Savannah, Geórgia
Junho de 2018
Três semanas que ela estava afastada do trabalho. No primeiro dia após o rompimento de seu noivado com Thom, ela sentia-se tão triste que não podia nem mesmo conceber a ideia de encontrar com ele, e pediu um afastamento de uma semana. Samantha, em sua primeira folga, correu para ver a amiga, que não conseguia dizer muito mais do que três palavras sem cair em um choro inconsolável e desesperado.
Na segunda semana, as coisas pareciam um pouco mais claras: ela atendera, inclusive, alguns telefonemas de Thom e se propusera a dar-lhe suporte, a ouvir, a conversar... E ele aceitara, e com essa "aproximação" ela sentia-se melhor, não queria ser deixada e lado, mas, ao mesmo tempo, não estava pronta para conversar sobre aquilo, não estava pronta para falar sobre as baixas expectativas de recuperação, nem mesmo sobre a imensa lista de medicamentos e cuidados que agora ele deveria tomar, não estava pronta, muito menos, para os piedosos olhares de seus colegas de trabalho, que murmurariam que Ellie era uma garota de muito pouca sorte.
E a última, a terceira semana, era um misto de auto piedade e culpa: metade de Ellie estava péssima por não ter voltado ao trabalho e por ter deixado se abalar, sentia raiva de si mesma e a outra metade, aceitava que estava tudo bem não estar tudo bem, que ela merecia todo o tempo do mundo para processar aquilo tudo, que era difícil e que ela poderia e deveria, se dar mais tempo.
- Está na hora de voltar - disse Norah em um fim de tarde, enquanto levava roupas limpas para o quarto da neta - você sabe que está na hora de voltar.
- Sim - ela suspira tristonha - eu não sei porque é que tudo isso precisa acontecer comigo.
- Para que você aprenda a ter esperança, minha querida - a avó beija a sua testa - para que consiga compreender a vulnerabilidade da vida, para que saiba o quanto cada momento, por mais simples e bobo que possa parecer, é precioso e infinitamente importante... Para que aprenda a desfrutar da vida e de tudo o que ela pode proporcionar à você - a avó responde falando calmamente, e suas palavras delicadas pareciam carregar um imenso significado e uma sabedoria inimaginável para alguém com tamanha simplicidade e pouca vivencia de mundo quanto a sua avó.
- Mas é tão difícil - ela resmunga - vovó, eu nem mesmo sei se eu consigo suportar... Perder a mamãe, meus pacientes e agora o Thom? Porque essa doença maldita persegue minha vida? Persegue todos aqueles que eu amo?
- Porque Deus, em sua infinita sabedoria, sabe que você é uma mulher forte, sabe que consegue carregar esse fardo, ele te capacitou e agora, você precisa dar à ele o que ele espera de você.
- E o que ele espera? - Ellie pergunta confusa.
- Eu não sei - Norah dá de ombros - mas sei que algo grandioso está próximo e está reservado para quem fez a sua parte, para quem ajudou o próximo se empenhou em crescer, para quem buscou evoluir...
- Mas vovó - ela suspira - é tão difícil.
- Claro que é, minha pequena, mas não pode se deixar a****r, precisa ser forte e sabe disso - Norah responde.
- Eu sei que eu preciso ser forte - ela diz, no fundo, sabe que a avó tem razão, ela quase sempre tem razão.
Na manhã seguinte, Ellie voltou ao trabalho, Ainda machucada e triste, mas pronta para voltar à ativa e fazer o que sabia fazer de melhor em sua vida: cuidar das pessoas.
Ao longo da semana, as coisas ficavam mais fáceis, Thom não estava mais indo ao hospital todos os dias, e com isso, ela tinha a felicidade de não precisar vê-lo. Ele também não era visto no bairro e ela sabia que era por que ele passava a maior parte da semana em New. York. Ele havia pedido que ela não se envolvesse e por isso, ela não tentou saber de como as crianças e a ex mulher doida estavam reagindo, nem mesmo se estavam o apoiando, ela manteve-se firme na tarefa que ele havia pedido que ela desempenhasse: apoio emocional.
Algumas notícias boas foram surgindo, um paciente em remissão, um resultado negativo, uma cirurgia de sucesso, e em um mês e meio daquele que parecia ser o pior dia de toda a sua vida, Ellie podia dizer que estava bem e que havia superado...
Em uma manhã de sexta-feira, quente e ensolarada, daquelas que deveriam alegrar o dia de qualquer pessoa porém, Ellie recebeu uma notícia não tão animadora: ela receberia a visita de seu pai no final da outra semana.
- Porque é que tem que ser agora? - ela grita assim que fica sabendo.
- O que houve, querida? - Norah questiona.
- Meu pai - ela responde em tom seco - depois de cinco anos... - ela ri com certa amargura - o que ele pensa? Que eu vou sair correndo para abraçá-lo como eu fazia quando pequena?
- Ah, minha pequena, não precisa incomodar-se com isso - a avó suspira - sabe que ele vem e que logo vai embora, só precisa ter um pouco de calma e paciência, são apenas alguns dias.
- Eu não queria ver ele - ela diz irritada - nem mesmo por dois minutos. Você se lembra da última vez que ele esteve aqui?
- Como eu poderia esquecer? - Norah também parece um pouco amargurada com a lembrança.
- Ele me chamou de mimada, disse que eu sempre tive tudo o que eu quis... Pelo amor de Deus! - ela revira os olhos - Não consigo imaginar o que é que o faz perder o seu precioso tempo vindo até aqui.
- Vamos precisar esperar para saber - a avó responde - só fique tranquila, é por pouco tempo.
Mas naquela tarde, mesmo exausta do plantão, Ellie demorou muito para pegar no sono, e quando finalmente conseguiu dormir, sonhou com coisas estranhas, discussões dos pais e com um dos poucos acampamentos onde o pai estava presente, verão de dois mil e três.
- O que estão fazendo? - ele aproximava-se de Ellie e Austin que estavam sentados ao lado da fogueira assando marshmallows.
- Assando marshmallows e procurando estrelas cadentes - Ellie responde com os olhos brilhando, apontando em direção ao céu.
- E o que querem com estrelas cadentes? - Patrick pergunta rindo.
- Fazer pedidos - responde Austin, como se fosse uma autoridade no assunto.
- Isso é besteira - o pai dela ria alto, ela podia lembrar-se do cheiro de cerveja, ele estava bêbado? - Deveriam passar o tempo fazendo coisas mais importantes...
- Que tipo de coisas? - Ellie pergunta inocente.
- Estudos - ele responde ríspido - livros, coisas que os levem à algum lugar, do contrário, serão como esses parentes sem futuro da sua mãe, que vêm aglomerar-se como hippies nojentos e sem futuro ano após. ano.
Ellie ficara imóvel ao lado da fogueira, enquanto o pai passara a gritar mais alto, criticando os primos de sua mãe, os pais de Austin e diversas outras pessoa no acampamento.
- Pára com isso - ela dizia - papai, pára com isso...
- Não - ele gritava - precisa se dar conta da verdade - ele ria alto - isso aqui não leva a nada, nada disso aqui...
E então, Austin a pegava pela mão e a levava para longe dele, ela chorava e ele a abraçava "vai ficar tudo bem, Ellie" ele dizia, até a mãe dela aparecer para busca-la e leva-la para a barraca.
Ellie acorda assustada: ele conseguia estragar até mesmo duas boas lembranças com Austin, até os momentos mais bonitos de sua infância, em algum momento, haviam sido maculados pela presença irritante e normalmente grosseira de seu pai. E ela precisaria vê-lo em breve. Afundou-se novamente nos travesseiros ao perceber que havia dormido apenas pouco mais de meia hora. Até mesmo a paz de um sono tranquilo entre os seus plantões estava sendo roubada por aquele homem!