Um sentimento humano que eu odiava era essa ansiedade agoniante que eu estava sentindo naquele momento.
Viver entre eles me deixava cada vez mais humano, apesar da minha do fato de que eles causaram a queda do meu lar. Era agonizante pensar na Lilith brincando de casinha como uma humana completa, talvez com uma casinha de cercas brancas, um gramado verde em um subúrbio levando tortas de maças para as vizinhas em uma tarde de calor.
Só de pensar nessa realidade paralela, no cabelo perfeitamente loiro que ela deve ostentar e no sorriso brilhante eu chegava a ter vontade genuína de vomitar.
Quando eu pensava no rosto de alegria dela ao ver o marido humano e médico estacionar a droga da Mercedez após um dia absolutamente cansativo como um santo salvando vidas, quando eu pensava no beijo do reencontro... eu me sentia cada vez mais doente.
Eu sabia do que aquele demônio era capaz, sei como ela me enganou... como ela causou a minha quase morte, me lembro da dor de perder minhas asas... mas do nada... começo a me perguntar se ela tinha o mesmo perfume de rosas e se a textura da pele dela era como antes... se o hálito da boca dela era fresco como uma manhã... se os cabelos dela tinham aquele cheiro de chuva... me perguntava se os lábios dela ainda eram vermelhos como uma maça sem defeitos... e a pergunta mais importante era.. como eu iria reagir aquele encontro? Como seria olhar para Lilith através da sua janela de vida perfeita?
Vê-la vivendo a simplicidade da vida humana era como um golpe no meu estômago... pensar que imaginamos isso juntos antes de planejarmos aquela malfadada fuga do que chamavam de paraíso... pensávamos em viver como humanos, evoluir em nosso pequeno quadrado de felicidade.
Até a traição.
E para piorar aquilo só me deixava cada vez mais perdido... eu me perdia nas mentiras que eu contava para mim, e nas mentiras que eu contava para o universo.
Mas que ela me contou enquanto eu enrolava as mãos em seus cabelos dourados e longos... os sorrisos falsos que eu ganhei ou as expressões de prazer quando eu colocava a boca no meio de suas pernas.
Tudo isso vinha a mim como um soco no meu rosto, de novo, e de novo... sem nunca passar porque início meio e fim estavam com ela, e tudo o que eu entendia de mim também.
Eu nem saí do escritório, fiquei remoendo a minha raiva e o meu ódio... e revendo as fantasias que eu criei na minha mente maluca enquanto eu bebia mais e mais do meu bourbon favorito. Pensei em f***r com uma prostituta loira, mas isso era pedir demais do meu corpo humano àquela altura, eu pensei em me jogar daquela cobertura, mas eu sabia que a morte havia me abandonado.
Eu tencionei ligar para Arani, porque ela poderia me irritar o suficiente para eu esquecer aquela agonia que parecia me afogar.
A minha sensação era que tinha alguém me estrangulando, torcendo pela minha quase morte em vida... torcendo pela minha agonia.
Eu não podia esperar Arani para agir, eu precisava percorrer a cidade toda atrás de algum Baker que eu pudesse socar, mas depois de pensar nisso um pouco melhor eu concluí que deveriam ter uns mil médicos chamados Baker e eu não tinha a droga do poder da onisciência.
Eu sabia que aquilo era um castigo.
Eu me lembrar e ela não... eu saber tudo o que houve, em cada detalhe... remoendo o que eu deixei passar que eu não percebi aquela traição ao longo de todos aqueles séculos.
Eu sabia que aquilo tinha só a ver comigo e com mais ninguém, talvez não tivesse nem a ver com a p***a da Lilith, e sim com uma punição mais pesada para a minha transgressão lendária e quase milenar ao meu pai.
Estava eu, preciso em uma jaula que eu não conseguia sair... eu estava preso nessa jaula milênio após milênio contando os dias, os minutos, e os segundos para tudo aquilo acabar.
Que a profecia fosse cumprida, que eu pudesse sair daquele cárcere de putas e uísque e que a minha arma deixasse de ser perturbada e torturada dentro daquela redoma.
O único castigo que me pegava era ter que odiar a criatura que eu mais amei em toda a minha existência.
Era não saber o porquê ela me odiou ao ponto de escolher viver uma eternidade sem mim, como ela pode dizer com a boca que disse que me amava que não se importava com o que aconteceria comigo? Como ela pode me algemar e me jogar fora da nossa casa quando o nosso plano era fugir para longe? O que ela queria provar com aquilo? Era um teste?
Eu era perturbado com essas impressões, com esses insights, com essas noções por tanto tempo que já eram meus companheiros.
Mas ela estar ali... no mesmo quadrado que eu... e sendo tão livre... me incomodava mais do que o meu castigo eterno.
Lilith estar na terra mudava todas as minhas percepções sobre todas as coisas... ela me reconheceria?
Quando pensei nessa última pergunta o meu peito doeu um pouco mais, foi como se eu sentisse uma facada dentro do meu peito, segurei firme enquanto caía em cima da minha cadeira ao lado da mesa e senti um formigamento que eu nunca senti em meus braços.
Abri e fechei a mão algumas vezes... como era insuportável aquela realidade.
Estava decidido.
Quando eu a visse... eu daria um jeito de partir... para longe dali... talvez encontrar alguém que fale com ele... para me dar alguma outra penitência eterna que não fosse conviver com a saudade e o ódio dela todos os dias no meu peito, estando agora respirando um ar tão próximo ao meu.
As galáxias, buracos negros, e quatro camadas de céu nos separavam... e já era perto demais para mim.
Saber que poderia esbarrar com ela andando pelo Central Park pela manhã me causava um desconforto imenso! Por que o meu castigo não foi proporcional ao de todos? Por que ele me odiava mais do que odiava todo mundo?
Estava decido... eu pediria algum tipo de prisão cósmica em um lugar onde eu nem tivesse forma ou influência, eu viveria ou seria torturado por mil outros demônios, mas não conviveria sob o mesmo céu terrestre que Lilith....
Só me restava saber se algum dos meus apelos seriam acatados afinal de contas, ou se mais uma vez eu seria injustiçado pelos meus crimes que agora ficaram tão longe.
Amei demais uma cobra peçonhenta... deixei ela me picar e colocar em mim todo o seu veneno... E apesar de imperdoável... eu clamava por clemência.