Setembro de 2017
Savannah, Georgia Duas e trinta e cinco da madrugada: o pronto atendimento vazio, quase deserto... Com a exceção de uma enfermeira e duas técnicas que falavam baixo bebendo chá no posto de enfermaria do primeiro andar. Ellianor encarava as paredes brancas - ou quase brancas - da pequeno consultório destinado à oncologia.
- Ellie? - Matthew, um enfermeiro que ela conhecia desde o fim do ensino fundamental entrou em sua sala - Porquê não descansa um pouco?
- Estou bem - ela boceja e espreguiça-se - houve aquele chamado na Hover Avenue, eu não sei se vão demorar...
- Viriam para cá? - ele pergunta encarando uma prancheta.
- Foi o que Sam disse - ela deu ombros.
- Vou conferir - ele diz já saindo - e se não estiverem à caminho, você vai descansar...
- Tudo bem - ela responde.
Desliza os dedos pela tela do celular distraída: nova coleção de verão, a bolsa da moda, casamento perfeito - revira os olhos - o homem que desafiou Deus - isso a fez rir um pouco - nem mesmo as manchetes pareciam gerar qualquer efeito, nada prendia a sua atenção.
- Três minutos - Matthew diz parado à porta - tinha razão.
- Normalmente eu tenho - ela responde enquanto arruma o jaleco.
Caminha pelo corredor até a entrada de emergência, logo começa a ouvir as sirenes, longe, depois mais perto, até conseguir avistar as luzes: um automóvel corta a frente da ambulância e o sinal fecha antes que eles possam passar "m***a" ela diz sem pensar... Cinquenta segundos, é o tempo até voltar a abrir, e às vezes, é o tempo que um paciente precisa para sobreviver, tenta não pensar nisso.
- Idoso - Sam, a socorrista diz assim que abre a porta - setenta e sete, oncológico, Ellie, pulmões... Parada respiratória, estamos com ele no oxigênio, mas não sei quanto tempo temos - a equipe trabalha apressada.
- Obrigada - Ellie responde e corre para a sala de atendimento.
Quarenta e quatro minutos... Ela sai da sala: exausta. Suas pernas doem, a tensão parece ter moído seu pescoço "quando foi que você dormiu direito?" ela lembra-se da avó perguntando outro dia...
- Doutora? - uma voz também idosa a chama.
- Ah, sim - ela sorri e encara uma senhorinha, setenta e poucos anos, franzina, vestindo um robe e pantufinhas azuis - me desculpe, eu...
- Tudo bem - a senhorinha responde sorrindo - sou Maeve, esposa do Sr. Collins...
- Ah, Sra. Collins...
- Maeve, por favor - ela diz sorrindo - pode me dizer como...?
- Sim - sorri Ellie e segura as mãos da mulher enquanto sorri - o Sr. Collins é duro na queda! Conseguimos estabilizá-lo, agora ele está descansando, induzimos ele ao coma e vamos aguardar as reações do organismo dele, mas sim, ele está fora de risco.
- Ah, minha querida - a senhora diz rindo por entre lágrimas - Obrigada! O Jim é tudo que eu tenho.
- Ele vai ficar bem - Ellie diz e logo se despede, voltando para a sua sala.
Assim que chega, encontra Matthew sentado na poltrona em frente à sua mesa:
- Matt... - ela começa - prometo, só vou preencher o relatório...
- Sim - ele suspira - sente-se, por favor.
- Claro - ela começa a ficar desconfiada - o que foi que aconteceu?
- Ah, bem - ele parece não saber como dizer nós tivemos um chamado...
- Tudo bem - ela suspira e afunda-se na cadeira - acha que vou ter tempo para um café?
- Sim - ele diz - pode prestar atenção? Isso é sério.
- Tudo bem - ela o encara: nunca vira Matthew sério daquele jeito - o que houve?
- Recebemos um chamado, do seu endereço - ele diz - sua avó, ela não sentiu-se bem, e ligou para a emergência...
- Ah, meu Deus - ela levanta-se da cadeira - onde ela está?
- Está à caminho - responde Matt - Sam atendeu ao chamado, e me passou informações preliminares de que aparentemente, sofreu uma queda brusca da pressão arterial - ele faz uma pausa - pode ser devido ao calor intenso, não sabemos, mas ela está estável e consciente...
- Certo, eu vou... - ela tenta chegar à porta, mas é detida por Matt.
- ... vai ficar aqui, vai descansar e aguardar informações, certo? Não posso deixar que interceda, mesmo sabendo que é a melhor plantonista da casa, ela é sua avó.
- Sim - ela responde convencida - eu vou ficar - ela suspira - eu só... - ela encara ele em súplica - Matt, eu não sei o que seria de mim se eu a perdesse - e logo ela esta abraçada no amigo, chorando compulsivamente.
- Tudo bem - ele responde - vai ficar tudo bem...
Matthew sai, as paredes encardidas começam a parecer embaçadas. Ela tentou manter-se acordada, sentada na poltrona e até tomou um café, mas depois de vinte horas de plantão, quando deu por si, estava acordando com alguém chamando por ela:
- Ellie? - a voz feminina alegre repetia.
- Ah, sim - ela senta-se direito e olha em direção a porta para visualizar Sam - Sam!
- Isso - ela entra com dois cafés duplos e um pacote que tinha algo com cheiro bom - café e empadas...
- Obrigada - sorri Ellie - sabe da minha avó?
- Sim - responde a paramédica - estava fazendo sucesso até poucos minutos atrás, mas agora, foi sedada, ela precisa descansar.
- Quem ficou com ela? - pergunta Ellie enfiando uma empada na boca.
- Oliver - responde a outra - Thom Oliver.
- Certo - Ellie admirava aquele doutor, fora um de seus mentores no início da carreira.
- Vai para casa - diz Samantha - eu vou ficar por aqui até o meio dia - ela estica-se - o Jim e eu temos trinta e seis horas de folga - ela riu - vamos tentar acampar.
- Parece bom - diz Ellie - mas por que não vai para casa descansar?
- Prometi esperar por ele - ela dá ombros - ligo para você meia hora antes de sair ou se a sua avó precisar de alguma coisa, certo?
- Sim - Ellie suspira - só quero um bom banho e...
- ... sono - alguém diz parado à porta, novamente Matt - descansa que a sua avó vai ter uma longa bateria de exames durante a tarde e sei que vai querer acompanhar.
- Você é esperto - ela pisca o olho - eu volto logo.
Ellie caminhou sozinha para o estacionamento onde apenas sentou em um dos bancos - onde os fumantes costumavam fumar - e chorou, chorou por longos minutos: Não podia perder Norah, ela ainda era a única coisa que havia restado...
- Ellie? - uma voz masculina grave e rouca chamou.
- Ah, oi - ela diz secando o rosto com as costas das mãos - oi Thom.
- Oi - ele senta ao lado dela e a abraça - confia em mim - ele beija a testa dela - vai ficar tudo bem, a sua avó... Ela é muito forte - ele ri - e um pouco teimosa, mas isso é de família.
- Não seja assim - ela ri.
- Ela vai ficar bem, prometo. - ele diz.
- Obrigada - ela responde.
- Precisa ir descansar - ele completa - sei da sua escala, vai colapsar se não dormir...
- Eu sei - ela bate com a mão no capacete - vou indo.
- Posso te levar - ele oferece - estou saindo agora e você sabe, são apenas três quarteirões - Thom morava perto.
- Preciso voltar ao meio dia.. - ela responde.
- Pega um táxi - ele ri - vamos, eu te levo e você não vai nessa coisa cansada desse jeito.
- Obrigada...
Ela deixou-se ir, apenas pela sensação boa de ter alguém preocupado com ela.