Sábado. Finalmente terei tempo de terminar de ler o diário de Alison. Na quarta, após o jantar, Kim e Jenifer dormiram comigo, então não tive como ler. Na quinta, durante o dia inteiro Mary e Lisa estavam em casa, e não pude ficar no meu quarto. Consegui ler um pouco a noite, antes de ir dormir.
Na sexta, Jacob passou aqui e recebeu uma ligação da escola, dizendo que Emily não foi. Fiquei espantada por Jacob ser o contato e não, os pais. Passamos o dia inteiro atrás de Emily, procuramos por hospitais, fomos aos seus amigos. Por fim, Emily estava trancada no seu banheiro de casa se drogando. Jacob disse que ela nunca tinha se drogado em casa e ficou bem preocupado.
Consegui voltar apenas a noite também. Mesmo lendo até dar sono, não consegui terminar.
Mas hoje, já acordo com o laptop em mãos.
Dia 216
Hoje tivemos uma palestra na escola. Uma psicóloga falou sobre transtornos mentais. Então, meu professor passou um trabalho onde escolheríamos um transtorno e apresentaríamos ele para a turma.
Eu escolhi a esquizofrenia. O trabalho será apresentado na semana que vem. Minha mãe disse que era uma besteira e uma garota como eu não deveria aprender sobre esse tipo de coisa.
Dia 222
Hoje apresentei meu trabalho. E meu colega Lee apresentou o dele também. Seu trabalho era sobre o transtorno narcisista. Lee falou sobre a falta de empatia, sobre o poder de manipulação, sobre o cuidado com as aparências, a superioridade, o vitimismo e a inveja crônica. Foi como ouvi-lo falando sobre minha mãe.
Então, vou pesquisar mais sobre.
E então, percebo que cheguei à última página do diário.
Dia 225.
Esse relato não é sobre hoje. Ou é. A verdade é que aconteceu essa noite. Mas agora, já passa da meia noite. Eu cheguei da escola e fui pesquisar mais sobre o transtorno narcisista. E eu soube. Minha mãe tem isso. Um dos graves. Ela é incapaz de me amar.
E eu li que o que se deve fazer ao diagnosticar esse transtorno, é procurar ajuda psiquiátrica.
Então, eu fui falar com minha mãe. Estávamos somente nós duas em casa, era o momento perfeito. Então eu fui ao seu quarto e contei sobre minha pesquisa.
Minha mãe surtou. Ela começou a gritar comigo, e eu continuei falando baixo com ela. Ela me chamou de arrogante por isso.
Pedi que ela procurasse ajuda. Foi quando ela agarrou meu cabelo e bateu minha cabeça contra a parede. Diversas vezes. Cada batida, minha cabeça sofria um estrondo. Até que não doía mais tanto e meu rosto foi ficando molhado.
Eu comecei a chorar e falar que estava tonta. Minha mãe passou a mão no meu rosto e voltou com ela cheia de sangue. Foi quando eu soube que estava sangrando. E ela brigou comigo pelo que fiz ela fazer.
E levei um t**a na cara por chorar.
Então eu corri pro meu quarto. Ela veio atrás de mim, e eu saí por onde Jacob sempre entrava. E fui até a casa dele. Tia Irina me recebeu. E eu pude ver o olhar do Tio Eric. E o de Jacob. Foi a última coisa que pude ver até Tia Irina me abraçar e me levar no colo para me limpar. Ela gritou por ajuda e o Tio Archie apareceu. As meninas quase me viram.
Tio Archie não deixou elas verem. Ele as levou pra longe e ligou pro nosso médico. Tive que levar 4 pontos na cabeça. O médico teve que raspar um pedacinho do meu cabelo pra isso. E um curativo no rosto que a unha da minha mãe deixou.
A partir de hoje, eu não posso mais ficar aqui. Minha avó deixou que eu escolhesse o que eu quisesse fazer. Ela disse que eu não preciso conviver com minha mãe. Eu pedi para ir embora. Para longe de tudo isso. Para algum colégio interno na França ou algo assim.
Eu espero que ela me ajude, quero ir embora desse lugar hoje ainda se possível.
Sinto um gosto amargo na boca. É por isso que Lisa estava disposta até mesmo a contratar uma atriz. O que ela fez foi imperdoável, e só a própria vítima para livrar ela dessa.
Me sinto pior do que nunca. Sem ideias do que fazer. Se eu soubesse de toda essa informação, nunca teria me metido nessa família, mas agora já é tarde, eu já fiz escolhas por Alison e tenho que sair daqui com o menor dano possível em sua vida.
De repente, minha porta é aberta. Faço meu melhor para esconder o laptop, ainda mais quando é Lisa que põe a cabeça para dentro do quarto.
— Alison, jantar em família hoje. Se vista apropriadamente. — Ela fala e já vai fechando a porta.
— Espera. — Digo. Lisa põe a cabeça de volta. — Posso te perguntar uma coisa?
Lisa adentra no quarto.
— Claro, o que seria?
— Jacob me contou uma história. Sobre Alison. E você. — Falo.
Lisa leva a mão a cabeça.
— Eu sabia. Sabia que se você andasse muito com ele, acabaria acreditando nessa história.
— Então...não é verdade? — Pergunto. Lisa fecha a porta atrás de si.
— Claro que não! Eu nunca machucaria minha filha. Foi tudo um m*l-entendido, um acidente. Sabe, Alison nunca me amou. Nunca me viu como sua mãe. Ela tinha inveja de mim, mesmo tão criança. Ela me acusou de ter problemas mentais, arrogante como sempre. Eu dei um t**a na sua cara, isso eu fiz. Ela começou a se fazer de vítima e eu já sabia onde isso ia dar, mamãe ia ficar do lado dela como sempre. — Ela suspira. — Você não tem ideia do que é mina vida.
— Mas e o corte na cabeça? — Pergunto.
— Não foi tudo isso. Ela escorregou, eu tentei segurar ela, só consegui pelo cabelo, Alison sempre teve esse cabelo volumoso que não decide se é liso ou enrolado. Que nem o seu. Mas eu não consegui segurar e ela bateu com a cabeça bem na quina da parede. Foi h******l.
Eu não engulo sequer uma palavra do que Lisa disse.
— Entendi. Como as histórias mudam de boca em boca, né? — Falo.
Lisa vai saindo do quarto.
— Nem me fale!
E ela vai embora. Percebo então, que meu punho está cerrado. Eu estou com raiva por Alison. Ela deve ter sofrido tanto. Não tinha o pai, e a mãe é uma completa maluca manipuladora. Alison fez certo em ir embora, e agora eu estou bagunçando tudo pra ela.
Preciso urgentemente saber o que fazer. Se um dia Alison voltar a essa família, precisa encontrá-la do jeitinho que deixou.
**************
A noite demora a cair. Eu gosto de dias assim, em que o dia parece se recusar a terminar. Está um pôr do sol lindo no lado de fora, mas aqui estou eu, procurando uma roupa apropriada, como Lisa pediu.
Decido por fim, vestir um vestido. Imagino a própria Blair Waldorf vestindo esse modelito de rico.
Simplesmente um vestido que normalmente não era para ficar tão colado no corpo, mas aconteceu algo que sempre acontece comigo. Graças as minhas curvas, qualquer roupa fica demais em mim. Um short jeans, por exemplo, o mesmo short jeans que fica normal em uma garota normal, em mim fica quase indescente.
O vestido é de alcinhas e vem com uma blusinha branca para usar por baixo. É fofo, chique e até sexy sem tentar ser, graças a um recorte em "V" na barra.
Resolvi fazer uma trança no cabelo, hoje está mais incontrolável que nunca. Não passei maquiagem, apenas um creme de rosto que deixa minha pele iluminada.
Já é de noite quando desço para jantar.
Para minha surpresa, toda a família está reunida. Até mesmo Emily está aqui essa noite. Jacob me contou que no fim de semana, geralmente ele fica de plantão, pois é certo que Emily fugirá para alguma festa.
Kim exclama meu nome quando me vê e me puxa para a sala de estar. Estão todos muito bem-vestidos e maquiados, como se fosse um evento. Kim me leva até Jenifer, Emily e Irina.
Jenifer também exclama quando me aproximo e Emily me dá um sorriso. Irina não tem reação.
Essa foi a mulher que cuidou de Alison no dia em que Lisa surtou, pensei que as duas fossem mais próximas.
De onde estou, consigo ver Jacob. Está com Phillip e Winston. Nossos avós. Se eu fosse Alison Le Blanc. Os três estão com um copo de Whisky cada e conversando sobre algo que parece engraçado.
Phillip e Winston parecem ter a mesa idade, apenas de Phillip ter todos os cabelos brancos, já Winston ainda tem alguns cabelos negros. Phillip é um homem branco de olhos azuis. Winston é um homem n***o de olhos castanhos. E Jacob é um homem de pele amendoada e olhos castanhos.
É uma bela visão, os três. Parecem família.
Lisa está sozinha. Sentada em uma poltrona, tomando uma taça de vinho e observando o nada. Imagino que ela não esteja gostando disso. Se Lisa tiver mesmo o transtorno que Alison apontou, ela deve odiar não ter a atenção de ninguém.
Mary, Anne, Marc, Archie e Eric conversam próximos a lareira. Dois dos rapazes estão com copos de Whisky, enquanto Marc toma uma taça de vinho. Mary e Anne não bebem nada.
— O jantar está servido. — O mordomo diz adentrando a sala.
Mary bate uma palma e começa a encaminhar todos para a sala de jantar.
Não consigo segurar a risada quando Jacob, fingindo estar distraído, faz o possível para se sentar ao meu lado. O jantar todo foi uma série de pratos diversos. Pelo menos 4 tipos de carnes, sendo uma delas vegana. Dezenas de acompanhamentos e várias opções de sobremesa. Se algum dia eu falei m*l de tudo isso, eu estava louca, pois essa galera sabe comer bem.
Ninguém se preocupa com a quantidade, as pessoas aqui comem o que as fazem felizes. E Lisa, ainda assim, controlava as refeições de Alison.
Todos estão conversando, eu consigo entrar em um assunto aqui, ali. Mas tento não me envolver muito para não ter que responder nada por Alison. Jacob, ao meu lado, me dá pequenos sorrisos discretos.
Minhas pernas tremem com isso. Kim e Jenifer faz questão de me incluir em todos os planos que fazem. Recebo sorrisos e "toca aqui"s dos tios. E Mary me olha orgulhosa.
Eu não posso mais continuar com isso.
Eu não posso mais continuar enganando essas pessoas. A verdade é que dinheiro nenhum no mundo compra minha índole.
Isso acaba hoje.
— Então, Alison. Como está sendo estar de volta? — De repente, Irina me pergunta, alto o bastante para todos pararem de conversar e me olharem com expectativa.
— Está sendo maravilhoso estar com a família de novo. — Respondo dando a ela um sorriso.
Irina não retribui.
— É mesmo? Que bom. E Lisa? Vocês agora são...amigas novamente?
Então eu entendo o que Irina está fazendo. Eu entendo por que ela é a única que não está toda sorrisos com minha volta. Irina cuidou de Alison. Irina a viu daquela forma. E Irina não acredita nenhum pouco em Lisa, e deve achar que Alison, no caso eu, está fazendo a maior besteira em perdoar a mãe.
— Bom...— Falo, após uma grande pausa. Mas logo, outra se instala. Eu não sei o que falar.
— Alison e eu somos mais que amigas, Irina. Somos mãe e filha. Nada no mundo pode mudar isso. — Lisa fala com arrogância na voz.
Irina não olha para Lisa. Ela continua olhando para mim.
— Linda história, Lisa. Mas quero saber de Alison.
E agora, Lisa e Irina estão me olhando, esperando por minha resposta.
— Er...— Começo, mas simplesmente não sei o que falar. Eu sei o que deveria. Eu sei que deveria dizer que Lisa não está perdoada pelo que ela fez com Alison. Mas essa decisão não cabe a mim.
— Pelo amor de Deus, isso não é assunto para o jantar. — Jacob solta de repente.
A mesa fica em silêncio. Tão silêncio, que consigo escutar Lisa me fuzilando com o olhar.
É, acabei de assinar minha carta de demissão.
As conversas demoraram um pouco para voltarem ao normal. A verdade é que o clima persistiu até todos irem embora. E eu corri para o quarto de Alison para me trancar.
E claro, não demorou para Lisa bater na minha porta. Respirei fundo várias vezes e abri a porta para ela.
Lisa entrou e fechou a porta atrás de si. Queixo erguido, postura impecável. Ela caminha pelo quarto e começa a reparar nas coisas de Alison. Ela passa os dedos nos livros de Alison, e até nas decorações dela pelo quarto.
— Os mesmos olhos. — Ela diz de repente. — O mesmo cabelo f**o. A mesma cor da pele. — Ela faz uma pausa. Sei que ela está falando das minhas semelhanças com Alison. — O corpo não é parecido, mas Alison era uma criança gordinha, era esperado que ela ficasse gorda que nem você. Ela não ficou. — Ela então se vira pra mim. — Você é mais baixa. E tem essas mãos pequenas. Mas vocês duas são iguaizinhas.
— Lisa, eu não quero mais fazer isso. — Digo a ela.
Lisa solta o ar pelo nariz, como uma risada.
— Duas crianças mimadas que tem inveja de mim. Inveja da minha vida. — Ela cospe as palavras.
— Eu não tenho inveja de você, Lisa. — Falo, séria e calma.
Lisa se aproxima de mim. Ela estica alça do meu vestido e a solta.
— Porque você é boa demais, não é? Assim como Alison era. — Então ela segura meu rosto. — Escuta aqui sua versão pobre da minha filha, você tá enfiada até o pescoço nisso. Faça o seu trabalho ou você vai morrer na minha mão, sua usurpadora.
Empurro sua mão para longe.
— Lisa, eu vou devolver o dinheiro. Vou sumir, ninguém mais aqui vai me ver mais. Está decidido.
Lisa então pega seu celular. Ela disca para algum número e põe o celular no ouvido.
— Alô? Juiz Harrison? Desculpa ligar tão tarde. — Ela diz. Então, dá uma risada. — O senhor é um fofo. Então, eu liguei apenas para tirar uma dúvida. Qual é mesmo a pena para roubo de identidade...Ah, depende do crime? E se for alguém assumindo a identidade de outra pessoa? Perfeito! Muito obrigada, nos vemos na quinta!
Então ela desliga o telefone.
— Você não pode me acusar de nada sem cair junto. — Digo.
— Não posso? Nem mesmo com meu dinheiro e sendo amiga de um respeitado juiz que recebe semanalmente produtos Le Blanc de primeira linha para as 3 lindas filhas?
Eu sabia. Desde o começo eu sabia que esse acordo fedia. Eu fui tão burra!
— Não vou mais fazer escolhas por Alison, Lisa. — Digo.
— Sim, você vai. Você já recebeu todo o p*******o. De uma conta na suíça. Boa sorte para explicar como esse dinheiro foi parar na sua contar após se infiltrar em uma das famílias mais ricas de Los Angeles. — Meu celular vibra no meu bolso. Não preciso ver para saber que é uma notificação do meu banco. — Faça seu papel.
— Sai do meu quarto. — Digo. Lisa ri. E eu sei que foi por eu chamar o quarto de Alison de meu. Mas eu não ligo. Vou até a porta e a abro. — Sai. Agora.
Lisa se retira triunfante. E eu me jogo na cama de Alison. Completamente perdida. Pego meu celular. Lá está a notificação da transferência bancária. Junto com algumas chamadas perdidas da minha tia.
Ela me liga regularmente, mas eu não posso falar com ela agora. Não com tudo isso acontecendo. Vou acabar desabando.
Pego o Laptop de Alison. Junto ao seu diário, começo o meu. Assim como Alison começou a relatar os abusos de Lisa, relato os meus.
Duas horas depois sou surpreendida com batidas na minha janela. Tomo um susto e guardo o laptop. Vou até a janela com esperanças de ser Jacob, mas simplesmente, é Kim.
Abro a janela para ela e logo Emily e Jenifer entram atrás dela.
— O que estão fazendo aqui? — Pegunto.
Emily estende uma enorme sacola ecológica.
— Você parecia m*l no jantar então viemos fazer uma surpresa! Vamos dormir aqui! — Jenifer exclama.
Emily vira a sacola na minha cama e de lá, saem diversos doces e salgadinhos.
— No estilo que fazíamos quando crianças. — Kim exclama.
E isso, fez minha noite melhorar 100%.