•°•°•°•°•°•°•°•°•°•°•°• | Sophia Downson
Eu estava nervosa. Minha respiração estava desregulada, a minha carne tremia, meus ossos se batiam por dentro.
Eu estava claramente nervosa, era a primeira vez que veria o meu noivo — do qual eu só havia ouvido falar uma única vez e não por mais de cinco minutos.
Era estranho estar desse lado da moeda.
— Oi, Soph. — Minha madrasta cumprimentou, se aproximando de mim. — Demorou, está tudo bem?
— Ah, claro. — Eu sorri. — Eu só estava tomando um café antes de descer. — Falei, encarando o meu pai, medrosa. — Desculpe, eu costumava dormir cedo até ontem.
— Tudo bem, não tem com o que se preocupar. — Meu pai disse, se aproximando.
Suas mãos tocaram as minhas calmamente e ele me puxou com delicadeza até o homem parado e estático ao seu lado.
— Acredito que você já saiba quem é esse homem. — Meu pai disse, encarando a noiva. — Peter Ross, essa é a Sophia.
— É um prazer conhecer você, Sophia. — Peter disse, pegando a minha mão e beijando-a.
Esse era o primeiro traço da sua personalidade tão escondida para mim, me perguntava quais cartas Peter tinha na manga e quantas delas. Ele parecia ser uma caixinha de surpresa, uma caixinha nova, lacrada e não explorada por mim.
Ele me olhava com intensidade, deixando seus olhos passearem por todo o meu rosto, me deixando envergonhada.
— É um prazer, senhor Ross. — Falei calma. Queria que ele soubesse que eu não o conhecia, que para mim, ele era um completo estranho.
— Bom, vamos jantar? — Meu pai cortou o clima, desviando os meus olhos do homem a minha frente.
— Claro, papai. — Falei calma.
— Soph, venha cá. — Minha madrasta disse animada, fazendo-me olhar para trás. — Essa é sua meia-irmã, Soraya.
— Olá, Soraya. — Eu disse tímida, como se cumprimentava as pessoas?
— Oi, irmãzinha. — Ela disse, com um sorriso no rosto.
Uma sensação r**m se apossou de mim, fazendo-me encara-la sem entender. Tentei ser simpática, ainda assim.
— Espero que possamos ter uma relação pacífica. — Eu disse, tentando ser gentil.
— Claro que teremos, em dois dias você estará longe daqui, ou seja, não teremos de lidar com as manias um da outra.
Franzi a testa, encarando o meu pai:
— Eu vou voltar para o convento?
Meu sorriso não podia ser maior. Eu estava, realmente, feliz. Não me importava de não ser amada pelo meu noivo ou de ser rejeitada, se isso me faria voltar ao convento e seguir meu sonho, valeria a pena.
— Não, querida. — Ele limpou a garganta. — Pensei que Melanie tivesse lhe explicado tudo.
O homem ao lado do meu pai não parecia feliz com a minha felicidade momentânea, estava com uma carranca enorme no rosto, me encarando. Certamente não era acostumado a ter alguma mulher lhe rejeitando de alguma maneira. Aposto que mulheres morreriam por uma chance como a minha.
Peter era um homem bonito. Era alto, tinha músculos em todo o corpo, olhos escuros e um cabelo liso, milimetricamente penteado para cima, deixando que dois pequenos fios caíssem na sua testa. Tudo nele era atraente, desde a boca carnuda, ao nariz bem desenhado.
A roupa preta o deixava um pouco mais obscuro, trazendo a tona uma sensação estranha entre as minhas pernas. Era novo, mas incômodo, por isso, as juntei entre o meu corpo, apertando-as um pouco.
Não queria que as pessoas percebessem o meu incômodo, ou a minha tristeza, por isso, desviei os olhos para o meu pai.
— E então? para onde eu irei? — Perguntei.
— Para a nossa casa. — A voz grave de Peter ecoou pelo local, fazendo-me estremecer. — Pensei que você estivesse de acordo com o casamento e com tudo o que tem haver com ele.
— E-eu.. — Gaguejei nervosa, engolindo as palavras.
— Se não quiser se casar comigo, não irei obriga-la. — Ele concluiu.
— Ela está. — Meu pai disse. — Ela quer fazer isso, pelo legado da mãe dela, que morreu no parto, não é, querida?
— Sim, papai. — Falei baixo, desviando os olhos para o chão.
Eu estive a um passo de me livrar de toda essa baboseira, de ser livre, mas perdi todas as esperanças agora.
Eu não sabia quem era a minha mãe, ou o que havia acontecido com ela até algumas horas atrás, mas me sentia na obrigação de fazer isso — se fosse pelo seu legado.
Não faço ideia de quem seja, ou de sua personalidade, se era boa ou r**m, mas deu a sua vida por mim e sinto que devo algo a ela, mesmo que seja um casamento indesejado.
Espero que Deus me perdoe pela mentira e por enganar um homem como Peter.
Ele me encarou com um meio sorriso de canto e tomou um gole do líquido que estava no copo a sua mão — da cor cobre.
— Agora, acho melhor irmos jantar. — Melanie disse, amenizando o clima.
Acho que ela era a mediadora dos conflitos da família. Pelo menos, era assim que ela havia se colocado até agora.
— Vamos, vamos sim. — Sorri fraco.
Caminhamos até a mesa posta, sendo servidos por uma empregada que estava parada ao lado da mesa. Me senti incomodada, não era acostumada a ter pessoa me servindo ou fazendo qualquer coisa que eu — como uma pessoa capaz — tinha condições de fazer.
Mas, não tive coragem de abrir a boca e reclamar. Apenas comecei a comer em silêncio, apreciando cada mísero pedaço do alimento que — de alguma maneira — estava delicioso.
Depois de algum tempo, peguei a taça brilhante de água e levei a boca, dando um gole. A culpa se apossou do meu peito, meus olhos se arregalaram e eu quase cuspi toda a comida na mesa.
— Céus! — Sussurrei colocando a mão na testa.
— Algum problema? — Peter perguntou, encarando-me do outro lado da mesa.
— E-eu esqueci de rezar. — Gaguejei, encarando a comida mexida no meu prato.
Meus olhos se encheram de lágrimas alguns segundos depois, enquanto eu apertava os dedos sobre a saia do vestido com certa força.
— Ora, agora essa. — Soraya disse, rindo. — Vai chorar por isso?
— É importante agradecer... — Falei baixo, encolhendo os meus ombros.
— Não precisa chorar, querida. — Melanie passou a mão no meu braço, de maneira carinhosa. — Está tudo bem, você é humana, humanos erram.
— Eu nunca esqueço de agradecer, céus, eu nem vivi direito e já me tornei uma pecadora. — Eu funguei.
— Se acalme, por favor. — Melanie disse, pegando o copo d'água e servindo em minha direção. — Beba um pouco.
Peguei o copo, engolindo toda a água de um só vez, tentando fazer descer junto a vontade de chorar. Eu me sentia patética.
— Me desculpe. — Murmurei. — Se importam se eu me retirar? Eu preciso de um pouco de ar.
— A vontade. — Meu pai disse, pela primeira vez.
— Obrigada, com licença. — Falei, me levantando.
Sai da mesa, sendo observada pelos demais. Alguns poucos passos depois, e Soraya já estava puxando uma nova conversa com o meu agora noivo.
Eu não queria ter chorado, não na frente dele, não na frente deles. Me sentia culpada por chorar. Era estranho ter esse sentimento.
Andei pelo corredor do andar térreo, procurando algum lugar para ficar. Encontrei uma sacada, no fim do corredor. Me aproximei, vendo a vista impecável da cidade.
Nova York era tão grande, bonita e admirável. Era perfeita a ponto de eu desejar nunca mais tirar os olhos dela.
O tempo parecia ter parado aqui e agora. Eu estava descobrindo um mundo novo para mim agora, eu sabia disso.
Sentei-me sobre a cadeira que ficava ali e apoiei o braço na mesinha redonda, inclinando o meu corpo para frente.
A brisa batia sobre o meu rosto, enquanto eu deixava que meus pensamentos viajassem por aí.
Eu não sabia qual era o meu lugar aqui. Eu não sabia quem era, de onde era e quais eram as minhas raízes. Eu sou uma desconhecida, até para mim mesma e isso me assusta.
— Oi. — Ouvi a voz de Peter e me virei rapidamente, sentindo o meu peito acelerar um pouco.
— Ah, oi. — Falei calma. — me desculpa ter saído assim.
Eu estava nervosa. Ele me deixava nervosa, e eu não entendia o que nele mexia tanto comigo.
— Sente-se, senhor Ross. — Pedi, apontando para a cadeira ao meu lado.
Peter Ross suspirou, dando a volta na mesa antes de se sentar ao meu lado, ajeitando o terno sobre o corpo.
— Não gosto de como me chama de senhor. — Ele reclamou, deixando o copo sobre a mesa de vidro.
O mesmo líquido cobre de hoje mais cedo preenchia o copo.
— Me desculpe, mas do que eu deveria chamar o senhor? — Perguntei, mordendo a bochecha por dentro.
— Peter, vamos nos casar. — Ele respondeu, levando o líquido a boca.
Seus olhos encontraram os meus e ele sorriu, colocando o copo na mesa.
— Interessante, não? — Ele perguntou, encarando o líquido.
Me senti uma intrusa, uma fofoqueira por estar olhando tão atentamente para as ações do homem a minha frente. Apenas engoli o seco e assenti com a cabeça, sem coragem de dizer algo.
— É whisky. — Ele disse, após um tempo. — Uma bebida alcoólica. — Ele parou de falar por um tempo e me encarou. — Acho que você nunca bebeu isso.
— Não mesmo. — Falei, encarando o movimento lá embaixo. — Não é da minha índole.
— Ah. — Ele riu. — Bom, eu bebo, vai ter que se acostumar.
O encarei, com a testa franzida. Além de tudo, era um atrevido.
— Eu não acho que beber seja a solução para algum problema. — Resmunguei. — Irei rezar pela sua alma, para que se liberte do vício.
— Ah, muito obrigado. — Ele disse sarcástico.
Não respondi. Não tinha o que responder. Apenas, continuei apreciando a vista, as pessoas, os carros. Aqui parecia ser tudo tão movimentado.
— É lindo, não é? — Ele perguntou, fazendo-me olha-lo.
Seus olhos escuros e brilhantes refletiam a luz da cidade, enquanto a luz da lua nos banhava. Estava um clima agradável e tranquilo.
— É, eu nunca imaginei que fosse assim. — Comentei baixo.
— Como assim? — Ele perguntou.
— Da última vez que estive em Nova York, eu fiquei trancada em um dos quartos rezando. — Expliquei. — Eu não sabia que meu pai era casado ou que tinha uma nova família..
— Como? — Ele pareceu surpreso. — Nunca lhe contaram?
— Não, como eu disse, eu nunca sai do convento, somente uma vez. — Expliquei. — Meu pai me visitou até que eu tivesse dez anos e depois sumiu, me buscou a cinco anos atrás por obrigação, depois disso... — Eu engoli o seco, tentando me livrar da mágoa. — nunca mais nos falamos.
— E o que achava que seu pai fazia? — Ele me perguntou.
— Achei que era casado com a minha mãe, afinal, todos tem uma mãe. — Eu ri, sem humor. — Bom, pelo menos, eu não tenho.
— Eu também não. — Ele comentou, dando os ombros. — Combinamos isso.
— O que aconteceu com a sua mãe? — Perguntei, tentando descobrir mais coisas.
— Nada! — Ele disse grosso, fechando a cara.
Sua expressão se tornou dura, enquanto seus olhos se perderam no horizonte.
— Tenho que ir, nos vemos em dois dias. — Ele disse, se levantando. — Minha irmã irá vir visita-la amanhã, até mais, Sophia.
E saiu, sem me deixar responder, me deixando estática e me perguntando o que eu fiz de errado.
Alguns minutos depois, cansada de continuar ali, decidi voltar para o meu quarto.
Entrei na casa, percebendo a sala vazia. Subi as escadas, dando de cara com um corredor longo e escuro.
Eu tinha certo medo da escuridão, ela me deixava arrepiada. Por isso, andei a passos rápidos até o meu quarto.
— Ela é uma tonta. — Ouvi a voz de Soraya, abafada por uma porta.
— Não diga isso dela. — Melanie murmurou.
— Ela chorou por uma reza. — Ela parecia indignada. — Aposto que foi para chamar a atenção de Peter.
— Ela não é como você. — Melanie retrucou.
— A menina m*l chegou e já prefere ela? — Ouvi o bufar da mais nova. — Espero que ela vá logo e que Peter perceba o erro que cometeu.
— Pare com isso já. — Melanie disse alto.
— Soraya, você sabe que pode ir tentar se engraçar para Peter quando quiser, ele não recusa um r**o de saias. — Ouvi a voz do meu pai. — Garanto que a minha filha jamais perceberia, afinal, é uma tola.
Suas palavras me machucam. Não entendia o motivo de todo esse desprezo por mim.
— Mas não pense em acabar com esse casamento, me entendeu? — Meu pai disse, um pouco mais baixo.
— Sim, senhor. — Soraya disse.
Não quis mais ouvir nada. Eu era isso para ele, uma simples tola que se casaria — sabe-se lá Deus para que.
Entrei no meu quarto e fechei a porta, me jogando na cama. As lágrimas começaram a rolar no meu rosto e eu agarrei um urso.
Deixei que todo o sentimento r**m deixasse o meu corpo e que as lágrimas lavassem a minha alma, até que eu finalmente, peguei no sono.