Um pouco obcecado

989 Words
Os dias arrastavam-se lentos e mornos no Texas. Austin costumava chamar Vernon de "pedaço do fim do mundo", o que sempre fazia com que os seus pais rissem alto e ficassem questionando se ele não tinha mesmo nenhum outro lugar melhor para ir. - Sabe que eu preciso sair de cena por mais um tempo - ele responde num suspiro um tanto inconformado. - Mas se o seu aplicativo der certo... - a mãe trata de supor - em algum momento, um repórter ou mesmo algum investidor vai acabar por te encontrar. - Não quero investidor - responde o filho - nenhum, quero apenas a minha ideia rodando por aí e não um monte de gente roubando dados das pessoas, entende? - Eu entendo - Nancy responde sorrindo - e não estou questionando isso com o intuito de desocupar o apartamento sobre a oficina, é apenas porque sei que não gosta de Vernon, nem mesmo do Texas. - Mas é aqui que vou ficar - ele responde tentando tranquilizar a mãe - estive fora muito tempo e sim, vou acabar me adaptando ao calor insuportável e a extrema falta de qualquer coisa para se fazer - ele ri - mas vou estar feliz de estar aqui, perto de vocês. - Certo, sim - Nancy diz tentando não parecer comovida com as palavras do seu eterno bebê - eu prometo fazer a torta de nozes... - Sempre funciona - ele ri e abraça a mãe carinhosamente. O fim da tarde surge avermelhado no céu, Austin aproveita para sair com a moto e dar um passeio afinal, se ele continuar dentro de casa vai acabar tendo algum tipo de surto. Enquanto encara a já conhecida paisagem de sua cidade natal, encontra conforto em suas lembranças... - Ei, Austin - é a voz doce de Maddie perto das escadas do campo de football do colégio. - Maddie - ele diz tímido e sem jeito, não esperava encontrar ela tão cedo, quer dizer, era o primeiro treino da pré temporada, ele havia chegado de viagem ainda naquela manhã - é muito bom te ver... - Sim - ela responde sem muita emoção - bom mesmo... Mas precisamos conversar. - Claro - ele responde tentando sinalizar ao treinador que logo voltará. - Não podemos mais ficar juntos - ela diz sem cerimônia - você me deixou por semanas para ir para o seu acampamento i****a com a sua garotinha... Estou cansada disso tudo. - Ei - ele parece incrédulo - a Ellie é minha amiga, ela... - ... Ellie é a única coisa na qual você falou em cada uma das cartas que escreveu - ela resmunga descontente - aparentemente, esteve bem ocupado e não sentiu minha falta, nem mesmo um pouquinho. - Está sendo boba - ele interpõe, tentando uma defesa - sabe que é de você que eu gosto... Tarde demais. Maddie já está uns dez passos longe dele, andando decidida na direção dos vestiários. Austin encara os próprios pés por alguns minutos antes de voltar ao treinamento. - Sempre pensei que voltaria - a voz de um homem rasga o silêncio e o faz voltar a realidade: sentado sobre a moto encarando o campo vazio. - Treinador? - Austin encara incrédulo o velho Professor Hopkins, Treinador do time da escola. - Isso mesmo - ri o velho, ainda atlético, mas sem nem mesmo um fio de cabelo na cabeça que não seja branco como as nuvens do céu - e como vai a grande promessa de dois mil e cinco? - Notoriamente fracassada, em todos os aspectos da vida - ri Austin. - Acompanhei as notícias - o homem suspira - não precisa ser tão c***l com você mesmo, menino. - Talvez - responde Austin - mas eu sou reconhecido por ser o cara das decisões ruins. - Ah, sim, nesse ponto, preciso concordar... Me lembro da Maddie, aquilo foi uma decisão r**m, sim, e você parece bem, um pouco obcecado... - Ela me deixou - riu Austin - acho que aquilo me devastou. - Acabou com a sua temporada... - o velho constata encarando o campo - voltou da arquibancada com aquele olhar... - Que olhar? - pergunta o ex aluno curioso. - Desolado, como o que carrega agora - o velho suspira e se alonga brevemente antes de voltar à sua caminhada - espero que aprenda a tomar melhores decisões. - Eu também espero - riu Austin antes de se despedir, e quando voltou para casa, tentou encontrar as cartas que havia enviado à Maddie, ela fizer a gentileza de devolver todas elas. "Ellie e eu fomos pescar", "Ellie tentou cantar uma música do My Chemical Romance, aquela que você gosta, mas ficou muito r**m, ela é bem desafinada, acho que espantou até os pássaros dos galhos mais altos", "Apostamos uma corrida e a Ellie ganhou de mim, acho que ela treinou durante o inverno todo" Aquilo fez ele rir, realmente, se fosse Maddie, terminaria o namoro. Absolutamente todas as cartas falavam mais sobre Ellie do que sobre ele, nenhuma perguntava o que ela estava fazendo e o pior de tudo, nenhuma menção à sentir a falta dela ou saudades... Ele era um verdadeiro zero à esquerda em relacionamentos naquela época e sim, um pouco obcecado, era verdade, mas não pela linda Maddie e sim, pela pequena, desafinada e desengonçada Ellie,.do acampamento de férias. Não que houvesse muita evolução nos últimos tempos, ele não era um homem que costumava dar certo nos seus relacionamentos e nem mesmo se esforçava para isso, mas ao menos ele conseguia parecer um pouquinho mais cavalheiro do que o insensível que havia escrito aquelas cartas. Guardou suas lembranças e tratou de ir dormir... Mais um dia havia se passado e nenhuma Ellie ou Ellianor, ou sequer alguém de Savannah havia feito o cadastro no seu aplicativo. Era como procurar uma agulha em um palheiro e sim, ele estava um pouco obcecado com isso novamente.
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