Outubro de 2017
Vernon, Texas
- E quais são os seus planos? - Thom encara o filho que brinca com as cordas desafinadas do velho violão, no canto da oficina mecânica.
- Eu não sei - Austin suspira e encara o pai - eu não sei fazer muitas coisas...
- Não estou falando do trabalho - o pai sorri com bondade - falo da vida, de modo geral.
- Vou precisar trabalhar - o filho responde.
- Pode abrir um pequeno negócio de manutenção de computadores - o pai diz.
- Sim - Austin revira os olhos - não é mais a minha praia.
- Então, poderia desenvolver aqueles aplicativos de novo - o pai insiste - mas não é sobre trabalho.
- Certo - o filho larga o violão - sobre o que é?
- Casar? Constituir uma família..? - Thom solta a tampa do capô de um carro - Dinheiro você tem.
- Sim - o filho suspira - mas que vida eu poderia dar à alguém? - ele ri - Oi, casa comigo? Eu tenho uma grana ai, vamos ficar bem, mas eu sou um fracassado?
- Não diga besteiras - o pai o repreende - logo essa fase r**m vai passar.
O pai caminha até o canto e pega o violão, sentando-se e afinando devagar e pacientemente o instrumento antes de começar a arranhar uma melodia conhecida pelos dois, fazendo Austin sorrir:
- Ainda me lembro de você tocando esse violão velho, lá no Gran Canion - diz o filho saudoso.
- Mil novecentos e noventa e oito - diz Thom - eu me lembro bem...
- Sabe? - Austin diz - Ainda me lembro muito bem de todos os nossos verões lá...
- Acho que não é só dos verões - ri o pai.
- Do que mais seria? - Austin pergunta.
- Ellie - responde o velho.
Aquilo o fez rir por um momento antes de apenas contemplar lembranças não tão felizes: o ano que Ellie não foi... Dois mil e seis. Cartas não respondidas por um ano inteiro, e ele tinha uma leve sensação de coração partido: contara à Ellie sobre Maddie, e ela ficara visivelmente chateada, e aquilo o fizera perceber o quanto ele gostava dela. Ele preparara as suas coisas e fora para o tradicional acampamento com um único objetivo: precisava beijar a sua Ellie... Mas, quando chegou, ela não estava lá, nem ela e nem os parentes de sua mãe, que havia conhecido nos anos anteriores, era como se todos tivesse simplesmente desistido de sua tradição de verão e levado Ellie para sempre de sua vida.
Haviam sido dias difíceis: principalmente para seus pais que precisaram aguentar um rapazinho irritante e rabugento, que estava se metendo em encrencas, brigando e causando problemas. "É a falta da pequena Ellie" dizia Jonah, um dos guardas da reserva que ficava próximo do local favorito de acampar deles. Três anos de acampamento sem ela, e a cada vez, Austin voltava pior, até o ano em que ele pediu que fosse o último, alegando não ter mais idade para ficar brincando de casinha no meio do mato.
Os pais foram compreensivos: tudo bem ele não querer mais acampar, tudo bem ele sentir-se chateado pela ausência de sua melhor amiga e companheira de camping. Nancy sentia um certo aperto no peito, por não ter mais respostas da amiga, por não ter as fotos do último ano dos pequenos e com o tempo, para todos, o acampamento, fotos e aquela parte da vida, ficou adormecida, menos para Austin, que ainda lembrava-se da menina do vestido vermelho e da promessa que ele não havia cumprido...
- Foi minha culpa - ele diz por fim.
- O que? - pergunta o velho.
- Ellie não ter mais ido ao Gran Canyon - ele completa.
- O que você fez? - Thom o encara preocupado.
- Fizemos uma promessa um ao outro - ele ri - e eu nem devia contar, mas procurávamos uma estrela cadente e todos os anos, pedíamos a mesma coisa, desde a chuva de meteoros de 1998...
- Eu acho que está ficando maluco - riu o velho.
- Pára - o rapaz continua - prometemos sempre pedir a mesma coisa, que o outro voltasse ao Gran Canion no ano seguinte, mas no meu último ano - ele suspira - eu acabei pedindo outra coisa...
- Ah, não pode mesmo acreditar que isso... - o velho foi interrompido.
-... para mim, sim, foi a causa, Pode ter acontecido qualquer coisa, simplesmente decidiram não ter mais tempo, o que for, mas enquanto cumpri minha promessa, deu certo - ele suspira - eu a quebrei.
- É um homem feito - debochou Thom - acreditando em besteiras de estrelas cadentes...
- Sim - conclui Austin - acho que eu sou o cara que nunca deixou de acreditar.
- Ah, é? - riu o pai - Qual foi o seu último pedido?
- Ah - ele riu alto - esse é fácil... Uma noite com Maddie Cooper.
- Tá de brincadeira? - o pai o encara nervoso - Maddie Cooper, ela está noiva do Gregor Denver, casamento marcado...
- Sim - riu Austin - inclusive, recebi o convite, poderia dizer em mãos, mas ela optou por deixá-lo em cima da mesa quando saiu hoje, pela manhã.
- Não diga besteiras - riu o velho.
- Tudo bem - Austin deu ombros - saímos juntos, parei a moto na estrada e fiz o meu pedido para uma estrela... E bem, desistimos da ideia inicial e voltamos para cá... Ela saiu sem se despedir e o convite ficou sobre a mesa com um bilhete explicativo.
- Está mentindo - o velho riu.
- Posso buscar o convite - Austin diz.
- Você é um cara de muita sorte - o velho volta a sua atenção para o violão e os dois ficam em silêncio por mais um tempo.
Austin ria em silêncio pensando nas "sortes" que havia tido ao longo da vida, sempre antes de Los Angeles, lá as coisas ficaram complicadas e bem, lá tinha uma que faltava: um céu onde fosse possível ver todas as estrelas, principalmente as estrelas cadentes...