!Lar, doce... lar? ¡

2429 Words
•°•°•°•°•°•°•°•°•°•°•°• | Sophia Downson O carro do meu pai começou a entrar em movimento. Apertei os dedos na minha saia cinza e olhei para o convento que por anos me abrigou. Era estranho estar saindo aqui, e com o meu pai, tudo se tornava pior e mais bizarro. Nós não tínhamos uma relação e eu não sabia o que esperar. — Sophia, antes de chegarmos.. — Ele disse simples. — Eu tenho uma nova esposa e uma nova filha também, ela é filha de outro casamento de sua madastra. — E-e ela mora com vocês? — Perguntei, receosa. Tinha medo da resposta, sentia que ela me magoaria. — Sim. — Ele disse curto. A dor no peito me atingiu imediatamente. Eu gostava do convento, das freiras, gostava da vida que levava, mas nunca tive o amor do meu pai. A sua enteada acabou levando tudo que um dia podia ter sido meu. Eu não conseguia entender o motivo de eu continuar presa aqui dentro. — A quanto tempo você é casado? — Perguntei. — Dezessete anos. — Ele disse, sem vontade. — Soraya é cinco anos mais velha que você. As lágrimas queriam sair, o bolo se formou na minha garganta. Meu pai havia criado outra criança, havia amado outra criança, ele havia me esquecido por uma nova família. Céus, por que isso é tão doloroso? Engoli o bolo e encarei a janela, apertando os meus dedos juntos, sentindo a angústia. Eu não conhecia a minha mãe ou qualquer pessoa da minha família, eu nem sabia se tinha uma. A madre ou o meu pai não me contavam sobre isso. — E a minha mãe? — Perguntei. — Morreu no parto. — ele disse, parecia desconfortável em falar sobre isso. — Não quero conversar sobre isso, precisamos ir para casa. Temos muita coisa para conversar. Assenti, abaixando a cabeça. Torcia para que chegassemos logo. Depois de alguns minutos longos e incômodos, chegamos na frente de um prédio enorme. Um homem parado na entrada do edifício abriu a porta para mim e me ajudou a sair. Sorri como forma de agradecimento, parando ao lado do homem, enquanto meu pai saia do carro. Ele balbuciou algumas palavras para o homem e desejou um bom dia, me levando para dentro do edifício. Ele segurou o meu braço, me guiando até um elevador, apertou alguns botões e olhou para frente durante todo o tempo que me olhava. Depois de mais alguns segundos, a porta se abriu. Meu pai passou um cartão na máquina — que ficava na parte de dentro do edifício, liberando a enorme e pesada caixa de ferro, fazendo-a se fechar rapidamente e começar a subir. Uma música bem baixa podia ser ouvida no fundo, nos distraindo de nós mesmos. Eu nunca havia andado em um elevador, mas já havia visto em uma excursão em um centro comunitário para crianças com deficiências. A madre decidiu que subiriamos de escada, não podíamos nos dar a certos luxos que não nos era submetido no dia-a-dia — ainda éramos agraciadas com a questão de que era um benefício para os necessitados. Quando a porta se abriu, demos de cara com uma enorme sala. Ela era luxuosa e em cores pastéis, encarei tudo admirada, boquiaberta pela beleza do lugar. Continuava tudo exatamente posicionado, como a cinco anos atrás, poucas coisas haviam mudado. Uma das paredes da sala era em completo vidro, deixando uma vista incrível para ser admirada daqui. Os móveis todos em branco e marrom destacavam-se, assim como os quadros nas paredes. Uma mesa de jantar estava posicionada do outro lado, com um total de doze lugares. — Querido! — Uma voz melodiosa invadiu meus ouvidos. Virei-me imediatamente, observando a mulher de um e sessenta e sete vindo na nossa direção. Seus saltos pretos faziam um barulho agradável quando tocavam o piso de porcelanato da cobertura. — Demorou. — Ela disse, se aproximando e beijando-o nos lábios. Eu virei meu rosto, tentando na encarar a cena. Nunca havia presenciado atos carnais na minha vida e mesmo que a Madre tivesse me explicado um pouco sobre isso, eu entendia que eu não deveria fazer. Apenas para casados, e eu era uma mulher solteira. — E você.. — Ela segurou minhas bochechas entre os dedos. — É mais bonita ainda de perto. — Obrigada. — Agradeci, envergonhada. Não era acostumada a receber elogios. — Esperei tanto tempo para conhecer a filha do seu pai. — Ela deu uma risada. — Ele nunca a trouxe e nem permitiu que eu a visitasse. — Explicou. — Olhe só para essas roupas.. — Qual é o problema com elas? — Perguntei calma. — Você, como uma mulher jovem e bonita, deveria ser mais vaidosa. — Ela disse, simpática. A mulher parecia ser adorável. — A vaidade é um pecado. — Falei, segurando o terço. — Não, não querida. — Ela me repreendeu, tirando os meus dedos do colar. — Você precisa tirar essa ideia da sua cabeça, você é linda e a maquiagem e as roupas só irão realçar isso, não é pecado se sentir bonita. — A madre disse... — tentei argumentar. — A madre é uma tola. — ela disse. — Agora, querido? Você não tem nenhum compromisso? Meu pai observava tudo de solaio, com as mãos para trás do corpo. — Sim, tenho. — Ele disse, calmo. — Volto para o jantar, pode explicar tudo para Sophia? Minha madrasta torceu o nariz, descontente com algo. Me pergunto se comigo. — Claro, mesmo que eu não concorde com esse jogo que vocês estão fazendo com a pobre garota. — Ela disse, desviando os olhos do meu pai. — Vamos, querida? Temos muito trabalho. Apenas assenti, envergonhada. Tinha medo de ter causado uma impressão r**m á minha madrasta. Subimos um lanche de escadas que me levava a parte de cima da cobertura, minha madrasta me levou até um dos quartos e abriu a porta para mim. — Meu nome é Melanie. — Ela se apresentou, me lembrando que eu não havia dito o meu nome. — É um prazer, finalmente, tê-la em casa. — Eu sou Sophia. — Falei simples, ainda estava receosa com tudo. — Eu sei, querida. — Ela riu. — Bom, eu vou fazer uma transformação em você. — Ela disse, me fazendo sentar na cama. — Mas, é tão bonita que não precisarei de muita coisa. — Eu não queria me produzir tanto, é.. — Tentei negar a proposta. — Seu noivo virá jantar conosco, querida. — Ela disse calma, ajeitando o meu cabelo para trás. — Vamos precisar hidratar o seu cabelo, acho que preciso ligar para Juan. — Meu noivo? — Indaguei. — Que noivo? — Seu pai não lhe contou? — Ela perguntou, se afastando de mim com a testa franzida. — Não, eu... — Tentei dizer, mas nada saia da minha boca. — Você pode me explicar? — Claro, claro.— Ela disse atordoada. — Sophia, eu tentei tirar você do convento diversas vezes, mas seu pai nunca permitiu, eu sequer sabia seu paradeiro.. — Ela se sentou ao meu lado. — Acontece que, a mais ou menos um ano, o seu pai assinou um contrato onde garantia um casamento entre você e um dos maiores empresários do meio do seu pai, em troca de algum dinheiro. — Meu pai não seria capaz de fazer isso comigo. — Falei baixo. — Seria? — Eu sinto muito, se eu soubesse que você não estava de acordo... — Ela fez uma pausa, olhando o espelho. — Eu teria tentando mudar tudo. — Mas, o que faria um homem querer se casar comigo? — Eu Franzi a testa. — Ele jamais me viu. — Ele aceitou pois precisava de alguém para tomar o título de esposa dele. — Ela explicou. — o rapaz não tem uma boa imagem e seu pai.. bem, ele viu uma oportunidade. — Eu não posso negar? — Eu perguntei, sentindo a vontade de chorar voltar com força. Me casar acabaria com qualquer mínima chance de eu seguir a minha vocação. Eu nunca mais séria freira. Freiras são mulheres virgens e puras, que querem doar as suas vidas para outras pessoas. Um casamento arrancaria a minha virgindade, a minha pureza. Eu sentia meu chão se abrir e tudo desmoronar aos poucos. — Não sei, meu bem. — Ela passou os dedos nos meus cabelos. — Apenas, siga o roteiro, vai conhecer o Peter hoje, ele é um bom garoto. — Espero que seja. — Falei, meio a contragosto. — Então, vamos começar? — Ela disse animada, mudando de assunto. Acho que queria fazer eu esquecer toda a merda a qual eu estava sendo submetida. Melanie parecia ser uma ótima mulher, com a pele bronzeada naturalmente, cabelos castanhos e brilhantes, com cachos que chegavam até a metade das suas costas. Usava um vestido que abraçava bem as suas curvas. — Mel, você nasceu em Nova York? — Perguntei, curiosa. — Ah, não. — Ela riu. — Sou latina, nasci no México. — Percebi, sua beleza é incrível e nada comum por esses lados. — Falei. — Você deve chamar muita atenção, é elegante e com uma beleza rara. — Ah, não seja assim, eu me envergonho. — Ela disse batendo no meu braço fraco. — Vá tomar banho, teremos um longo trabalho pela frente. Eu esperava encontrar uma amiga em Melanie. Uma amiga que eu desejava ter, alguém que eu pudesse contar — tanto quanto contei com Megan. Me levantei e caminhei a passos rápidos até o banheiro. Ele era enorme, em tons de branco e marrom, com uma pia branca de mármore. Avistei a banheira cheia e me aproximei calmamente, colocando a ponta dos dedos sobre a água, sentindo-a morna. Eu nunca havia tomado um banho quente antes. Encarei a água por alguns segundos, antes de decidir entrar para experimentar. Não me custaria muita coisa, não é? Tirei toda a minha roupa, enrolando-a em um pequeno bolinho e jogando-a no cesto preto ao lado da pia, coloquei um dos pés na banheira, depois o outro e me sentei, afundando o meu corpo. Me permiti relaxar, deixando que a água carregasse todo o meu cansaço. Sentia-me relaxada como nunca antes, mas ainda culpada — outras pessoas não tinham a mesma oportunidade que eu. Me esfreguei com uma esponja de banho e molhei meus cabelos, aproveitando para lavar os fios com um dos shampoos disponíveis. Quando terminei, senti-a em renovada, como uma nova mulher. Sai da banheira, entrando em um roupão branco e sai do quarto, com os cabelos pingando pelo piso. — Ah, ela é linda. — Ouvi o grito agudo do homem, vindo em minha direção. — Eu também me casaria com você. Ele parou a minha frente. Era branco, tinha olhos negros e cabelos dourados, suas bochechas estavam levemente vermelhas e ele parecia elétrico. — Não vou ter muito trabalho, Melanie. — Ele disse. — Muito prazer, sou Juan, cabeleireiro e irmão da Melanie. — Ruan, oi.. — Eu sorri timida, apertando a sua mão. — Sou a Sophia, muito prazer. — Vamos, não temos muito tempo. — ele disse, me puxando até uma penteadeira enorme que estava em um dos lados do quarto. — Não corte muito o cabelo dela, tire somente as pontas. — Melanie disse, parando atrás de mim. Os encarei pelo espelho. — Achei o cumprimento perfeito, você nunca cortou ou passou algo? — Juan perguntou, penteando meus fios. — Não, a madre disse que a vaidade era um pecado, então... — Dei os ombros. — Bom, querida. — ele tocou meu ombro. — Para o seu bem, esqueça o que ela disse. — Eu posso tentar, todos estão me dizendo isso hoje. — Eu ri com o nariz. — Ao trabalho, temos poucas horas. — Melanie cortou o assunto. Juan penteou e hidratou os meus cabelos, me fazendo esperar quinze minutos com uma touca sobre a minha cabeça. Depois, lavou-os novamente, e secou com a toalha, deixando-os úmidos. Alguns cortes aqui, uma secagem ali e eu estava pronta. — Ficou perfeito. — Ele disse, mexendo nos meus cabelos. Antes, opacos e sem vida e agora, brilhosos. — Eu adorei. — Sussurrei, chegando mais perto do espelho. Ouvi duas batidas na porta e me virei, vendo Melanie correr até lá e abrir. — O almoço chegou. — Disse animada, deixando a empregada entrar e servir em uma mesa de madeira que estava parada em algum canto. — Obrigada. — Falei, me levantando da cadeira. Me sentei na mesa, fazendo uma pequena reza antes da refeição, acompanhada pelos dois irmãos. Já haviam se passado muitas horas, talvez, três ou quatro, do meu horário de almoço habitual, por isso, comi rapidamente, ouvindo o meu estômago agradecer. Depois do almoço, continuamos a renovação da minha aparência. Melanie e Juan foram cuidadosos, me ajudaram em todos os detalhes. Desde o pingente que eu poderia usar no cabelo, até a cor que a minha unha foi pintada — pela manicure. Agora, eu estava sozinha. Estava escuro, e eu estava sentada, observando a paisagem pela janela de vidro que nos dava a visão da vista. Bebi um gole da minha xícara de café, antes de deixá-lo de lado. Havia tomado outro banho, por isso, ainda estava usando o meu roupão. Fui até a porta, trancando-a e voltei para a cama, desamarrando-o e jogando-o sobre a cama. Coloquei o conjunto de calcinha e sutiã pretos que Melanie havia escolhido e por cima, o vestido azul. Ele era lindo, tinha alças grossas, e era apertado até a cintura, onde abria em uma saia rodada e bonita. O vestido seguia até a metade do joelho — uma exigência minha, e me deixava comportada. Nos pés, um par de sandália douradas e abertas, que me deixavam confortável. Passei um pouco do perfume e desodorante que Melanie exigiu que eu usasse e coloquei o pequeno colar de cruz — de ouro, que havia ganhado para não andar com o meu terço no meu pescoço. Guardei-o com cuidado dentro da minha gaveta, torcendo para não me arrepender de sair do quarto essa noite. Respirei fundo, uma ou duas vezes, antes de sair do quarto envergonhada, indo para a sala. As vozes já podiam ser ouvidas do corredor. Um burburinho e uma conversa formal. Expulsei todo o nervoso do meu corpo, antes de aparecer na ponta da escada. E foi quando eu o vi. Peter Ross, o meu martírio. O meu inferno. O meu noivo!
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