O sol tímido tenta aparecer por entre pesadas nuvens de chuva formando uma claridade estranha e bonita ao amanhecer daquela segunda feira em Savannah. Ellie veste o mesmo vestido da noite anterior, e chinelos: dois quarteirões e ela estará em casa. Ninguém poderá julgar, todos na vizinhança agora sabem que ela namora Thomas.
- Bom dia - Norah diz assim que ela passa pelo pequeno portão, enquanto poda suas roseiras - como passou a noite?
- Bem - responde Ellie abraçando a avó - acho que as coisas não saíram bem como eu planejei - ela ergue a mão e indica a aliança - acabei recebendo um pedido inusitado.
- Ah - Norah encara a neta e a aliança por um tempo - não foi bem isso o que eu entendi ontem á noite, não.
- Acho que eu fiquei confusa - diz Ellie.
- Então vamos tentar desconfundir - Norah abraça a neta e a conduz para dentro.
Logo as duas estão sentadas na mesa: café recém coado e pães quentinhos, conforme Ellie, são "a receita do sucesso", tudo se resolve naquela mesa.
- Tem certeza disso? - a avó pergunta.
- Sim - ela responde - não posso ter medo de relacionamentos e de me entregar de verdade às coisas.
- Nisso eu e você concordamos - a avó diz - mas pensei que estivesse pensando em romper...
- Porque eu me sinto insegura - ela admite - eu sempre acho que ele vai terminar, que eu não sou boa o suficiente.
- E o que mudou? - Norah pergunta.
- Tudo - suspira Ellie - é como se eu conseguisse sentir que ele gosta de mim, apesar de meus defeitos e de minhas inseguranças e chatices - ela responde.
- Uma aliança diz tudo isso? - a avó parece não entender.
- Uma aliança não, mas uma aliança, vinda de um homem que viveu o inferno no casamento anterior, sim - ela suspira - diz que ele está disposto a tentar mais uma vez, que está disposto à superar os próprios fantasmas por uma chance de felicidade.
- Certo - a avó parece concordar - sendo assim, eu posso dize que eu estou feliz por você, pequena.
- Obrigada, vovó - ela responde.
Depois do café da manhã, Ellie volta ao seu quarto e encara a aliança em seu dedo por um longo tempo: não era o que havia planejado, mas ela sentia-se estranhamente feliz e de certa forma, empolgada com a possibilidade. Precisava contar à Sam, precisava pensar sobre como faria aquilo... De repente, o momento que era para ser de descanso, começou a ser de pensamentos e reflexões sobre a vida, o relacionamento, o casamento, até que adormeceu exausta.
"- E o que você mais quer na vida, Ellie? - o garoto dos cabelos encaracolados perguntava sorrindo com os olhos enquanto segurava a mão dela.
- Não sei - ela suspira - acho que eu quero me casar, mas com alguém que me escute - ela responde.
- Seu pai e a sua mãe brigam muito né? - ele pergunta.
- O tempo todo - ela responde - acho que eu tenho medo de casar e brigar também...
- Mas precisa saber com quem vai se casar - o menino responde, como se fosse um especialista em casamentos - precisa ser um cara bom, gentil e disposto a fazer tudo por você.
- Ah - ela sorri sem jeito - parece idiotamente fácil...
- Mas só vai saber se é o cara certo, Ellie, na hora difícil - ele diz.
- Tem certeza? - ela encara o garoto confusa.
- Sim - ele responde e solta a mão dela rapidamente, como quem está com vergonha - o cara certo vai estar ao seu lado sempre, sempre que precisar, quando estiver triste e quando precisar de ajuda.
- Como você? - ela pergunta inocente.
- Sim Ellie - ele responde e pega a mão dele - como eu"
Ela acorda com um sobressalto... Como ele... Como Austin... - ela sorri - como podia, depois de tanto tempo, lembrar-se desse tipo de coisas bobas de criança? E porque tinha uma parte dela, que parecia tentar fazer ela se lembrar desse tipo de coisas com tanta frequência ultimamente.
Quantos anos tinham? Ela uns dez, ele uns doze? O que ele sabia sobre casamentos, sobre encontrar o cara certo? E porque ele olhava para ela daquele jeito, com os olhos brilhando, do jeito que nenhum outro garoto havia olhado para ela, em todos esses anos que haviam passado?
Era difícil de tentar entender... Ela se ateve a buscar nas velhas caixas de fotografias, por registros daquele tempo: os dois juntos tomando sorvete, ela na pontinha dos pés tentando parecer maior do que realmente era em uma foto ao lado dele, provavelmente no último ano. Os dois sentados em frente à fogueira, deitados na grama olhando para o céu: a mãe havia aproveitado muito a câmera durante os acampamentos, ela devia ser a única criança no mundo com tantos registros lindos de sua infância.
Achou o envelope novamente, amarelado, endereçado e nunca enviado... Pensou em abrir, ler o que sua amada mãe havia confidenciado à Nancy naquela que ela sabia que seria a sua última carta. Mas não conseguiu. Fechou novamente a caixa e voltou para a cama. Haviam muitas coisas que Ellie evitara todos esses anos para não sentir ainda mais dor por todas as suas perdas, não precisava ficar remoendo cartas velhas que nunca foram enviadas, independente à quem estivessem endereçadas.