Capitulo 2 - Continuação

2294 Words
Acordei com os raios do sol que transpassavam as janelas da minha sala. Quando abri os olhos, senti meu corpo inteiro doer, obviamente o meu sofá não era a opção mais confortável para dormir, mas desconfiava que essa dor fosse mesmo pela ressaca. Olhei para a mesa do centro e vi duas garrafas de vinhos abertas e percebi que passei muito do meu limite. Peguei o celular que estava na mesa do centro ao lado das garrafas de vinho e percebi que o deixei no silencioso. Quando vi a quantidade de mensagens e ligações que deixei passar, agradeci mentalmente pela ideia de me desconectar do mundo naquela madrugada. Comecei a olhar as mensagens e minha mãe era a campeã em quantidade, as abri rapidamente e conferi só as últimas que, praticamente, me recriminavam e, ao mesmo tempo, pediam para eu repensar na minha decisão sobre o trabalho do Otávio no shopping. Fato que aquelas mensagens não mereciam respostas e por isso joguei o celular no sofá e decidi ir à academia. Suar, ao menos, iria me ajudar a melhorar na indisposição que o excesso de bebida estava me causando. Na academia tinham poucas pessoas, sábado às 7h da manhã, as pessoas costumam estar dormindo e não querendo se exercitar. A professora responsável por meus treinos logo veio me recepcionar com um “bom dia” superanimado. Acho que essa energia positiva toda era proposital para que a gente não desistisse de praticar a atividade física. Enquanto procurava a minha ficha de treino no sistema do computador, ouvia a professora falar sobre coisas aleatórias que, confesso, parei de prestar atenção quando senti a aproximação de um perfume que invadiu meu olfato, com certeza era o perfume mais ardente que já havia sentido, me teletransportando para o cheiro de liberdade que “ele” tinha. Sempre era assim, “ele” era meu parâmetro de algo e hoje não foi diferente. Um toque e eu me assustei com um pulo. — Milena, o que deu em você? — a professora perguntou. Pisquei algumas vezes com vergonha e ela riu de mim. Queria olhar para trás, queria saber quem estava me desnorteando com um perfume ardente e intenso, mas seria ainda mais vergonhoso, ainda mais na cara que essa pessoa estava me desconcentrando. Então, voltei a procurar meu treino no sistema, enquanto ouvia a professora falar: — Oi, Vicente! Fico feliz que você tenha se matriculado aqui na academia. Você vai gostar, o maquinário é excelente! Localizei o treino e coloquei para imprimir. — Pois é, gostei daqui e fica perto da minha casa — ele respondeu com uma voz rouca e seca que me arrepiou. Que loucura tudo isso! A professora se afastou de nós e quando saí da frente do computador, me virei propositalmente para conhecer o rosto daquele homem que despertou algo que estava bem adormecido em mim. O dono do cheiro ardente e mais refrescante que já tinha sentido na vida era proprietário de olhos escuros, brilhantes e profundos. Rosto com angulações retas em seu maxilar que era desenhado por uma barba milimetricamente perfeita. Meu íntimo gritou: que gato! Ele estava à espera, não era só eu que almejava, de alguma forma, ter aquele confronto de voz, perfume e olhos. Ficamos alguns segundos com os olhares fixos um no outro, até que a professora voltou para perto da gente e perguntou se podia ajudar em algo. A realidade voltou, eu agradeci a ajuda, mas segui para fazer meu treino. Era inevitável não olhar para ele na academia. E sei que era bem correspondida, pois perdi as contas de quantas vezes nossos olhares se encontraram propositalmente. Definitivamente, não estava mais arrependida de ir à academia às 7h da manhã! Nunca o vi na academia e pela conversa com a professora, ele era novo por ali, o que não significava ser inativo. Com certeza, ele já treinava, consegui visualizar bem seus músculos definidos na camisa suada pelo exercício. Mais um encontro de olhos e dessa vez ele deu uma piscadinha. Meu Deus, meu coração quase pulou pela boca e senti o rosto queimar de imediato. Uau, que calor hoje está fazendo aqui! — pensei. E me perguntei: já fiz quantas repetições mesmo? Eu comecei a gargalhar da minha secura e decidi ir ao banheiro me arrumar um pouco para ver se tomava coragem e iniciava alguma conversa com ele. Eu prometi que iria mudar a minha vida, eu prometi a mim mesma que iria seguir em frente e hoje, pela primeira vez em anos, senti um arrepio bom com aquele cara e eu queria sentir mais, eu queria saber mais sobre ele, eu queria me deixar tentar. Quando voltei para a academia mais confiante, o procurei, mas não mais o encontrei. Isso só poderia mesmo acontecer comigo. Meu celular vibrou e ao pegar o celular, vi que era uma mensagem do Otávio e, por curiosidade, abri. Por isso você é sozinha na vida, ninguém te ama, ninguém consegue amar alguém tão desprezível como você é! A cova do seu pai deve estar revirando com tanta vergonha da péssima empresária e filha que você é. Eu me arrependi de imediato de ter lido, por alguns minutos eu até havia esquecido de todo o contexto que vivia e ao reler a mensagem, decidi não o responder, porque a minha maior resposta seria vê-lo pagando por todos os crimes que ele cometeu. ? Após estudar um pouco nas redes sociais sobre como deveria me vestir para ir à festa, cheguei à conclusão de que o vestido tubinho floral que a Liz havia me presenteado era a melhor opção. Ela vivia reclamando que eu nunca o usava, mas como iria usar um vestido sensual como esse, em meus eventos corporativos formais? Não combinava em nada comigo e por isso decidi usá-lo hoje. Hoje foi um dia para sair do meu padrão, da minha zona de conforto. Na academia, eu já percebi que era possível sentir desejo por alguém de novo, era só me permitir sentir, era só me permitir viver. Calcei um salto alto 15cm vermelho e passei o batom vermelho-vivo usado uma única vez, na inauguração de um dos setores do shopping; soltei meus cabelos loiros cacheados e fiz uma maquiagem que realçava meus olhos verdes. Me olhando no espelho, me senti forte, bonita e capaz de vencer meus medos e angústias. A festa ficava próxima à minha casa, mas não conseguiria andar tantos quarteirões com aquele salto, que ao entrar no elevador já havia me arrependido de usar. O lugar era agradável e a brisa do mar, refrescante. A música estava alta, mas ainda assim conseguia ouvir as pessoas conversando. Meu nome estava em uma grande lista de convidados. Ao entrar na festa, fiquei olhando para aquelas pessoas sem ver nenhum rosto conhecido, comecei a me desanimar e achar que era uma péssima ideia estar ali, me senti um peixe fora d’água. De repente, um toque forte no meu braço e o perfume refrescante veio como uma avalanche quando a brisa soprou a meu favor. Fechei os olhos para aumentar meu sentido e degustar aquele cheiro tão bom. — Oi! A voz rouca e seca acompanhada pelo cheiro refrescante eram inconfundíveis. Como assim, ele estava ali? Virei curiosa na direção dele para constatar o óbvio. O gato da academia com músculos definidos e dono de um rosto de ângulos retos desenhados por uma barba perfeita. Quando nossos olhos se cruzaram de novo, senti meu corpo inteiro se arrepiar e quando chegou ao meu coração, ele disparou, me deixando sem ar. — Oi? — ele perguntou, sorrindo com ironia. Eu engoli seco e sorri forçado com bastante desconforto. O que era lindo, ficou ainda melhor. Precisei repetir um milhão de vezes: que gato! Mas também precisei me acalmar para conseguir conversar algo sensato. — Eu não mordo, está certo? Sou do bem! — ele falou com as mãos suspensas no ar. Meu Deus! Eu assustei o homem e ele achou que eu estava com medo dele. Mas o estranho era que meu corpo estava tão sem controle, que eu m*l conseguia formular respostas. Que merda de desespero dos quase 30! — Milena, você veio! — Beatriz apareceu de repente, falando animada. Ela me abraçou e depois perguntou: — Vocês já se conhecem? — Nós nos conhecemos hoje, na academia — ele respondeu. Eu sorri de novo forçado e senti meu rosto queimar. — É, hoje ele… é… eu e ele… — Eu gaguejava sem conseguir concluir uma única frase. — Ah, entendi! Por que você não pega uma bebida para a gente? — a Beatriz pediu para ele. — Cerveja? Caipifruta? Gim? — ele perguntou. — Gin com tônica — Beatriz respondeu. — Pode ser também para mim — respondi rapidamente. Quando ele saiu, respirei fundo, eu precisava voltar à minha homeostase. Nem nas minhas maiores apresentações ou palestras eu ficava dessa forma. O que estava acontecendo comigo? — Sei que não somos amigas ainda, mas concordo que ele é um gato e toda essa beleza também me deixa desnorteada. Eu olhei para a Beatriz, que mesmo me conhecendo pouco, já percebeu que eu estava completamente longe da minha zona de conforto. Rimos juntas. — Nossa ele é realmente bem bonito, mas a intenção de vir para aqui não foi essa — respondi. — E qual foi? — ela perguntou. — Me divertir, fazer amizades e, se rolar algo mais intenso, será lucro, mas não prioridade. Mas se você está tão encantada por ele, deveria investir. — Deixa de besteira, vai lá conquistar o gato de uma só vez. Eu vi que você chegou tem uns 15 minutos e desde que chegou à festa, ele não tira os olhos de você. Esse já é seu! Além de que, o Marcelo veio e aquele moreno tropical é mais do que uma fantasia amorosa para mim. Rimos juntas e ele voltou segurando nossas bebidas e uma garrafa de água. Assim que nos entregou nossas taças, a Beatriz questionou com tom de ironia: — A água é para você? Você é menor de 18 anos, gatinho? — Estou de sobreaviso no hospital, não posso correr o risco — ele respondeu e finalizou com uma piscadinha. Igual na academia. Voltei a tremer e a suar de nervosa. Beatriz agradeceu a taça e pediu licença, se afastando de nós para falar com um grupo que estava na pista de dança embalado pelo sertanejo, que tocava músicas com letras de amor não correspondido. Tomei um gole da minha taça de gin com tônica e tentei saber mais informações dele. — Você é novo na academia? Nunca te vi por lá — perguntei. Ele sorriu e bebeu um pouco da água, fixando os olhos escuros profundos nos meus. Nossa, como ele é lindo! Eu tinha certeza de que estava corada, pois senti meu rosto queimar. Quer dizer, não só o rosto estava esquentando. Ele percebeu que estava envergonhada e respondeu, sobre sorrisos: — Me formei em Medicina numa universidade que fica em uma cidade próxima daqui, passei um tempo trabalhando e estudando lá e há pouco tempo voltei para cá. Estou me readaptando à rotina e à vizinhança. — Voltou? Significa que sempre foi daqui? Depois que perguntei, me questionei em que isso ia influenciar?! Eu estava nervosa e estava demonstrando isso nitidamente. O que começou a me deixar irritada e ele estava se divertindo com minha babaquice e atitude de uma menina boba e inocente. Tudo o que não era! — Sou daqui, sim. E você, o que faz? — ele perguntou. Ele mordeu ligeiramente o lábio inferior e tinha certeza de que ia surtar com aquele movimento ligeiramente imperceptível para os outros, mas extremamente provocativo para mim. —Trabalho no shopping — respondi com a voz trêmula. Ele voltou os olhos para a pista de dança onde a Beatriz já estava dançando com o Marcelo, em seguida bebeu a água lentamente e eu fiquei admirando cada movimento que ele fazia. — O que acha de dançar um pouco? — ele perguntou. Um sim, apenas um sim abriria as portas para algo que eu almejava sentir. Um sim seria o necessário para cumprir a minha promessa de me permitir desejar, sentir, amar. Demorei um certo tempo para responder, mas provavelmente porque os olhos dele estavam inquietos, percebi que havia um arrependimento e minha dúvida em negar ou aceitar, foi modificada por: o que há de errado? — Desculpe, eu… — Ele parou de falar. Enquanto ele tentava finalizar uma frase que mais me parecia uma desculpa esfarrapada, eu me apressei a responder: — Não tem do que se desculpar. Eu preciso ir, tenho um compromisso. E sem nem esperar que ele falasse algo, eu virei às costas e saí caminhando em direção à saída. No mínimo, ele era complicado e de complicada bastava eu. Enquanto andava até a saída da festa, o xinguei tantas vezes mentalmente e, vez por outra, me senti culpada em ter depositado a esperança de vivenciar algo novo e intenso com alguém tão, tão… a única palavra que me vinha à cabeça era: covarde. Já no Uber, cheguei à conclusão de que aquele homem despertou em mim foi reflexo de uma exaustão de viver sozinha e, principalmente, porque seu perfume acordou em mim a sensação de liberdade que há 12 anos eu tanto almejava encontrar. Não seria ele a saída para me libertar de minhas prisões sentimentais, não seria ele a fórmula mágica para voltar a me sentir capaz de esquecer um sentimento avassalador e doentio que “ele” deixou em mim. A única pessoa capaz de ultrapassar todos esses impasses, era eu mesma, o que não era novidade, mas, de certa forma, precisava repetir inúmeras vezes, para que não despejasse em alguém a responsabilidade que era só minha.
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