Aproveitando a folga daquele fim de semana e sabendo que Thom teria um plantão atrás do outro devido às férias de outro dos médicos da emergência, Ellie decidiu que tiraria um tempo para organizar o sótão e quem sabe, colocar um pouco de coisas no lixo.
- O que está fazendo? – Norah pergunta sorrindo da ponta da escada.
- Pensei em me livra de um pouco de coisas velhas – Ellie responde e logo aparece no topo da escada encarando a avó – tem ideia de que aqui tem coisas do tempo que a mamãe estudava?
- Sim – responde a avó – eu tenho sim...
- E tem coisa que sinceramente, não precisamos guardar – ela diz.
- Concordo – ri a avó.
Logo ela deixa Ellie dizendo que vai preparar o jantar, Ellie sorri enquanto revira as caixas: fotos da Formatura da mãe, cadernos antigos da escola, discos... Uma fita cassete amarelada, gravação caseira, ela sorri e tenta ler o que diz na etiqueta apagada com uma caligrafia pouco caprichada “verão 2004” desceu correndo as escadas, a avó perguntou algo da cozinha, e ela apenas ignorou e pegou o antigo walkman, colocou a fita e colocou para tocar...
“ take my photo off the wall, If it just won't sing for you...” – ela riu quando ouviu, e logo lembrou-se da história daquela fita: todos os anos, assim que cresceram um pouquinho, ela e Austin gravavam uma fita cassete para o acampamento e ao fim das férias, trocavam as fitas: ele levava para casa o que ela havia gravado e ela, levava o que ele havia gravado - “'Cause all that's left has gone Away And there's nothing there for you to do” sem nem mesmo perceber ela já cantarolava o sucesso da banda Jet enquanto revirava as caixas para encontrar mais e mais fotografias do Verão de 2004.
Uma foto em especial foi o suficiente para fazer com que o seu peito apertasse novamente... Quando o walkman já tocava “My Happy Ending” da Avril Lavigne enquanto ela encarava a fotografia: Austin sentado, encostado em um grande pé de carvalho e ela sentada ao seu lado, escorada em seu ombro, com os olhos fechados, o sol em seu rosto, devia ser fim da tarde... Por anos ela ouvira aquela música pensando na promessa não cumprida dela e também, na promessa que ele não havia cumprido. Agora tudo parecia longe, tudo parecia simplesmente complicado demais para valer a pena.
- O que estou fazendo? – ela pergunta a si mesma rindo com os olhos marejados.
Trata de recolher as coisas que havia espalhado e novamente a faxina do sótão ficaria para depois, porque ela não conseguia continuar. Tratou de descer as escadas e correu para o seu quarto: deitada na cama, ouvindo aquela fita cassete com gravação doméstica, com algumas intersecções de um radialista que dava o horário ou mesmo o nome da canção.
Por que é que Austin ainda atormentava seus pensamentos, ainda que ela estivesse totalmente decidida e disposta a aceitar Thom em sua vida, por completo? O telefone celular toca insistentemente, até ela por fim ouvir, atende Thom:
- Oi – ela diz sorrindo.
- Oi – ele fala um pouco apressado – você está muito ocupada?
- Não – ela diz – estava organizando o sótão e aquele monte de velharias... Aconteceu alguma coisa?
- Será que tenho uma ou duas horas de atenção? – ele lhe pergunta.
- Claro – ela responde – eu só preciso vestir algo...
- Tudo bem – ele suspira – estou aqui na frente.
Ellie rapidamente enfia uma roupa e logo corre para a frente de casa, onde encontra Thom em seu carro.
- Tá tudo bem? – ela pergunta
- Agora conversamos - ele diz e logo arranca, em direção à sua própria casa.
Assim que chegaram, Thom a abraçou apertado e a conduziu ao sofá da sala:
- Ellie, eu preciso te contar uma coisa – ele diz – e isso parte o meu coração tantas vezes quando eu poderia suportar...
- O que houve? – ela pergunta preocupada.
- Não posso me casar com você – ele diz – não seria justo com você, entende?
- Não – ela o encara – eu não entendo, Thom, o que está acontecendo?
- Eu estou doente, Ellie, eu estou com câncer – ele diz sério – eu sinto muito, sinto muito mesmo que tenhamos nos envolvido e que mais uma vez na sua vida esteja passando por isso – ele chorava – apenas me perdoa.
- Thom – ela o abraça apertado – quando soube? Ah meu Deus...
- Recentemente - ele diz em um longo suspiro – muito recentemente, e eu não estava sabendo como contar isso para você sem te decepcionar, eu sinto muito.
- Não tem culpa – ela diz enquanto o abraça – não diga besteiras, não é sua culpa.
- Não posso te deixar passar por isso de novo – ele diz.
- Eu estou escolhendo isso – ela responde.
- Não, Ellie – ele diz – não está escolhendo, isso não é uma questão de escolha – ele suspira – eu não vou permitir que passe por isso novamente.
- Você está terminando comigo? – ela o encara incrédula.
- Sim, Ellie, eu estou – ele diz muito sério.
- Não pode fazer isso comigo – ela diz em um misto de tristeza e desespero.
- Sim, Ellie – ele diz – eu posso, eu devo... – ele a abraça apertado – é o mínimo que eu posso fazer, porque eu te amo e eu não posso te deixar sofrer ainda mais.
- Está me fazendo sofrer – ela diz desesperada – Thom, não pode me afastar agora.
- Não piore a situação – ele a abraça apertando – apenas me perdoa por te fazer sofrer, me perdoa por ter que te fazer passar por isso, por ter que te deixar...
- ... não precisa me deixar – ela diz – por favor, não me afasta, Thom.
- Eu preciso – ele responde categórico – eu vou acabar indo para New York tentar um tratamento experimental, e eu não posso pedir que me acompanhe e que passe por tudo isso, não posso pedir que largue tudo por isso...
- Thom – ela implora – não faça isso comigo.
- Eu não tenho outra opção – ele diz sério – infelizmente, acho que é o mais correto a fazer.
Ellie compreende, naquele momento, que Thom já tomou a sua decisão e que nada do que ela resolva dizer mudará qualquer coisa. Simplesmente levanta e sai, chorando e caminhando lentamente à caminho de sua casa.
De volta ao conforto de seu quarto, Ellie liga novamente o seu velho walkman... E até mesmo achou um pouco de graça: a playlist que era perfeita para embalar os corações partidos em 2004, ainda era totalmente excelente para o momento atual, e como em muito tempo Ellie não fazia, dormiu com os fones nos ouvidos, a luz acesa e o coração dilacerado.