O ar fresco da noite, os grilos... Uma fogueira quase extinta entre os dois acampamentos: aquele era o verão de 2005, Ellie estava sentada ao lado de Austin, primeira noite do acampamento, tantos assuntos para conversarem, era como se todas as coisas parecessem importante demais quando se tem treze anos, ela não parava de falar nem mesmo por um minuto:
- ... e aí, acabou que a minha nova vizinhança é um saco – ela diz irritada – não sei que mania irritante dos meus pais, mudam-se duas vezes ao ano, eu m*l consigo aproveitar, conhecer os meus vizinhos – ela suspira – e você? Quais são as novidades?
- Uhm – ele suspira, ufa, ela vai deixar ele falar – nada demais – ele dá de ombros – eu levei uma garota ao Baile de Primavera.
- Como assim? – ela o encara.
- Sim – ele sorri – convidei minha amiga, Maddie Cooper.
- Ah – ela parece aliviada – a Maddie – ouvira tanto falar sobre ela que era como se fossem velhas conhecidas – e como foi?
- Eu a beijei – ele diz sorrindo – estamos namorando.
- C-como? – ela não consegue disfarçar a surpresa – namorando
- Sim – ele responde despreocupado – nunca pensei que ela aceitaria, sabe? Maddie é tão bonita e popular... Não sei o que a fez aceitar.
- Nem eu – ela responde irritada – eu... Preciso ir dormir.
- Mas já? – ele questiona – Nem abri o pacote de marshmallows...
- Fica para amanhã – ela dá de ombros e logo está em pé, precisava sair dali, precisava sair de perto dele: ele não podia ver que ela estava chorando.
Voltou para a sua barraca e chorou por toda a noite: não sabia desde quando, mas sabia que gostava de Austin Bryan... Como ele podia ter beijado alguém que não era ela? Como ele podia estar namorando com alguém?
Ellie acordou-se num sobressalto: alguém estava batendo na porta de seu pequeno consultório no hospital, e ela estava cochilando no meio do plantão.
- Oi – a voz masculina invade o ambiente – emergência na pediatria – Thomas diz desanimando – o garoto, Colin Jonas...
- Ah nossa – ela esfrega o rosto com as mãos – o que houve? – ela pergunta ao chefe da enfermagem e um dos seus melhores amigos no hospital.
- Sinais vitais estão muito baixos, Ellie – ele tem uma expressão triste – eu sinto muito...
- Ainda temos tempo – ela diz e logo está correndo em direção ao setor pediátrico enquanto faz perguntas – quanto tempo que começou?
- Começaram a cair agora, eu subi pra te chamar... – ele diz.
- Certo – ela encara a enfermeira no quarto do garoto, a mãe não solta a mão do menino e chora compulsivamente – quanto por cento temos? – ela pergunta à enfermeira.
- Cinquenta e dois e caindo – ela diz preocupada.
- Tudo bem, vamos administrar...
- Não – Hellen Jonas, mãe do garoto diz em tom de súplica – por favor, deixe-o ir.
- Como assim? – pergunta Ellie confusa.
- Meu menino – a mulher diz chorando – ele está tão exausto... Ele não aguenta mais lutar – ele refere-se há cinco anos e meio de tratamento e um quadro que se agrava diariamente – ele pediu para o deixarmos ir.
- Hellen – a médica diz muito séria – eu não posso deixa-lo...
- Está sendo egoísta – a mulher grita.
Ellie apenas sinaliza que um dos técnicos acompanhe a mulher até o corredor e da continuidade ao protocolo, indicando à enfermeira o procedimento. Aos poucos os sinais estabilizam-se e o quarto vai ficando silencioso novamente. Quando ela sai do quarto, a mulher está cochilando na sala de espera, ela sabe que vai precisar encarar aquela mãe, e aquela realidade em um momento ou em outro, mas não deixaria que o menino partisse.
Dois dias depois, ela está fazendo a sua ronda: passando em todos os quartos, conversando com cada paciente da ala oncológica, e ela sabe que aqueles quartos nunca estão vazios, quando alguém sai dali, independente do destino, em poucos dias o leito ocupa-se novamente com outra vida interrompida pelo câncer, outra etapa adiada, outro sonho trancafiado em um quarto de hospital.
- Bom dia – ela diz sorridente quando entra no quarto do menino que salvara duas noites antes.
- Oi – ele diz desanimado: quatorze anos, tão magrinho e pequeno que parece ter no máximo dez, a pele pálida, pois a última internação estava completando sete meses em uns dias, o rosto marcado por profunda olheiras.
- Como se sente hoje, Colin? – ela pergunta.
- Cansado – ele suspira – Dra. Ellie – ele murmura – eu já estou cansado demais de lutar, cansado demais de tentar...
Aquilo corta o coração dela. Não era incomum perder pacientes, mas perde-los assim tão jovens? Ver eles desistindo, ver que não aguentam mais, realmente? Aquilo era desumano... Ela apenas sorri com os olhos marejados e murmura ao menino:
- Você pode descansar, Colin – ela diz – se você quiser, pode descansar...
Uma semana depois, no início de uma sessão de quimioterapia, Colin vem a óbito: parada cardiorrespiratória. Sem possibilidade de reversão, acabou morrendo enquanto cochilava. Hellen abraça a doutora que murmura “ele está bem agora, está descansando” e por mais reconfortante que aquilo possa parecer a uma mãe cansada de ver o seu filho sofrer, para Ellie, é de partir o coração.
Quando chega em casa naquela noite, Ellie encontra a avó na varanda:
- O que faz aqui? – ela pergunta preocupada.
- Estou esperando – diz Norah – estrelas cadentes...
- Vovó – ela diz preocupada – sabe que não deve ficar aqui no frio.
- Sim – ela responde – mas quero vê-las, tenho um pedido especial.
- Sabe que isso é besteira – Ellie sorri.
- Sente-se aqui comigo, eu sei que você tem um pedido também.
- Eu não tenho – ela responde: o que pediria? Uma cura para o câncer? Aquele vinha sendo o único pedido que ela fazia desde o verão de 2005 e aquilo fez o seu estômago revirar – ela havia deixado de pedir para encontrar com Austin no verão, no momento em que pedira pela cura de sua mãe, perdera o contato com o seu primeiro amor... – eu não tenho nada a pedir, não acredito mais nessas coisas, vovó, não tenho mais seis anos.
- Deveria tentar – a velhinha sorri – mas se não quiser, eu não me importo, apenas prepare um chá e venha sentar-se comigo.
- Tudo bem – ela tira os sapatos na porta e vai até a cozinha, voltando em seguida com duas canecas de chá quentinho de camomila – você vê a sua estrela e depois, vai para dentro.
Alguns minutos se passaram e ela apareceu: um risco prateado correndo lentamente, cortando o céu, brilhante, pálida e fria, sem nem mesmo pensar, Ellie fechou os olhos e fez um pedido “encontrar Austin Bryan” e sua avó, a vendo murmurar coisas em silêncio, apenas pede “que minha pequena Ellie volte a ter esperança, que ela volte a acreditar”.