apesar de nunca amá-la. Então onde aquele terceiro sujeito iria se encaixar naquela história? E o que mais lhe chamava a atenção, o que tal sujeito teria feito para ganhar a afeição e carinho daquele velho pai, a ponto de que estime uma mera estante cheia de livros? Eram tantas perguntas formuladas, isso que apenas ouvira um pedaço do diário que seu pai contou à tarde. Soltando um suspiro, Benjamin voltara a olhar a janela encontrando seu cunhado. Oliver era um rapaz calmo e silencioso, sempre observava o lado externo das coisas sem se impor a elas. Deixava com que tudo em sua volta ocorresse naturalmente. Ele teria vivido ali junto com Lucius e seu pai, então deveria saber de alguma coisa. Lembrara que o irmão havia dito sobre o marido querer publicar uma história do pai. Aproximou-se dele, que desviou sua atenção da janela para o cunhado que se encostava na parede ao seu lado. Benjamin encarava a janela pensando em alguma forma de iniciar aquela conversa. ― Me diga Oliver, por que esse ano estamos todos aqui para ouvir uma história? O escritor soltara um suspiro pesado, voltando a olhar para o rapaz mais velho. Ficara pensativo antes de assistir o marido brincar com os filhos na cozinha junto com o avô. ― O pai de vocês vivenciou algo antes de se casar com sua mãe ― Oliver ajeitava o par de óculos no rosto, antes de encarar o cunhado que parecia interessado ― Vivenciou algo tão doloroso que teve de carregar sozinho. ― E isso explicaria o fato de nossa mãe e ele brigarem tanto? Oliver comprimia os lábios. Recordou-se de quatro anos atrás, quando morava ainda com o senhor Bailey, e ele lhe contava a história sobre sua juventude. Evitando de dar muitos detalhes, o rapaz apenas sorria gentilmente. ― Sabe que seu pai nunca amou a esposa ― Benjamin assentia sem estar surpreso ― Mas acredito que por você ter nascido foi o que fez com que o Senhor Bailey assumisse responsabilidades, tomando decisões. Inclusive, casar com sua mãe. Lucius chamava por Oliver quando via os filhos começarem a brigar. O rapaz apenas afagou o ombro do cunhado e se direcionou para o esposo. Benjamin ficou a encarar a janela, já teria pensado que preferia não ter nascido para assistir aquelas brigas de seus pais. Só nunca imaginara que eles se aguentavam apenas por sua causa. O rapaz olhara para o pai abraçando um dos netos, que chorava depois de receber a bronca de Oliver. Ele acariciava as costas do neto enquanto sussurrava algo, tal carinho que já o vira fazer uma vez ou outra. Talvez Lucius tivesse razão quanto a uma coisa, os dois irmãos mais velhos teriam agido com rispidez demais quanto ao pai. Lembrava-se de suas noites com medo de chuva e trovão. O pequeno Benjamin se levantava da cama e ia para a cozinha atrás de algo para beber, acabando por encontrar seu pai próximo ao fogão esquentando leite. No final, ele servia duas xícaras e esperava o filho mais velho adormecesse para o carregar até a cama e lhe cobrir. Senhor Bailey não era tão ríspido quanto imaginava que era. Observando Lucius arrastar o pai para a sala e o ajeitar em sua poltrona, Benjamin percebia alguma coisa além de um velho senhor. Teria seu pai adoecido? Erguendo o olhar para cozinha, notara que Héctor também observava o pai. No final de contas, Lucius chamou a todos para se sentarem na sala e aproveitarem para se esquentarem com o calor da lareira que fora acendida por Héctor. Não demorou para que o diário surgisse e que Lucius se debruçasse no colo do pai com um rosto pedinte. ― Continue, dessa vez Oliver vai anotar tudo. ― Por que eu preciso anotar? ― O rapaz citado segurava os dois filhos no colo que comiam um doce dado pelo avô. ― É só pegar o diário. ― Poxa Oliver, segue o ritmo. Senhor Bailey ria abafado e começava a mexer na coberta. As mãos trêmulas lhe faziam suspirar, preferindo assim as ignorar e voltar sua atenção para o que o filho pedia. Estavam em família ali, todos reunidos esperando por uma história. Não tendo escolha, teve de recorrer às suas lembranças. ― Naquele dia que eu acabei dormindo no banco que havia naquele jardim, e quando eu acordei... ●●● INTERIOR DO INGLATERRA, 14 DE FEVEREIRO DE 1965 Quando resolvera abrir os olhos, despertando do sono curto que tivera, Franchesco se lembrou que tinha matado aula e ainda se encontrava dentro da escola. A qualquer momento poderia ser pego pelo inspetor e ser levado para sala da diretoria. Mas estava tão relaxado deitado naquele banco, ouvindo o som da água caindo da fonte misturada com uma voz doce... Levantando-se subitamente, Franchesco buscara de onde aquela voz vinha, encontrando um rapaz agachado de costas para si enquanto mexia em uma planta. Franzindo a testa, agarrou a mochila se preparando para alguma fuga. Entretanto a percepção do rapaz fora tão ágil quanto se esperava. Percebendo que havia um movimento atrás de si, tratou de se virar para ver o que era, encontrando aquele sujeito tatuado lhe encarando surpreso. ― Ah... Você acordou. ― Percebendo que o mesmo estava com a mochila e os olhos vidrados em si sem dizer absolutamente nada, apenas apontara com a espátula para o meio das árvores que havia atrás da fonte ― Se quiser sair sem ser visto pelo inspetor, pule aquele muro. Franchesco piscava algumas vezes enquanto encara o garoto voltar sua atenção para as plantas. Como tinha a chance de fugir de uma vez por todas, apenas seguiu a direção indicada encontrando alguns poucos metros um muro escondido. Conseguindo pular e sentar-se no muro, percebeu que dava para rua de trás da escola. Sorrindo sorrateiramente enquanto olhava por cima do ombro, não encontrou mais o garoto e assim pulou o muro correndo pela calçada em direção de seu dormitório. Ignorara a voz em sua cabeça que lhe pedia para voltar e evitar que aquele rapaz lhe denunciasse ao inspetor. Franchesco corria para dentro de uma mata onde encontraria a trilha de terra que levaria para a entrada dos fundos do dormitório. Era ali que os funcionários passavam com suas mercadorias quando retornavam das compras. Passavam pela trilha para evitarem de serem pegos pelos alunos. As árvores cobriam o céu, sendo que os raios de sol entrepassavam as folhas iluminando parte da trilha. O rapaz seguia calmamente, ajeitando a bolsa no ombro. Tão breve se encontrava de frente para a porta de madeira que dava acesso à dispensa do dormitório. Passando por ela, se escondeu atrás de algumas estantes quando ouvia algum barulho. Espiava averiguando que não haveria ninguém por perto e seguia para a escadaria que dava acesso à cozinha. Por se aproximar do horário que findava as aulas, o movimento na cozinha poderia aumentar a qualquer instante. Esticando o pescoço olhou em volta da cozinha e seguira na ponta dos pés até o corredor principal. Em seguida correra pelas escadarias indo direto para o dormitório de seu amigo Adrian, imaginando que ali iriam se encontrar. Abrindo a porta do quarto, sabendo que o amigo jamais a tranca, adentrou no cômodo e se sentou na cama. Não havia ninguém ali. ― Não acredito que foram pra cidade sem mim. Olhando em volta do quarto do amigo, Franchesco percebia um caixote sobre a mesa de estudos. Tinha a forma de um hexágono e em seu centro uma tela circular escurecida. Soltando um riso abafado, Franchesco se aproximou averiguando que aquele caixote seria o tal jogo que o amigo teria ganhado naquela manhã. ― Parece uma gema ― O rapaz ria abafado olhando para a tela. ― Melhor eu ir, se mexer vou levar uma bronca. Pegando sua mochila novamente, Franchesco se retirava do quarto caminhando calmamente para o seu respectivo dormitório. Saberia que não seria pego por estar no décimo andar, já que ninguém passa por ali. Ao entrar no quarto, fechou a porta e se jogou na cama soltando um suspiro baixo. No final de contas não adiantou sair da sala de aula, ele continuava no tédio. Rolando pela cama, o rapaz de cabelos brancos alcançou o caderno amarelo que havia comprado alguns dias atrás. Sem ter muito o que fazer e encarando aquela página em branco, resolvera descrever o seu dia. Enquanto escrevia,dava-se conta de desabafar sobre o sentimento de tédio e solidão. Quando menos esperou, descrevera o jardim e o rapaz que ali estava cuidando das plantas quando acordara. ― Quem era aquele pão? Balançando a cabeça, fechou o caderno o escondendo em sua mochila. O relógio marcava quatro da tarde, logo o sino da escola soava afirmando o horário. Os alunos iriam voltar para o dormitório e iniciar suas atividades extracurriculares. Mas para Franchesco, tudo o que resolvera fazer foi tomar um banho demorado.
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