Ben
Ter sono leve é a minha maldição. Estou morto de cansaço por conta da viagem, mas o barulho do vento forte batendo na janela me acordou no meio da madrugada e não consigo voltar a dormir. Isso porque o barulho na janela me trouxe lembranças nada agradáveis do tempo em que morei no abrigo.
Quando os garotos maiores me colocavam dentro do quartinho de limpeza escuro, úmido e frio com apenas uma janelinha que não fecha direito e permitia a entrada de correntes de ar. E esse barulho era o único som que eu ouvia até que o zelador chegava para pegar os materiais para limpar o abrigo e me libertava.
Essas lembranças me deixam inquieto. Sem conseguir mais ficar deitado levanto e vou até o banheiro para jogar um pouco de água no rosto para ver que essa sensação passa, mas não adianta em nada. A angustia continua apertando o meu peito.
_ Ben? – Lily chama com a voz rouca de quem acaba de acordar. – Por que você está acordado a essa hora? – Pergunta entrando no banheiro e encostando no batente da porta coçando o olho direito.
_ Só precisava usar o banheiro. – Minto forçando um sorriso.
_ Está passando m*l? – Pergunta preocupada. – Você está pálido. – Comenta vindo mais para perto.
_ Não foi nada. – Desconverso. – É que eu tive um pesadelo. Só isso. Acho que devo está estranhando a casa.
_ Vou fingir que acredito. – Fala cruzando os braços me analisando com aquele olhar que parece conseguir enxergar até mesmo a minha alma. – Mas se não está conseguindo dormir podemos descer para tomar uma xícara de chá. – Oferece e faço uma careta em resposta. Detesto chá e ela sabe disso. – Sempre me ajuda quando estou com insônia.
_ Prefiro deitar e esperar o sono chegar a ferir as minhas papilas gustativas com chá. – Digo e dessa vez é ela a fazer careta.
_ Como quiser. – Me dá as costas e volta para o quarto.
Sorrio apagando as luzes do banheiro antes de fazer o mesmo. A conversa com Lily me ajudou a lançar aquelas lembranças ruins de volta para o pequeno canto escuro do meu cérebro onde geralmente costumo deixa-las. Estou um pouco mais tranquilo quando volto a me esticar sobre o colchonete e acabo adormecendo depois de um tempo.
Estava tendo um desses sonhos estranhos quando sou atingido na cabeça por algo fofo. Abro os olhos assustado tentando entender o que aconteceu quando Lily me acerta outro travesseiro em cheio na minha cara.
_ O que deu em você? – Pergunto atirando o travesseiro de volta para ela, que tem um ótimo reflexo e consegue o agarrar ainda no ar.
_ Hora de acordar, Ursinho. – Diz com um largo sorriso arrumando o travesseiro na cama.
_ São que horas? – Pergunto me espreguiçando.
_ Quase seis. – Responde olhando no celular antes de o guardar no bolso da calça. – Sei que é bem cedo para acordar em um feriado, mas preciso levar o Max para passear e achei que fosse querer ir junto para tomar um ar e conhecer um pouco o bairro.
_ Quero sim. – Digo ao me levantar. – Só preciso de alguns minutos para me aprontar.
_ Sem problemas. – A ouço dizer enquanto corro para o banheiro.
Não levo mais do que dez minutos para ficar pronto. Tem uma leve neblina quando deixamos a casa. Max está feliz com o passeio. Ele vai puxando a dona com o focinho colado ao chão reconhecendo o lugar por onde passou ontem.
_ Viver aqui deve ter sido muito bom. – Comento olhando em volta observando as típicas casa suburbanas.
_ Até que foi. – Lily fala com um sorriso carregado de lembranças.
_ Não sente saudades daqui? – Pergunto quando paramos um pouco.
_ Sinto saudades da família, mas já me acostumei a agitação de Nova York e não acho que conseguiria voltar a viver aqui. – Diz erguendo levemente os ombros. – E você. Sente saudades do lugar onde morava quando era criança?
_ Só da casa onde viva com os meus pais. – Conto desviando meus olhos dos dela para não demonstra a ela o quanto esse assunto me afeta. – Depois deles não tive exatamente uma casa até conseguir o meu trabalho e comprar o meu apartamento. E tudo melhorou quando conheci você. – Falo a fazendo sorrir convencida.
_ Não acredito! – Um homem fala do outro lado da rua. – É você mesmo, Lily? – Pergunta se aproximando junto com uma mulher muito bonita por sinal. – Quando te vi de longe pensei que fosse alguma alucinação causada pelo excesso de chocolate quente.
_ Oi, Nick. – Ela acena com um sorriso forçado.
_ Veio passar o natal com a Miranda e o Anthony?
_ Nós viemos. – Digo passando a mão pela cintura de Lily a trazendo para perto.
_ E quem é você? – Questiona sem conseguir esconder que não gostou muito de me ver tão íntimo de Lily.
_ Sou Ben. – Estendo a mão livre para ele que aperta de mau grado. – O namorado novo da Li. – Digo sorrindo para ela que me encara surpresa com a minha atitude. – Vocês são amigos de escola? – Pergunto como quem não quer nada.
Sei quem é ele e o que fez para a Lily quando estavam juntos. Mas não quero que fique achando que a Lily perde tempo falando sobre o ex-namorado s****o que a traiu quando estavam na faculdade com a colega de quarto dela. E muito menos que depois disso ela não se relacionou com ninguém e focou apenas no trabalho.
_ O Nick é um ex-namorado do tempo de faculdade. – Lily comenta como se fosse algo sem muita importância e percebo que isso o abala. – Já faz um tempo que não nos vemos.
_ Verdade. – Diz forçando um sorriso.
_ Sou Ashley. Noiva do Nick. – A mulher ao seu lado decide se apresentar sozinha já que o noivo parece ser incapaz de fazer isso por ela.
_ Prazer. – Dizemos juntos.
No mesmo instante começamos a procurar algo na cor laranja como sempre fazemos quando isso acontece. O primeiro que encontrar e gritar laranja tem o direito de pedir o que quiser para o outro durante todo o dia. Estava olhando em volta e ignorando completamente o casal a nossa frente quando Lily grita a palavra chave.
_ O que foi isso? – Nick pergunta sem esconde o olhar de julgamento sobre nós.
_ É uma coisa que temos quando falamos ao mesmo tempo. A pessoa que encontrar primeiro e gritar laranja tem o direito de ter todos os seus desejos atendidos pelo outro durante todo o dia. – Explico arrumando melhor o gorro de Lily que ameaça voar da sua cabeça.
_ Gostei da ideia. – Ashley fala animada. – Nós também poderíamos tentar, amor.
_ Vamos sim. – Diz sem qualquer animação.
_ Acho que precisamos voltar. – Lily fala puxando um pouco a coleira de Max para o trazer para perto. – Está muito frio para ele.
Concordo com um maneio de cabeça. Nos despedimos do casal, damos meia-volta e fazemos o caminho de volta para a casa dos pais de Lily.
Só quando chegamos a varanda é que me dou conta que minha mão ainda descansa sobre sua cintura e nos afastamos um tanto sem graça. A ajudo com o casaco assim que entramos. A casa está tão agitada quanto ontem. Algo que Max adora.
_ Saíram para namorar? – Miranda pergunta quando nos juntamos a todos para tomarmos o café da manhã.
_ Sim. – Digo pegando a mão de Lily e trago aos lábios depositando um beijo em seu dorso. – E também aproveitamos para passear com o Max. – Meus olhos caem sobre o grandão que se derrete com as crianças.
_ Ele parece uma criança. – Tia Maggie comenta enquanto beberica um pouco de café.
_ Porque ele é uma criança, tia. – Minha namorada de mentira argumenta ao se servir de panquecas. – Só tem um ano. Não é, filho? – Pergunta a Max que responde com um latido que me faz sorrir.
_ Parece que a Lily e o Ben já lhe deram o seu primeiro neto, sogra. – Jordan brinca fazendo todos a mesa rirem.
O clima é leve e aconchegante. Jordan é muito engraçado. Eu gosto de pessoas assim. Espero que depois que esse meu namoro falso com Lily chegue ao fim consiga manter a minha amizade com ele e com Eleonor também. Torço muito para que os dois consigam ter o filho que tanto desejam.
_ Não aguento comer mais nada. – Digo me recostando na cadeira depois de comer o último pedaço de panqueca do meu prato.
_ Nem eu. – Anthony fala arrumando os talheres sobre o prato. – Estava tudo uma delícia, querida. – Dá uma piscadela para a esposa que sorri envergonhada.
_ Agora que estão todos saciados acho que já podemos ir as compras. Só preciso cuidar dessa bagunça primeiro. – Ela fala começando a recolher a louça e prontamente me levanto para ajudar sendo seguido por Jordan. – Não precisam fazer isso meninos.
_ Com ajuda é mais rápido. – Digo deixando os pratos sobre a pia.
_ O Ben tem razão, sogra. – Jordan concorda trazendo uma nova remessa de pratos.
Começo a tarefa de lavar tudo o que Jordan traz e Miranda se ocupa de guardar já que ela sabe o lugar que cada coisa fica. Quando terminamos todos já estão prontos para sair. Por conta do frio Lily acha melhor não levarmos Max, mas deixa tudo abastecido com bastante comida e água para o caso de demorarmos a volta.
Como estamos em muitos seguimos em três carros diferentes. Carly e Harry vão com as crianças em seu carro, Miranda, Anthony e Maggie vão em outro e Jordan e Eleonor vem conosco em nosso carro. O caminho até o centro da cidade é complicado já que todos parecem ter tido a mesma ideia que nós, mas nada comparado a Nova York nessa época.
_ Então, irmã. – Eleonor começa a falar enfiando a cabeça entre os nossos bancos. – Quando vocês vão contar a verdade para todo mundo?