Um atípico dia de aulas

1208 Words
            Quando o despertador de Felipe tocou, às seis horas, ele gostaria de ter dormido mais. Mas a verdade é que ele assistira a todo o filme que a irmã tinha escolhido - algo sobre uma menina e um cavalo, ele não havia dado muita atenção - e quando fora para o seu quarto, ainda esboçara mais um tanto de suas ideias para os alunos durante o período de isolamento.              Deu de mão em seu bloco de notas, ainda deitado na cama e leu as frases soltas que haviam ali: 01 – criar sala de bate papo – plataforma? 02 – criar modelo de perfil para os usuários 03 – criar anúncio da atividade 04 – criar cronogramas e planilhas de controle 05 – desenvolver atividades extras              Felipe automaticamente retornou seu planejamento, pulando alguns itens e inserindo mais informações em outros:  02 - criar modelo de perfil para os usuários - descrever seus interesses intelectuais, escolher um animal que se identifique com o seu perfil - e escrever sobre ele - e então, usar o animal como usuário - é isso ! 05 - desenvolver atividades extras - leitura de livros (pesquisar títulos, 2); leitura de contos (pesquisar, 2), resenha crítica de filmes (pesquisar, 4), apresentação de seu personagem, integração personagem-aluno.              O professor então espreguiçou-se e levantou. Passou correndo pelo banheiro, como se evitasse encarar o próprio rosto no espelho: se eu me enxergar e ver em meu rosto o reflexo do total pavor que eu estou sentindo, provavelmente nem consigo sair para dar as minhas aulas do dia - ele suspirou. Desceu correndo as escadas de madeira e encontrou sua mãe na cozinha: café pronto, bolo de fubá e pão caseiro sobre a mesa. - Bom dia - ele diz sorrindo - como passou a noite?  - Bom dia - ela aproxima-se e entrega uma caneca de café recém coado ao filho - não consegui dormir direito - ela responde - eu estou preocupada, com você e com a sua irmã.  - Nós vamos ficar bem, eu só vou até a escola hoje... Amanhã mesmo estarei trabalhando de casa.  - E como ficarão as crianças? - pergunta a senhorinha. - Eles vão ficar bem - responde Felipe - são grandes e vão entender que essas medidas todas são necessárias... - ... e acha mesmo que irão respeitar? - questiona a mulher encarando-o - Faça-me o favor, meu filho, se fosse no seu tempo, se tivesse essa idade, você respeitaria?  - Provavelmente - ele riu - depois que a senhora me desse uma surra. - Não sei se uma surra resolveria - ela sorri, nunca fora mãe de dar surras, ele apenas ameaçava... E quando ele dizia que não teria adiantado, ele exagerava, tinha sido um bom menino, ao menos tinha dado menos trabalho do que a irmã - prometa para mim que vai se cuidar. - Eu prometo, Mãe - ele responde para deixa-la tranquila - e depois, eu estarei em casa com a senhora e a Lucia.  - Sim - ela suspira - falar nela, sua irmã saiu cedo, falou algo sobre um decreto e que iria reunir os colaboradores do café para uma conversa.  - Ela está preocupada...             Os dois conversam mais um pouco e só quando faltam quinze minutos para o horário das aulas, Felipe sai de casa. A escola fica perto, mas ele decide ir de carro novamente, precisaria carregar uma parte do material que costumava deixar na escola. Assim que chegou, os professores já estavam reunidos próximos à diretora, falando baixo e com expressões preocupadas. Felipe chamou a diretora à parte e explanou sobre a sua ideia.  - Acho que sim - ela suspira - pode funcionar, professor, quem sabe assim eles conseguem se expressar de forma mais íntima... Não consigo pensar nesses meninos longe da escola, não pelos estudos, porque isso hão de recuperar, mas isolar eles? Nesta idade...  - Infelizmente - responde Felipe - não consigo pensar muito sobre isso. Enfim, com o seu okay, eu vou apresentar o plano à turma e ver o que eles pensam a respeito.  - Certo - ela sorri - então isso seria interdisciplinar, Felipe? - Esse é o objetivo.              O professor segue para a sua sala: está cheia como de costume. Ele temia que os alunos deixassem de ir, e que ele não conseguisse explicar o seu planejamento. - Bom dia à todos - ele anuncia - hoje, vamos ter um dia atípico de aulas... - ele encara a turma - vou explicar para vocês como a escola irá trabalhar daqui para frente, como vocês vão estudar e anunciar o meu programa de apoio multidisciplinar. - Ahn? - Débora o questiona - Apoio multidisciplinar?  - Sim - ele sorri - mas essa é a última parte... "...inicialmente, trabalharemos por meio de materiais impressos e pelos livros de vocês. Todos têm os livros, de todas as disciplinas. Cada professor vai passar para vocês um material, dizendo o que estudar a cada dia, quais exercícios fazer, tarefas e tudo mais. Todos os professores estarão disponíveis, nos horários das aulas de vocês, para tirar as dúvidas e explicar a matéria. Caso precisem, poderão chamar por mensagem ou email e aguardar a resposta" - Certo - Felipe, o aluno interrompe - nos nossos horários normais de aula?  - Exato - responde o professor - claro, que isso poderá vir a ser ajustado ou alterado futuramente...  - E quanto ao apoio? - questiona Lucas.  - Então... Eu, como ministro disciplinas que necessitam de muito diálogo e interação, e sabendo que muitos de vocês, por várias vezes desistem de falar e se expressar com receio de julgamentos, tive uma ideia, que pode nos ajudar... Vamos criar um grupo, em uma plataforma - ele escreve na lousa o nome do aplicativo - e eu vou criar uma sala de bate-papo, onde cada um de vocês vai receber pelo email um convite e vai cadastrar-se, mas não com o nome verdadeiro, e sim com um personagem criado, para que possam expressar-se e interagir sobre as disciplinas sem as amarras dos julgamentos alheios.  - Nossa - Débora encarou o professor - porque eu acho que não vai dar certo?  - Porque eu não passei as regras - o professor sorriu - bullying, agressões verbais... Vocês estarão anônimos entre vocês, eu saberei exatamente quem é quem, por causa do código dos convites, e usarei essa informação para avalia-los. Compreendam que vivemos em uma sociedade limitada, cidade pequena... Com o tempo, vocês saberão quem é quem, certamente, mas inicialmente, quero que se sintam mais livres.  - Tudo bem, então - a garota dá ombros.  - Caso qualquer um de vocês se sinta desconfortável, pode me chamar que vamos resolver, correto? Não quero ninguém sentindo-se na obrigação, quero que apenas estejam presentes e que tentem... Acredito que possa ser interessante.              A turma discutiu por mais alguns minutos os detalhes do projeto do professor e ao fim dos períodos, todos estavam aceitando a ideia e alguns até pareciam animados. Então, à princípio, Felipe acreditou ter atingido o objetivo: criar interação, só não sabia quando tempo que ela iria durar.              Assim que chegou em casa, pegou o notebook e começou a trabalhar na sua ideia, precisava coloca-los em contato o quanto antes, antes que eles desistissem da ideia... 
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