PARTE 5

2395 Words
Murilo está completamente deslumbrado com a paisagem rupestre do trajeto de Londres até o Palácio de Birth[1], em Cambridge, a mansão campestre dos Duques de Wilkinson.             O Palácio de Birth está estrategicamente localizado em uma posição defensiva de uma curva do rio Cam, a nordeste de Cambridge e pertence à família de Flávio desde o século XIV.             Flávio dirige tranquilamente pela alameda orlada por uma grande porção de plantações, árvores e jardins. Passa pelos imponentes portões de ferro da propriedade até chegar à entrada principal localizada na frente sul, ladeada por duas pilastras esbeltas e elegantes em cada lado, decoradas com folhas de acanto e no topo, coroadas com volutas, espirais que lembram a forma de caramujo, como suporte para o frontão na fachada do palácio que é feito de arenito já desgastado pelo tempo.             Ele estaciona na vaga e então auxilia sua família a descer do carro apreciando o clima frio apesar do belo sol que predomina naquela tarde. Na porta principal, Anne Scott, a governanta da família de quase setenta anos, os aguarda com um discreto sorriso.             —Bem vindo, My Lord – saúda a governanta inclinando levemente a cabeça. —My Lady – ela faz o mesmo em direção a Beatriz e então olha para Murilo que se esconde atrás de Flávio, tímido — E este deve ser Lorde Murilo de Wilkinson, acertei? — Sim, é ele mesmo, Anne – responde Flávio no lugar do filho. Ele toca nas costas do menino, o trazendo para frente de seu corpo — Murilo, essa é Anne, a mulher que me criou... — Não diga isso, My Lord. – comenta Anne ruborizada. Ela se afasta um pouco deixando que os três entrem em Birth— Pelo menos não tão alto... — Meus pais já chegaram? – pergunta Flávio, curioso. — Todos já chegaram – responde a governanta recebendo um olhar surpreso do casal. — Assim que o senhor informou que faria uma visita, todos ficaram animados. —Imaginei que sim – comenta Flávio — Onde estão todos? —Na sala de música – responde a governanta caminhando na frente deles. Flávio segura na Beatriz que admira junto com o filho as paredes repletas de quadros e os lustres belíssimos por todo o corredor. Além de o mármore predominar em muitas peças, até mesmo na escadaria principal, por onde eles passam não sem o menino admirar a escultura de um cavaleiro com uma espada entre as mãos e sua armadura, esculpida em mármore. Alguns metros depois, eles param em frente à enorme porta de madeira maciça, aberta por dois serviçais, permitindo que a governanta passe, para anunciá-los: — The Most Hon The Marquess of  Wilkinson, and his wife, Marchioness de Wilkinson, accompanied by Young Murilo[2]. Na bela sala de tons pastel e ilustres que lembram galhos de árvores, estão presentes, Anna, atual Duquesa de Esk, sentada ao piano C. Bechsteins Art. case decorado com ouro, detalhes esculpidos à mão e pintura angelical feitas à mão na caixa do mesmo. No sofá revestido de brocado vinho de pernas curvas de mogno, está Georgiana, Duquesa de Wilkinson, terminando de conversar com seu filho, Edward, atual Barão de Wilkinson. No sofá a frente deles, estão James, Duque de Esk e Mary, Baronesa de Wilkinson. Na poltrona, revestida do mesmo tecido dos sofás, com estrutura de p*u-rosa e esculpida com flores, está William Stewart- Wilkinson, duque de Wilkinson, demonstrando em seu rosto sinais de sua idade ou apenas o stress da chegada de seu filho mais velho e tudo o que ela representa.  Eles se levantam para recepcionar os visitantes. —Bem vindos – fala Georgiana com um enorme sorriso no rosto. Ela caminha em direção ao filho, colocando o rosto de Flávio por entre suas mãos — Bem vindo, meu filho amado. – ela se vira para Beatriz que inclina a cabeça levemente — Bem vinda Beatriz – abaixa levemente o olhar para Murilo, deixando o sorriso desaparecer lentamente de seu rosto — Bem vindo. — Olá, mamãe – responde Flávio segurando as mãos de Georgiana — A senhora está belíssima. — São seus olhos. —Olá, meu irmão – cumprimenta Anna que veio rapidamente ao encontro deles, pulando em direção aos braços de Flávio que a gira no ar. — Olá, estranha – responde Flávio sorridente. —Meu irmão – fala Edward, um pouco mais contido tocando no ombro de seu irmão. Então se vira em direção a Beatriz — Olá, Bee. —Olá, Edward. – responde Beatriz com um leve sorriso. —Então, esse deve ser o meu sobrinho – comenta Anna se aproximando de Murilo que a encara, assustado. —Murilo, essa é sua tia, Anna – apresenta Flávio. Ele aponta em direção ao irmão — Esse é o seu tio, Ed. – aponta para Georgiana — Essa bela senhora é a sua avó, Georgiana. —Mas pode me chamar de Vovó Gigio – comenta Georgiana sorrindo em direção ao menino. — E aquele senhor carrancudo lá atrás é o seu avô... —Licença a todos, eu irei para o escritório – avisa o duque caminhando para fora da sala, deixando todos assustados com sua atitude. — Venha, Murilo – pede Anna segurando na mão do menino e o conduzindo em direção ao piano — Que tal tocarmos alguma coisa... —Eu não sei tocar nada – responde Murilo, tímido. — Tudo bem, eu irei ensiná-lo então – explica Anna — Tenho certeza que você irá adorar. —Vou conversar com o papai – informa Flávio dando um beijo na mão de Beatriz. —Filho, é melhor não... – comenta Georgiana, preocupada. —Deixe isso pra depois. — Não, mamãe. Eu vim justamente para por um ponto final nessa situação – alega Flávio saindo da sala de música. **** A porta do escritório é aberta devagar por Flávio que respira fundo ao sentir o cheiro tão característico daquele ambiente, onde passou a maior parte do tempo na infância. Ele quase consegue se enxergar ainda menino correndo por aquele espaço em direção a enorme mesa de madeira esculpida com desenhos em espirais até pular no colo de seu pai que geralmente parava de trabalhar para dar atenção ao primogênito o colocando em suas pernas, enquanto escutava a longa narrativa sobre o emocionante dia do menino aventureiro com toda atenção. Bem diferente da imagem que tem agora de William de costas para a porta, fumando seu charuto enquanto observa os livros na imponente estante de madeira que fica atrás de sua mesa, a ponto de ignorar a presença de seu filho. — O que deseja? – questiona William sem se mover do lugar. — Nós precisamos conversar, papa – responde Flávio fechando a porta. — A resposta é não – comenta William antes de tragar seu charuto. — O senhor precisa reconsiderar... – começa Flávio se aproximando. —Reconsiderar? – repete William se virando, irritado. Ele esmaga seu charuto no cinzeiro de prata e continua falando devagar enquanto encara seu filho — Você desfez o noivado com a Lady Janet de Argyll, um ato que colocou a minha palavra em desonra. Depois, você ainda abandonou os planos acadêmicos para ser antiquário, algo que foi motivo de piada durante anos. Como se não bastasse, ainda casou com uma mulher divorciada, quase fazendo com que o acordo para o casamento de sua irmã com o duque Esk fosse desfeito, além do fato de ter colocado a nossa situação junto a Câmara dos Lordes em risco. E eu reconsiderei tudo isso. Agora você vem até aqui me pedir para que legitime uma criança... — Meu filho... —Você não entende o que essa atitude fará com a nossa família, não é?– grita William batendo na mesa — Caso eu aceite esse garoto, nossa família perderá o direito à Câmara dos Lordes. Nós somos uma das poucas famílias a ter direito de hereditário, e se perdemos isso... Será o nosso fim. Era pra você defender a nossa família e não para destruí-la, Flávio, com suas atitudes. – finaliza o Duque encarando o filho, frustrado. Ele ajeita o paletó calmamente — E vou defender a minha família – alega Flávio — Já que o senhor não quer legitimar o Murilo, abdicarei dos meus direitos como seu herdeiro presuntivo. —Você enlouqueceu? – questiona Georgiana entrando no escritório — Você não irá abdicar nada. William, não incentive essa loucura. —Loucura, mamãe? Mas não foi exatamente isso que o papai sugeriu ao dele quando decidiu casar com você? —A situação era bem diferente... – comenta Georgiana. —E eu não sou o meu pai – rebate William, irritado — Eu não cederei a suas ameaças. Se quiser abdicar, que o faça. —Então pode marcar a audiência para amanhã. – ordena Flávio. —Flávio, meu filho, você não está em seu juízo perfeito – alega Georgiana segurando nas mãos de seu filho. — Por que você está fazendo isso? —Estou fazendo isso pela mulher divorciada que pelo visto vocês não suportam... – responde Flávio, soltando as mãos de sua mãe — — Isso não é verdade – retruca William — Nós gostamos da Beatriz, mas ela é de fato divorciada. Não é culpa nossa, mas as regras foram feitas para serem seguidas. — Marque a audiência, papai – informa Flávio se afastando. — Deixe para o Edward a responsabilidade de ser o Nono Duque de Wilkinson. — Edward não foi ensinado a ser um duque, você foi!- rebate William — E você está jogando isso por... —Pela minha família, aquela à qual vocês estão rejeitando. Agora se me derem licença, voltarei para o meu filho e para minha esposa – finaliza Flávio se retirando. —Você está fazendo aquilo que me prometeu jamais fazer – comenta Georgiana analisando o marido dos pés a cabeça. — Estou protegendo a nossa família, Gigio, conforme eu te prometi – alega William, sério. — Não, a sua promessa foi nunca colocar o título na frente de nossa família – recorda Georgiana tocando levemente na mesa — E agora nós estamos perdendo o nosso filho por conta desse maldito título. Se eu nunca mais voltar a ver o meu filho, saiba que eu não o perdoarei jamais. — Que assim seja – finaliza William encarando a esposa. — Que assim seja, My Lord – repete Georgiana saindo do escritório. William respira fundo, ao se sentar em sua mesa. Ele coloca sua mão sobre o telefone, demorando alguns segundos até então decidir efetuar a ligação para o cardeal Hardwick. A cada toque seu coração acelera cada vez mais, nunca poderia imaginar que passaria por aquela situação: — Aqui é o Duque de Wilkinson, gostaria de falar com Vossa Eminência – pede William ao escutar o secretário do Cardeal. Enquanto espera a linha ser transferida, escuta risadas do lado de fora, o que o faz se levantar e andar em direção a janela para ver o que está acontecendo. Por entre as pilastras de pedras que cercam o pátio de acesso, Flávio e Murilo se reuniram em um animado pega-pega. — Your Grace.  Murilo se utiliza das pilastras para se desvencilhar de Flávio que tenta pegá-lo. — Your Grace? Flávio acaba segurando o filho nos braços, o fazendo rir com as cócegas. — Your Grace? Logo em seguida surge Beatriz e o restante da família com os equipamentos de críquete. — Your Grace? Flávio coloca seu filho em seus ombros o carregando em direção à parte externa do palácio, seguido pelos outros que conversavam animados. Aquela cena nostálgica põe nos lábios duque um amargo e saudoso sorriso. — Your Grace, o senhor está aí? —Sim, desculpe-me Cardeal. Estava distraído analisando algumas coisas... — O que deseja My Lord? – pergunta Hardwick do outro lado da linha. — Desejo que o senhor venha amanhã em minha propriedade realizar uma cerimônia – informa William se afastando da janela. — Com prazer, My Lord. Qual seria o rito em questão? — Abdicação – responde William, com leve tristeza.  Ele então conta brevemente a respeito da conversa que teve com Flávio e os planos para o dia seguinte. O silêncio impera no outro lado da linha. Com certeza não era algo que Hardwick esperava escutar naquela tarde. — Já teve aprovação do parlamento e da Câmara dos Lordes, My Lord? – pergunta o Cardeal com receio. —Não, mas tenho certeza de que isso não será um problema – responde William, sério — Aguardo Vossa Eminência amanhã com o raiar do dia. Tenha uma boa tarde. – finaliza a ligação sem esperar uma resposta do outro lado da linha. Que assim seja, pensa William enquanto ajeita os papéis para redigir a abdicação. ****      Flávio ajeita as abotoadoras de seu terno preto em frente ao espelho de seu quarto. Analisa com cuidado sua aparência enquanto Beatriz se aproxima com sua gravata, a colocando em volta do pescoço de seu marido que lhe retribui com um leve sorriso.  — Está nervoso? – pergunta Beatriz ajeitando a gravata de Flávio. —Não. – responde Flávio. —Arrependido? —Jamais – responde o conde levando as mãos de sua esposa em direção aos seus lábios. — Eu me sinto aliviado, por saber que agora podemos acelerar o pedido da guarda do Murilo. Aliás, onde ele está? — Desceu com a Anne, foi desbravar o restante do Palácio.  – responde Beatriz se afastando.  Ela vai até a cama e ajeitando com cuidado o manto de veludo escarlate decorado com três faixas e meia de arminho e brocado de ouro. Enquanto isso Flávio abre a caixa de madeira, retirando seu coronel com ornamentos de pérolas sobre pontas entremeadas com folhas de groselhas de mesma altura em um anel metálico com o mesmo tecido do manto.  Ele coloca em cima do manto sob o olhar entristecido de Beatriz, pois sabe que aquele é o maior sacrifício que Flávio já fez em sua vida. Deseja poder fazer algo para evitar que aquilo não aconteça, mas aquela é a única opção se eles querem adotar Murilo. Ela ajeita seu vestido azul claro levemente rodado da mesma cor da sua faixa nobiliárquica. — Pronta? – pergunta Flávio segurando o manto com o coronel. —Sim – responde Beatriz segurando no braço do marido enquanto caminham em direção a porta.   ____________________________________________________________________________________________ [1]Inspirado no Palácio de Dalkeith [2]Ilustríssimo senhor Marquês de Wilkinson e sua esposa, marquesa de Wilkinson, acompanhados pelo jovem Murilo.
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