Quando Ellie retornou com a avó da visita que fizeram ao túmulo de sua mãe, ela voltou a revirar as caixas de fotografias e memórias: sempre fazia isso naquela data, reviver as boas lembranças era uma forma de estar perto dela, de lembrar como era a vida quando ela ainda estava ali. Um envelope amarelado caiu de suas mãos no momento em que ela retirou uma pilha de coisas da caixa, nele, a caligrafia rebuscada e caprichada de Suzan havia escrito poucas palavras em caneta esferográfica preta, sublinhando o ano:
“Férias no Gran Canyon – 1998 – Ellie e Austin”
Ellie retira cuidadosamente as fotografias de dentro do envelope: no primeiro dia, ela com o vestido vermelho e ele com os cabelinhos encaracolados, ela está segurando ele pela mão, o que estavam fazendo? – ela se pergunta sorrindo – Ele era assim mesmo? Tão mais alto do que ela? Porque não lembrava disso, lembrava-se muito dele, mas não dessa época, e sim dos últimos anos que haviam se encontrado, era reconfortante, de toda forma, ver aquelas fotos e o brilho no olhar que Austin tinha, sempre parecendo tão sonhador quanto ela... Ser que fora isso que a fizera gostar tanto dele?
Parque Nacional do Gran Canyon, 1998
A sintonia de Ellie e Austin era visível à qualquer um que quisesse ver: ela tinha energia inesgotável e ele uma calma pacífica e acolhedora. Eram vistos correndo, jogando, brincando, fazendo algumas travessuras e alimentando animais silvestres, para o desespero dos guardas florestais.
As reuniões da família de Ellie eram sempre chatas para ela: não haviam crianças, então ela contentou-se em passar todo o tempo possível com Austin, que coincidentemente ficaria no Gran Canyon pelo mesmo período que ela. Um verão incrível, intenso e cheio de memórias boas e as melhores fotografias – a mãe de Ellie era fotógrafa profissional, então sempre estava tentando capturar um ou outro momento perfeito dos pequenos.
Na manhã de dez de julho, depois de terem dormido até tarde e se empanturrado com marshmallows, foi a vez de Austin correr desesperado, como um verdadeiro furacão, com um jornal em mãos:
- Ellie – ele gritou – Ellieeee...
- Oi – ela disse sonolenta e ainda de pijamas – o que aconteceu?
- Estrelas cadentes – ele disse – eu nunca vi uma...
- O que? – ela salta da barraca e toma o jornal das mãos dele – Ah... estrelas cadentes... – ela diz vendo a foto com os olhinhos brilhando.
- Sim – ele diz sorrindo - Aqui diz – ele anuncia solene, pois sabe ler e ela ainda não – “todos os que estiverem acampando no Gran Canyon vão poder contemplar todo o esplendor de uma chuva de meteoros na noite de dez de julho, preparem suas câmeras” - ele suspira – nunca vi uma estrela cadente.
- Eu sempre as vejo – ela diz – é só prestar atenção – ela completa – presta atenção e quando vê: pronto! Faz o seu pedido.
- Pedido? – ele ri.
- Sim, faz um pedido e ele vai se tornar realidade – ela completa.
- Besteira – ele dá de ombros.
- Pois faça – ela diz – pensa em algo que você quer muito, o que mais quer no mundo, que a estrela vai realizar.
- Tudo bem – ele sorri – vem comigo ver?
- Sim – ela diz contente.
Quando a noite cai, todas as pessoas começam a encaminhar-se para as clareiras e os lugares mais limpos do parque: ninguém quer perder nem mesmo um detalhe, e os amigos já inseparáveis estão à postos, com seus cobertores, lado a lado.
- Pensou no pedido? – ela pergunta.
- Pensei – ele diz – eu quero...
- Não – ela vira-se e t**a a boa dele com as mãos – não pode falar, se não, não vai acontecer.
- Tudo bem – ele diz – vou fazer meu pedido em silêncio.
Quando a chuva de meteoros começou, Ellie e Austin aproveitaram cada segundo. Logo se via ela apontando em alguma direção chamando-lhe a atenção e em um momento, ele a viu fazendo o seu pedido: os olhos fechados, os dedos cruzados, o nariz empinadinho em direção ao céu... Ela murmura algo e depois abre os olhos sorrindo:
- Sua vez – ela diz.
- Tudo bem... – ele concorda, ainda que esteja envergonhado.
E ele fecha os olhos, punhos cerrados, murmura algo e logo abre os seus olhos:
- Satisfeita? – ele pergunta.
- Sim – ela responde.
O que Ellie pedira para a sua estrela? Que no próximo verão, ela pudesse acampar novamente no Gran Canyon. O que Austin pedira? Que no próximo verão, ele pudesse acampar novamente no Gran Canyon...
Os dois passaram o restante dos dias do acampamento de verão sendo o que eram de melhor: inseparáveis. Suzan e Nancy trocaram telefones e eles prometeram não perder o contato, assim como foram juntas até a administração do parque fazer a reserva para o acampamento do ano seguinte: mesmas datas, lotes vizinhos. À noite, todos comemoraram com cachorro quente e refrigerante à amizade, os pequenos brincaram e os adultos conversaram e riram por horas.
Ellie guarda as fotografias de volta no envelope: não é o momento mais adequado para remoer aquele tipo de lembranças, ela estava cansada, triste e um tanto perdida ultimamente, o que menos precisava era de lembranças do garoto dos cabelos encaracolados, o primeiro garoto a partir o seu coração. Porque era mesmo que ele partira o seu coração? Porque ela nunca conseguia lembrar-se, exatamente, quando foi que a promessa fora quebrada? Era quase ridículo pensar nisso, depois de tanto tempo. Era meio infantil esforçar-se tanto para lembrar de algo que acontecera tão longe, no passado.
Ainda assim, Austin era o sonho recorrente de Ellie. Embora ela não fizesse ideia de onde é que ele estava, simplesmente, uma parte dela sentia-se confortável em saber que ele existira e que ainda deveria estar por aí, com o seu olhar distraído, com o jeito bem humorado, fazendo promessas... Por que Ellie ainda insistia nessa história da promessa? Devia ser algo bem bobo, provavelmente.