Capítulo 8

1323 Words
Ben Essa mentira está me deixando louco. Só pode ser essa a explicação para eu ter tentado beijar a minha melhor amiga pela segunda num espaço de vinte e quatro horas sem ter ninguém por perto para fazermos cena de casal apaixonado. Depois do quase beijo evito ficar muito perto de Lily e acho que ela teve a mesma ideia que eu porque se ocupa com a decoração do outro lado da sala junto a um pequeno grupo de garotas. Dentre elas uma me chama mais atenção. Ela usa roupas largas, tem os cabelos cacheados e volumosos caindo sobre os ombros. No lado direito do seu queixo noto uma cicatriz no tamanho médio. Desvio o olhar quando percebo que fui pego a observando. Pelo formato do seu rosto e tamanho acho que não deve ter mais que quatorze anos, mas isso é quase impossível de precisar quando estamos em um lugar como esses. As crianças costumam envelhecer mais rápido quando estão aqui. Estou terminando com as luzes quando um furação amarelo corta a sala em alta velocidade quase me derrubando da escada, que bambeia um pouco, mas os meninos conseguem a estabilizar evitando um tombo f**o. _ Você está legal? – Lily pergunta se materializando ao meu lado quando desço o último degrau e estou em segurança no chão. _ Foi só um susto. – Garanto com um meio sorriso. _ E que susto. – Comenta Herry. _ Só não entendo porque o Max entrou aqui desse jeito. – Lily fala chamando o labrador, que pulava no sofá, para perto. _ Uma das crianças atirou uma bolinha nessa direção e ele saiu correndo em disparada sem que pudéssemos evitar. – Carly explica apoiando as mãos nos quadris. _ Tudo bem. – Digo afagando os pelos dourados de Max que está louco para correr de volta a brincar. Quando o libero ele corre até uma garotinha de sorriso meigo e corpo franzino que sorri largamente quando o cachorro lhe devolve a bola que tinha na boca. _ Acho que encontramos quem atirou a bolinha. – Comento me aproximando da pequena. Mas não consigo alcança-la porque a garota com a cicatriz no queixo se coloca entre nós dois de forma protetora. Não preciso de muito para entender que essa menininha é alguém importante para ela. _ Ela não fez por querer. – Defende sem me olhar diretamente nos olhos e novamente me reconheço em seus trejeitos. – Ela não queria que você caísse da escada. Jenny é só uma criança e queria brincar com o cachorro. _ Calma. – Peço a mocinha em minha frente. – Não estou bravo e também não vou brigar com a Jenny. – Garanto com um sorriso de lado. Ela me olha sem acreditar em minhas palavras e parecia estar pronta para rebater comigo quando Miranda vem nos chamar para irmos almoçar no refeitório. As duas seguem os outros companheiros do abrigo de mãos dadas. _ Por que será que ela reagiu daquela forma? – Herry pergunta se aproximando de mim junto com Lily e Carly. _ Porque foi assim que aprendeu a sobreviver. – Digo enviando as mãos nos bolsos da calça. – E provavelmente a cuidar da irmã. _ Como sabe que são irmãs? – Questiona Carly. _ Pela forma como ela a defendeu. – Falo erguendo levemente os ombros. – Crianças vivendo em lugares como esses dificilmente são tão protetores uns com os outros sem qualquer grau de parentesco. _ E como sabe tanto dessas coisas? – Volta a perguntar Carly. _ O que ainda estão fazendo aqui? – Eleonor pergunta vindo ao nosso encontro. – Só faltam vocês para servirem o almoço. _ Nós já estamos indo. – Lily garante me puxando pela mão na mesma direção que as crianças foram. As mesas do refeitório estão juntas e alinhadas de modo a formar um mesa única e enorme. Porém, mesmo organizado dessa maneira e com enfeites natalinos espalhados por cada parte, ainda assim conservam a falta de vida do lugar. As paredes em tons neutros deixam trazem um aspecto de prisão. Aqui nada mais é que um lugar onde se encontra comida e só. Não existem as boas memórias de quando se cozinha com os pais ou de um assalto a geladeira durante a madrugada quando se está fazendo uma festa do pijama com os amigos. Se fizerem isso estando aqui serão castigados. Não de forma física, eu espero, mas podem ser proibidos de brincar, usar o computador ou receber a função de ajudar com as tarefas domésticas. O cheiro da comida feita por Miranda é delicioso e o sabor é ainda melhor. Mas não consigo comer mais do que algumas poucas garfadas. Sinto o estômago revirado por tantas lembranças que estar aqui me traz. Uso o pretexto de levar Max para dar uma volta quando me sinto um tanto sufocado pelas memórias e preciso tomar um ar. Lily vem junto comigo. Caminhamos direto até o jardim que está coberto com uma fina camada de neve. _ Estar aqui te incomoda, não é? – Lily pergunta quebrando o silêncio. _ Não é que me incomoda. É que me traz lembranças que há tempos tinha escondido num canto esquecido da minha cabeça. – Digo observando Max se embolar na neve. _ Se quiser podemos ir embora. – Sugere. – Posso dizer aos meus pais que tínhamos um programa de namorados para fazer essa tarde. Abro a boca para responder, mas sou interrompido por Max que dá um latido alto antes de correr para o outro lado do jardim. Lily e eu trocamos um olhar rápido antes de corrermos atrás dele para saber a razão do seu comportamento. Ouço o som de choro contido quando nos aproximamos e aperto os passos quando vejo Jenny, a menina que brincava com Max mais cedo, sentada no chão segurando o braço direito enquanto a menina da cicatriz está ao seu lado. _ O que aconteceu? – Pergunto enquanto Lily abaixa para verificar a pequena. _ Jenny estava correndo, escorregou e caiu por cima do braço. – A mais velha conta com pavor estampado em seus olhos. _ Acho que ela quebrou. – Lily conta me olhando sobre os ombros. _ Tá doendo, Gen. – A pequena choraminga. _ O que fazemos? – Sussurro a pergunta para que apenas Lily escuta. _ Avisamos ao diretor para que levem ela para o hospital. – Ela responde no mesmo tom enquanto se ergue. _ Onde você vai? – Jenny pergunta entre soluços. _ Vou buscar ajuda. – Diz alisando os cabelos dela. – Não demoro. – Garante antes de se afastar levando Max consigo. Não demora muito para Lily está de volta e com ela estão meus sogros. Logo atrás deles vejo o diretor falando com alguém ao telefone. _ Vamos, pequena. – Lily convida ajudando Jenny a levantar do chão frio. _ Para onde vão levar a minha irmã? – Gen pergunta numa postura de quem está pronto para defender a irmã a qualquer custo. _ Para o hospital. – Digo tirando o meu casaco e colocando sobre os ombros de Jenny que começa a bater os dentes de frio. – Um médico precisa ver o braço dela. _ Ela realmente precisar ir? – O diretor pergunta se aproximando depois de desligar o celular. _ Sim. – Respondo irritado com a pergunta. _ Isso é um problema. – Diz passando a mão nos cabelos que já carregam alguns fios grisalhos. _ Por que é um problema? – Miranda pergunta. _ Porque estamos com o número de funcionários reduzidos por conta do feriado e não posso deixar o orfanato. – Explica cruzando os braços para se proteger do frio. _ Nós podemos levar ela. – Digo sem pensar muito pegando a todos de surpresa. Eles não entendem que a dor e o choro da menininha ao meu lado começa a me angustiar e tudo o que quero é que ela fique bem logo.
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