Totalmente disposta

1048 Words
Savannah, Geórgia  Maio de 2018                  Estava sendo outro dia difícil... Na verdade, estava sendo um daqueles: Ellie havia perdido outro paciente. Uma desatenção do médico de rotina, um exame não solicitado... Tempo perdido, muito tempo perdido para quem não tinha tempo. Ellie estava em um daqueles dias em que nem mesmo a possibilidade de um bom vinho e relaxar na banheira com Thom massageando os seus pés parecia trazer qualquer sinal de melhora: Ellie estava exausta, esgotada e um pouco triste. - O que aconteceu? – pergunta Thom, de volta ao banheiro, com a garrafa de vinho e duas taças. - Eu não sei – ela suspira – eu acho que eu estou ficando decepcionada demais com tudo. - Sabia que seria complicado – ele diz delicado, e logo solta a toalha que envolve o seu corpo, deixando à mostra o corpo atlético e forte para logo entrar na banheira com ela. - Sim – ela suspira, ajeitando-se com os olhos semi fechados. - A oncologia é um setor pesado – ele diz e logo lhe entrega a taça de vinho servida – as pesquisas avançam e mesmo assim, nada parece ser o suficiente. - A doença evolui, em uma velocidade quase igual a da cura – ela suspira – e ainda tem a indústria farmacêutica que visa lucro desenfreado, sem preocupar-se com as pessoas que estão morrendo sem ter condição de pagar preços exorbitantes por medicações... - ... medicações que muitas vezes têm efeitos paliativos – ele suspira – eu acho que é por isso que eu amo você. - Não entendi – ela diz sorrindo. - Você escolheu a medicina pelas pessoas – ele diz – por amor, por cuidar mesmo de quem precisa... Eu lido com uns cem residentes por ano – ele diz – e a grande maioria caiu na medicina porque sabe que vai ter um excelente retorno financeiro, status e tudo mais. - O retorno financeiro é bom – ela diz rindo – mas escolhi a medicina e a oncologia, por motivos pessoais, há muitos anos. - Ah, é? – ele pergunta – Acho que nós nunca conversamos sobre isso, Ellie... - Tem certeza de que quer falar sobre isso? – ela pergunta, sabe que é um assunto sensível. - Sim – ele diz enquanto desliza os dedos sobre suas pernas – eu quero saber tudo sobre você, Ellie, cada detalhe minucioso da sua vida. - Tudo bem – ela sorri: é bom ter alguém disposto a te ouvir e te entender, de verdade e não apenas para fingir interesse – eu escolhi medicina e oncologia por causa da minha mãe. - Nunca falamos dela – ele diz, conhece parte da história, Norah contara-lhe pequenos fragmentos em suas visitas. - Perdi ela – suspira Ellie – depois de uns quatro anos lutando com um câncer, eu simplesmente a perdi... Logo depois das férias de verão. - Eu sinto muito – ele diz. - Sim – ela suspira – obrigada. Foi muito difícil, ainda mais porque eu não tinha meu pai presente, então, era a vovó e eu, eu perdi minha mãe e ela, perdeu a filha. Quando saímos do enterro dela, eu decidi que faria medicina – suspira – passei o resto da minha vida toda, estudando ou trabalhando para que nenhuma garotinha precisasse enterrar sua mãe e para que nenhuma senhora precisasse enterrar sua filha – ela tem os olhos marejados – sinto que eu estou falhando miseravelmente. - Não está falhando, minha linda – ele deixa a taça e muda de lado, para abraçar Ellie que já chora – está fazendo um trabalho incrível, está dando o seu melhor, meu amor. - Mas não é o suficiente – ela responde chorosa. - Perdemos pessoas – ele suspira – eu soube do que houve ontem, mas não foi sua culpa. - Não – ela suspira – foi culpa de uma grande corporação, foi culpa da True Laboratories, foi culpa de um médico incompetente no atendimento básico – ela suspira – e agora temos outra garotinha sem mãe, outra senhorinha sem filha. - Não pode ficar se culpando por isso – ele diz – acontece. - Eu sei – ela se aninha no abraço dele e contempla o momento: um homem lindo, sexy, gostoso e bem sucedido, uma banheira de hidromassagem escandalosamente grande, um vinho tinto reservado, especialmente selecionado para o momento e seu coração despedaçado por ter perdido outra paciente.                 Não houve um jantar animado naquela noite, não houve s**o selvagem e exaustivo. Eles apenas dividiram o vinho, a pizza e o momento: Thom também não estava em um bom dia, e a cumplicidade de dividirem até mesmo os momentos ruins fez Ellie compreender que aquilo era a receita de um relacionamento de verdade: estar junto na boa e na r**m, sempre e de repente ela sentia-se plena. Sim, era com Thom que ela queria estar e diferente de todas as vezes que estava com ele e com outros homens, quando ela apenas tinha interesse de t*****r e aliviar o estresse...                 Com Thom, estava disposta a dar continuidade, com ele, ela tinha a intenção de continuar ao lado dele, de ir além, de aceitar aquela realidade toda, de trazer para a vida dela, uma parte da dele e dividir com ele, a vida dela... Sim, ela estava totalmente disposta á isso com Thom.              Quando Ellie finalmente adormeceu, Thom ficou observando enquanto ela dormia: não poderia fazer aquilo com ela, não podia aproximar-se porque sabia que não seria para sempre, porque sabia que em algum momento - próximo ou não - ele também a deixaria, ele também se tornaria mais uma lembrança, mais um arrependimento e principalmente, mais uma perda irreparável.  - Eu gosto quando você trança os cabelos – Austin dizia enquanto deslizava os dedos pelas longas tranças recém feitas de Ellie. - Obrigada – ela responde envergonhada – vou fazer mais vezes. - Porque? – ele pergunta um tanto curioso. - Gosto de saber que você gosta – ela diz rindo e logo sai correndo.                 Ellie acorda assustada, mas logo sorri quando percebe que Thom está brincando com seus cabelos, trançando-os delicadamente enquanto ela dorme. Ele pede desculpas por ter acordado ela, e ela apenas sorri, dizendo estar tudo bem e volta a dormir... Austin assombrava novamente os seus sonhos. 
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