Capítulo 2

2130 Words
Passei aquela tarde completa remoendo tudo o que eu tinha para remoer. Era meio que um diário que eu fazia mentalmente de quantas coisas ela me fez para eu nunca mais esquecer a dor que eu senti. - Sr. D... tem uma moça aqui... Aquela de cabelos pretos e curtos, eu sempre esqueço o nome dela! - disse Isabel toda sem jeito como sempre. - Você se refere a Anne? pode deixá-la no escritório, eu já vou até lá... preciso vestir algo mais do que um roupão. - Certo, vou levar ela até lá. Eu entrei no meu quarto querendo deitar-se na cama e não sair mais, eu odiava o lado humano chegando em mim a cavalo a cada século que passava. Eu já me comportava como essa raça imunda em muitos quesitos, e a maldita Anne era uma das poucas ligações que eu tinha com minha terra natal. Eu odiava olhar para a cara dela, a expressão humana de quem sentiu um cheiro muito r**m no ar e que fez careta para isso. Branca de doer os olhos ela ostentava também com orgulho um cabelo curto e preto cheio de falhas. Não se importava com aparência, se importava com pesquisas... histórias de uma sociedade que ela mesma viu se construir bem diante dos próprios olhos. Se ela estava ali, dentro do meu apartamento, provavelmente ela não tinha boas notícias, ou pelo menos tinha fofocas de coisas que eu não tinha que saber e nem queria saber também. Me vesti sem pressa e logo depois caminhei sem muita vontade pelos corredores até chegar na droga do escritório e me deparei com a figura que eu descrevi um pouco antes. Só que agora ainda estava vestida com um terninho preto na maior vibe homens de preto. - O que você faz aqui Anne? - perguntei passando a mão pelo meu rosto de profundo desespero com a imagem do outro lado da sala. - Nossa, que recepção calorosa Sr. Diablo, nome de meter medo não é mesmo? - ela disse com o sorriso torto. - Fala logo... eu não estou com tempo para perder a esse horário da tarde... - eu tinha todo o tempo para perder, a realidade é que nenhum espaço de tempo seria o suficiente para me matar e o meu castigo eterno de estar preso a essa casca imunda me dava arrepios tão terríveis que doíam. Mas isso não é assunto Para agora. - Mais de nós... você sabe... caíram... - ela disse com toda a certeza do mundo - Isso não acontece a dezenas de séculos, então não me vem com essa... você e suas pesquisas infundadas sobre nada! Por que você não experimenta um pouco de humanidade? - Como? bebendo uísque as três horas da tarde? Ou ocupando o meu tempo com prostitutas para não pensar em... - eu levantei o meu braço no mesmo momento para que ela nem completasse aquela frase infame. Se ela falasse aquele nome eu não responderia por mim provavelmente, acabaríamos tendo uma briga homérica. - Eu estou falando sério Sam, mais de nós caíram... e isso faz pelo menos uns cinco anos. E tem dois fatos curiosos sobre isso... está com tempo para ouvir? Eu tinha todo o tempo do mundo, e negar só a faria sentir ainda mais ódio de mim. - Fala... Só me deixa beber primeiro... - me servi de um outro uísque porque vinha pedrada por ai, o meu sexto sentido ficou confuso com aquela sensação eminente de que tudo aquilo ia dar merda. - Eles caíram... só que dessa vez sem memória alguma... tipo como civis comuns! Estão espalhados pelo planeta, mas sem lembrar de absolutamente nada da nossa vida antiga. Eu comecei a rir, por que era a única sensação que eu conhecia na realidade... a do riso no canto da boca, e uma vontade tremenda de perguntar se ela sabia quem tinha caído. Era muito mais forte que eu... .eu precisava saber - Você não quer saber quem caiu? - me perguntou com um bloco de anotações muito antigo, acho que ninguém naquele tempo usava aquelas merdas, mas claro que ela mantinha um no bolso com uma caneta. Só faltou ser uma pena! - Você sabe que só me importa se uma pessoa caiu Anne, então me fala logo e enfia a faca que eu preciso ter no meu peito! - eu agi dramaticamente mesmo rindo desesperado, porque na realidade demonstrar fraqueza não estava bem no meu script do dia. - Ela está na terra. - disse seco. Não preparou ou cuspiu antes de me dar aquela informação. Apenas largou o bloquinho em uma pose dramática, arrancou os óculos fundo de garrafa que ela nem precisava usar, p***a, éramos demônios mais antigos que a própria humanidade... por que ela teria miopia afinal de contas? - Ela? a Lilith.... - respirei fundo - ela está na terra a quanto tempo? - o ar estava faltando, e eu consegui ali entender o desprezo real que ela sentia por mim até como um inimigo. - Ela está na terra, mas não sei se você escutou o que eu disse sobre ela não ter a mínima ideia de quem foi... os jogaram aqui como civis! Não foi nas mesmas condições que nós fomos jogados... - Ela não era a p***a da filha favorita? o que ela está fazendo jogada na terra? - eu estava tentando rir, mas eu não conseguia nem por um segundo que fosse, por que alguma coisa estava me estrangulando. Eu não sabia bem o que era, mas eu tinha certeza de que mais um pouquinho e eu morreria como um ser humano comum bem diante dos olhos de todo mundo. - Tem mais... - ela fechou os olhos, bateu a mão na mesa... eu odiava as reações dramáticas de Anne, ela nunca poupava os chiliques! Ao invés de ir direto ao ponto sempre adicionava a suas performances um estado de espírito de um ser humano miserável e digno de pena. - O que é pior do que essa filha da p**a estar respirando o mesmo ar do que eu? - Ela... não se lembra de nada... então... apenas recomeçou! - Como assim recomeçou?! - Eu preciso da p***a de um uísque agora, porque os seus olhos estão ficando vermelhos e eu não estou sabendo lidar com essa intimidação! - disse ela tremendo um pouco. Eu nem sei como alguém poderia conseguir ser patético a esse ponto. Mesmo assim, eu servi o uísque e entreguei a ele o copo e fiquei com a garrafa, a notícia de que ela estava de fato ali na terra me estrangulava de um modo que eu não estava esperando, o meu velho coração estava tão acelerado que eu não tinha controle sobre os meus próximos passos. Precisei me sentar, sendo acompanhado de Anne que se jogou ao meu lado bebendo de uma vez a dose que eu coloquei no copo e apontando o copo para que eu servisse um pouco mais para ela. Enchi o copo até a boca e busquei uma outra garrafa, se eu fosse explodir de tanto ódio e ansiedade que fosse completamente bêbado. - Me explica o negócio de recomeçar... - engoli seco mais um gole de uísque sem gelo. - Ela está casada. Com um humano mesmo... - mais um golpe direto no meu coração... ela falou até devagar e pausadamente para que eu não surtasse logo de cara. - Casada? - falei com surpresa, e depois repeti - Casada? - com um pouco mais de nojo. Como ela pode? - ricocheteava na minha cabeça, mas p***a, ela não tinha memória alguma. Ali estava o momento no qual eu teria que escolher se eu iria caçá-la como um cão por todos os cantos do mundo até não sobrar nem um pedaço da carcaça que ela estaria usando para estar na terra. Me peguei pensando enquanto Anne falava sem parar sobre os outros que caíram também e sobre como aquilo poderia afetar o universo e o quanto a profecia do apocalipse estava mesmo perto de se cumprir para toda a humanidade eu me pegava pensando na forma que ela estaria usando, seria talvez alguma que ela usou comigo em nossos tempos antigos? Onde só o que importava era escapar para estarmos juntos em qualquer lugar do cosmo onde o nosso amor não fosse uma aberração sem precedentes antes na história das galáxias? - Você está ouvindo alguma palavra do que eu estou dizendo Sam? - ela puxou a minha camisa - Não. E você sabe disso, odeio quando faz essas perguntas! - Você não pode ir atrás dela... te contei como uma oferta de amizade com você... - Me contar que a pessoa que eu mais odeio está andando na terra a cinco anos e eu não tinha o menor conhecimento sobre isso até hoje é uma oferta de amizade? Anne... você precisa sair mais, conhecer um humano talvez... t*****r um pouco! - a garrafa de uísque já estava fazendo o seu efeito - e porque eu iria atrás de Lil.... dessa... por que eu iria atrás? - Nós dois sabemos que o que você sente por ela não é ódio! Só não coloca tudo a perder, deixa Lilith em paz onde quer que ela esteja... - Ela ainda se chama Lilith? Aqui na terra? - Lily. Foi o nome que ela disse quando se recuperou do coma em um hospital estadual... não tinha documentos, muito menos casa... o final você sabe! Que final? Essa quase humana era completamente louca! - Que final p***a? Dá para deixar de ser uma mala e falar a p***a da informação completa p***a? - Ela se casou com o médico que cuidou dela no hospital memorial. Ela arrancou a garrafa da minha mão e aí sim bebeu o conteúdo quase que inteiro da garrafa, isso queria dizer que tinha mais. - Ela está em Nova York? você está me dizendo que Lilith Anne me interrompeu – LILY! Eu continuei – Lily p***a, está a cinco anos na mesma p***a de cidade que eu? do mundo todo Ele escolheu mandá-la para cá? Eu comecei a gritar - ISSO É ALGUMA COMPETIÇÃO? É ALGUM CASTIGO QUE NÃO RECEBI PELO QUE FIZ? que droga! - eu joguei tudo o que tinha na mesa no chão de puro ódio. Enxerguei o meu reflexo, e fazia tantos séculos que eu não via a bola dos meus olhos vermelhas que eu mesmo me assustei. Eu fiz um bom trabalho me mantendo fora de confusão e me misturando com o caos da humanidade sem nenhum problema. Que p***a! Foi só essa desgraçada aparecer de novo... e ali estava.... o reflexo que eu não queria ver nem em um milhão de anos! Maldita! Serpente! - Lucio, você sabe como funciona... então eu fui obrigada a te contar assim que eu soube! - Você ainda acredita que podemos nos atrair? Esse é um mito muito antigo... e você sabe que não tem nenhuma comprovação. - Será Lúcifer? bom... eu vou indo... você vai começar a caçar ela que horas?! - EU NÃO VOU CAÇAR A LILITH! EU NÃO TENHO NENHUM INTERESSE... - Sério? você vai mentir para mim depois de todos esses séculos? - p***a! eu estou dando a minha palavra... - Certo pai da mentira, sua palavra vale muito mesmo! BAKER! - Ela disse com a boca cheia - Esse é o sobrenome do cara que você está procurando... o marido... achando-o... você encontra também a dona de casa. Mas me promete... Lucio... que você vai apenas observar, e vai deixar as coisas seguirem o seu curso natural sem sua interferência! Nós pagamos caro pelos seus pecados da última vez, não piore as coisas com mais pecados! - Você ainda acredita nisso Anne? você é cega.... - Eu disse baixando um pouco o tom de voz. - Eu não vou atrás da Lily! que ela viva feliz em sua ignorância Para todo sempre. - Que horas eu passo aqui para irmos atrás do Baker? A filha da p**a me conhecia tanto que me dava até ódio, mentir para ela era algo tão anti natural que eu me sentia até m*l, só pelos primeiros dois segundos... mas mesmo assim m*l. - Qual o turno? - perguntei com o orgulho preso na minha garganta. - Noturno. Passamos lá e conseguimos as informações sobre onde estão morando, mas eu estou dizendo Lucio... é só observar... não vamos mexer no curso da humanidade! Entendeu? Se mandaram ela para cá sem memória de nada tem algum motivo para isso! Devemos respeitar. - Entendido... eu vou seguir o seu conselho, agora some da minha frente por favor... - Bye... volto mais tarde! Você vai precisar de algum freio! Ela saiu e eu nem acreditei no que eu havia ouvido, parecia um pesadelo.
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