Unir o útil ao agradável

1318 Words
Vernon, Texas  Junho de 2018              O calor começava a variar entre insuportável e intolerável naquele pequeno fim de mundo. Austin contava, distraído, os pontinhos azuis de um papel de parede desgastado na sala... Se ficasse ali, precisava mudar aquela decoração anos setenta ou morreria com tamanha cafonice! Austin já tinha perdoado os pais, mas, aparentemente,eles não o haviam perdoado por ter ido atrás do irmão, nem mesmo por ter ido encontrá-lo. "Não pode fazer isso", "está sendo ingrato", "está sendo injusto" ou ainda "nunca nos amou"... Como se o amor de um filho pudesse ser medido! Mas, naquela sexta feira, quando o calor parecia que derreteria até mesmo as paredes de alvenaria forradas com papéis de parede cafonas, a única coisa que não saia da mente de Austin era a sua pequena Ellie... Como era possível, depois de tantos anos, ainda lembrar-se de tantos detalhes? O sorriso, as covinhas... - Olha - ela apontava para o céu, verão de 2000 - aquela é bem grande, Austin, podemos fazer um pedido enorme... - Vai dizer que agora o tamanho da estrela tem algo a ver com o tamanho do pedido? - ele riu alto - Você é bem bobinha... - Sou nada - ela resmunga em protesto -  o problema é que você não sabe nada de estrelas cadentes... - Tudo bem - ele sorriu e pegou a mão dela, como costumava fazer enquanto deitavam-se na grama para olhar para o céu - conte-me tudo o que sabe sobre as estrelas, Ellie...                   Anos depois, ele ainda se lembrava com clareza de todos os detalhes daquela conversa longa, quase infinita como o céu sobre eles, ele sabia que era tudo "uma questão de saber como pedir" e também de "fazer por merecer" ou seja, de acordo com a sabedoria da pequena Ellie, o Universo, mais especificamente, as estrelas cadentes, estavam dispostas à conceder desejos à aqueles que fossem merecedores, os meninos e meninas bonzinhos, que estudavam e tiravam boas notas, que eram obedientes e respeitosos com seus pais...                Ele ria disso hoje: as estrelas de Ellie, na verdade, eram uma maneira de manter as crianças na linha, cada coisa que os adultos inventavam!                Agora ele pensava em como eram inocentes e bobos naquele tempo, e de repente, tudo parecia fazer sentido: alguma coisa mudou, logo no início do verão de 2005, antes mesmo das estrelas e dos pedidos, Ellie estava diferente, ela ficara assim depois que ele contara à ela sobre Maddie e o Baile de Primavera... Ellie ficara com ciúmes ! Era isso               Agora tudo o que ele precisava, era consertar as coisas... Uma correspondência? Procurar por ela no último endereço? Parecia antigo e antiquado, poderia tentar as redes sociais, mas já havia feito isso quando ainda estava em Los Angeles. Abriu o laltop e tentou: f*******:, twitter, i********: e nada. Achava melhor ir até a casa dsa mãe, ver se ela se lembrava de alguma coisa que pudesse ajudar ele em sua busca.  - Mãe - grita Austin assim que entra pela porta da cozinha.  - Sim - Nancy responde da sala sem muita animação.  - Tudo bem? - ele pergunta assim que se aproxima e a encontra sentada no sofá, fazendo crochê enquanto encara a televisão em um seriado policial.  - Eu estou bem - ela responde num suspiro - e você? - Estou bem - ele diz animado - está ocupada?  - Talvez eu devesse estar - ela responde avessa - ainda não decidi se as coisas estão bem aqui. - Não pode me punir por querer conhecer meu único irmão - ele protesta.  - Meio irmão - ela o corrige.  - Está sendo egoísta - ele diz bravo - sabe que você e o papai não serão eternos, não sabe? Que quando vocês dois se forem, não me restará ninguém...  - Não diga besteiras - ela ri parecendo um pouco mais descontraída - no fundo eu sei que você tem razão, mas ainda estou magoada.  - E qual o motivo? - ele a encara.  - Isso sempre incomodou - ela suspira - a forma com que tudo aconteceu e principalmente, como tudo terminou...  - Mãe - ele a abraça - fazem trinta anos. Não pode guardar isso para sempre.  - Eu sei que não - ela suspira - e provavelmente, eu, no lugar dela, teria feito algo parecido.  - Sabe o que fazer, não sabe? - ele a encarou.  - Sim - ela o abraça - eu sei, meu bebê. Estamos bem, certo? - Certo - ele suspira e a beija no rosto - você é a melhor mãe do mundo, nada muda isso.  - Sim - ela sorri em meio ás lágrimas - mas sei que não está aqui por isso...  - Na verdade - ele suspira - vim unir o útil ao agradável - ele diz rindo.  - Não entendi - ela parece confusa.  - Preciso de umas informações sobre uma pessoa - ele franze a testa - sei que é boa em guardar coisas nessa sua cabeça aí...  - De quem estamos falando? - ela larga o crochê de imediato e passa a dar total atenção ao que seu filho único diz.  - Ellie Barnet - ele diz - preciso que me diga tudo o que se lembra sobre Ellianor Barnet.  - A mãe - suspira Nancy - ela se chamava Suzan, e era fotógrafa. O pai era militar, algo assim, Patrick, ele acampou com elas apenas por uma vez ou duas, pareciam ter problemas.  - Sim - sorri Austin - lembro vagamente - mas e o endereço?  - Mudavam-se com frequência, e eu perdi o contato com ela, depois do último ano, ela nem mesmo enviou aquelas fotos que sempre enviava - Nancy suspira - sempre me pergunto o que será que aconteceu à ela, lembro que estava doente.  - Doente? - pergunta Austin.  - Sim - suspira a mãe - um câncer bem avançado, ela estava bem debilitada no último ano, acho que por isso os primos também deixaram de acampar, lembra que procuramos por eles?  - Sim - ele suspira - eu me lembro... Será que ela morreu?  - Eu penso que sim - responde Nancy - pobre menina, tinha uma relação r**m com o pai...  - Barnet - ele susira.  - Isso - ela o encara - porque estamos procurando pro Ellie?  - Por que eu consegui entender uma coisa - ele ri alto - anos depois.  - Que coisa, menino? - ela o encara. - Acho que eu sei o que afastou Ellie de mim - ele diz.  - Vai vir com a baboseira de estrelas cadentes de novo? - a mãe diz em tom de desaprovação.  - Não - ele ri - ciúmes...  - Ela era uma garotinha, Austin ! - a mãe o encara irritada.  - Sim, mas no último ano, tinha doze?- ele suspira - Contei sobre Maddie e o baile,  as coisas já estavam diferentes e aí, bem, depois que fomos embora, simplesmente sumiram...  - Ela provavelmente gostava de você - diz Nancy.  - Basicamente, eu descobri que eu fui um b****a - ele ri sem jeito.  - Provavelmente foi - a mãe concorda - mas o que isso mudaria hoje? - Nunca deixei de pensar nela - ele diz como quem se sente aliviado por compartilhar aquilo - era confuso, antigamente, era como ter perdido minha única amiga, mas depois - ele parece um tanto desolado - acho que eu me peguei lembrando de detalhes que eu não repararia na minha amiga.  - Isso foi bonito de ouvir - ri a mãe em tom de deboche - ela ficaria lisonjeada em saber disso, agora que está casada e com três filhos...  - Não seja c***l - ele protesta.  - Sincera - a mãe responde.              Conversam por mais um tempo e apesar de Austin não ter conseguido nenhuma informação realmente relevante, no fundo, ele se sente feliz por ter compartilhado aquilo com alguém... 
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