Dezembro de 2017
Vernon, Texas
Austin sempre gostara do Natal. Aquela coisa de estar reunido com a família, que apesar de pequena, era bastante unida, a mesa cheia, as músicas ruins e aquelas tradições chatas como ir à igreja e fazer alguns trabalhos voluntários na época, mas ele gostava.
Aquele ano estava anormalmente normal: a avó estava lá, uma tia, um primo, o tio que havia se separado da esposa, e logo a casa parecia cheia demais, parecia que havia comida demais e as vozes começavam a se alterar devido à alegria - e ao vinho.
- E como vai a vida, meu rapaz? - pergunta-lhe o tio, já meio bêbado.
- Boa - responde Austin - sabe que Vernon não é meu destino favorito, nem mesmo o melhor lugar para se viver, mas é bom estar aqui, é bom estar com meus pais...
- Com certeza - o tio responde e analisa o casal, Thom e Nancy, que estão juntos na cozinha - achei que eles não conseguiriam - ele diz - que não superariam...
- O quê? - pergunta Austin curioso, e ao mesmo tempo, sua mente se volta para o acordo de divórcio que encontrara anos antes.
- Ah - ele suspira - hoje não é um bom dia para falar disso - o tio responde - olha como estão felizes! Sua tia Sarah e eu nunca tivemos essa cumplicidade - ele dá outro gole no whisky - aparentemente, ela tinha mais cumplicidade com o dono da padaria no fim da rua...
A conversa se transforma em uma lamentação profunda - e um tanto engraçada - sobre as traições de Tia Sarah, que sempre fora um tanto "fogosa", desde antes mesmo do casamento, mas até o momento, ao menos que fosse sabido, não passavam de suposições, até o tio Rich encontrar ela amassando o pão, digamos assim... Austin precisou segurar-se para não rir algumas vezes - não sabia o que tinha de tão engraçado na desgraça alheia - e logo pôde livrar-se do tio, pois o mesmo acabou por adormecer, sentado na poltrona.
A noite seguiu seu curso normal: Natal sem crianças e com muita bebida. As risadas ficando mais altas até aos poucos, um a um, os convidados irem cada um para as suas casas. Nancy e Thom sentaram-se no sofá: era um costume antigo, depois que todos os convidados iam embora, os três ainda aproveitavam juntos o final da "Noite Feliz".
- Mãe - ele sorri - Pai... Acho que precisamos conversar...
- Sobre o quê? - questionam os dois.
- Verão de 2005 - ele diz num suspiro.
- O que houve no verão de 2005? - Nancy encara o filho confusa.
- Eu não sei - ele diz dando ombros - digam vocês, por favor... Eu me lembro - ele pigarreia - de um envelope sobre a mesa, de um advogado, um acordo de divórcio.
- Isso faz muito tempo - Thom diz um tanto irritado - acho que não faz sentido.
- Ou faz - diz Nancy - querido, esses segredos, eles um dia vêm á tona e as pessoas se machucam, não é mesmo?
- Sim - responde Austin - e bem, talvez o que tenha acontecido já tenha mudado alguma coisa...
- Do que está falando? - pergunta Nancy.
- Nada demais - ele suspira - eu vi aquele envelope e pedi para todas as estrelas cadentes, por muitos anos, para que vocês dois não se separassem - ele riu - e eu nem mesmo sei o que estava acontecendo.
- Lá vem você de novo - riu-se o pai - com a sua bobagem de estrelas.
- Claro - Austin ri - bobagem ou não, eu era um menino, e isso, de alguma forma, me fez mudar algumas coisas.
- Certo - Thom suspira e levanta-se, caminhando até a mesa onde se serve de outra taça de vinho - Caroline Hammer, você já ouviu falar dela? - pergunta Thom ao filho.
- Não - responde Austin.
- Caroline foi, por muitos anos, a garota com quem eu deveria me casar - ele suspira - ela tinha uns anos a menos do que eu, e sempre foi desejo de nossos pais que o casamento acontecesse... Mas eu fui para o exército e conheci sua mãe, assim que voltei - ele responde.
- Ah, isso não faz muito sentido - Austin diz.
- Claro que não - o pai brinca - eu não acabei.
- A questão toda é que eu tinha um compromisso com ela - ele revira os olhos - um que eu não tinha feito, que eu nem mesmo tinha o poder de desfazer e assim, no verão de 1970, casei-me com Carol Hammer... - ele suspira - fizemos um acordo, ela e eu, de que cumpriríamos aquele destino que fora "traçado" por nossos pais, contanto que depois do casamento, eu a ajudasse a ficar fora de casa e conseguir um bom emprego...
- Certo - Austin parecia ainda mais confuso.
- Caroline Hammer e eu nos casamos, viajamos para o Caribe na lua de mel e aproveitamos como se estivéssemos solteiros - ele ri - acho que foi a viagem mais divertida da minha juventude: não tínhamos horários, nem responsabilidade... Voltaríamos para Vernon, passaríamos um tempo no apartamento sobre a oficina e nos divorciaríamos assim que ela conseguisse um emprego bom, ela era médica... Éramos uma boa dupla: eu namorava a sua mãe e ela, Antony Morris - ele ri - não sei porque fazíamos aquilo... Mas em um momento, antes de nos separarmos legalmente, ela descobriu que Morris a estava traindo e tentou negar o nosso acordo. Foram meses infernais.
- Anos infernais - diz mamãe - ela ameaçou contar à todos que seu pai a traia, como se fosse verdade... Eles nunca haviam nem mesmo dormido na mesma cama.
- O escândalo - o pai riu - foi que ela exigiu-me uma coisa, para que eu então, pudesse me ver livre dela: um filho. E eu assim o fiz... Ela tinha a pretensão de cria-lo sozinha e longe daqui, e assim ela o fez. Mas nunca assinou o acordo de divórcio, por isso que sua mãe e eu, não casamos no papel, não até você já estar na faculdade...
- Vocês estão brincando comigo?- riu Austin um tanto amargurado.
- Não - responde Nancy - sabíamos que seria difícil de compreender...
- É quase impossível - e assim, Austin sai batendo a porta.
Não conseguia pensar em outra coisa que não soasse como "não fosse a vida fodida dos meus pais, eu teria prometido estar lá para a Ellie, e as coisas teriam terminado diferentes, e agora, provavelmente, eu saberia aonde ela estava".