Janeiro de 2018
Savannah, Georgia
Ellie espreguiça-se longamente: na cama de casal estupidamente grande de Thom, o cheiro do perfume dele, do dela, de champanhe e de s**o:
- Bom dia - ele diz deslizando as mãos por suas pernas - descansou?
- Sim - ela responde bocejando - descansei, e você?
- Acho que deveria dormir mais - ele rola na cama, puxando-a novamente para junto de seu corpo.
- Preciso voltar para o hospital - ela diz rindo.
- Precisa comer - ele diz - tem uma hora ainda - e salta da cama - vou preparar alguma coisa enquanto toma banho.
Elie caminhou até o banheiro, já conhecido: sobre a bancada havia um escova de dentes dela, um carregador do seu celular, shampoo, o hidratante. O que ela estava fazendo? Podia ouvir Thom cantarolar na cozinha, ele gostava de cozinhar e ela sabia, tomou seu banho e vestiu seu tradicional branco. Assim que chegou ao térreo, ele parou o que estava fazendo:
- Tão linda, tão séria - ele brinca - nem parece a cadelinha s****a que estava na cama comigo há uns minutos...
- Boboca - ela o beija - estou com fome ! O que tem de bom?
- Bifes - ele sacode uma frigideira grande - e vegetais e só! Acho que não era o plano uma dieta tão balanceada, mas eu não fui ao supermercado, só à feira.
- Está ótimo.
Almoçamos em silêncio. Thom era bom, ele era bom demais... Era um companheiro inteligente e sagaz, que tinha um infinito repertório de assuntos, que a tratava como uma princesa. Era um amante de qualidades inquestionáveis, lindo, gostoso, sempre cheiroso e bem vestido. Sabia apreciar coisas boas e o luxo simples - ou seja, aquele que se desfruta sem ostentar. Era algo de bom em meio ao caos do hospital.
Quando alguma coisa dava errado, ele era acima de qualquer suspeita, e podia correr para a sala dela e confortá-la, quando ela exagerava, ele mudava sua escala de trabalho e a levava embora. Quando as folgas não coincidiam, ele cedia para ter tempo com ela, então sim, ele era uma das melhores coisas que ela tinha na vida daquele momento, e não cobrava, não exigia e não incomodava, o que era a melhor parte.
Norah não parecia satisfeita: era da opinião de que Ellie deveria casar-se, fazer as coisas do jeito certo e formar um família e mesmo adorando Thom, com todas as suas forças, era contra à aquilo que ambos estavam vivendo, dizendo que no fim, um deles, ou os dois sairia machucado.
Uma parte dela - ok, uma pequena parte - ouvia o que a sua avó lhe dizia e repetia diariamente "isso não vai dar certo" ou então "um de vocês, sairá magoado" e então, em uma linda, ensolarada e morna manhã de primavera, absolutamente tudo foi pro água abaixo: Ellie estava lá, almoçando sozinha , mais cedo do que o normal, porque tinha uma cirurgia na primeira hora da tarde, no mais absoluto silêncio do terraço do hospital, quando se pegou a olhar distraída as pessoas que caminhavam de um lado para o outro, apressadas, lá embaixo. Em meio aos seus devaneios, uma silhueta conhecida lhe chamou a atenção: Thom. E ele não estava sozinho. Havia alguém com ele, possivelmente era a chefe da enfermagem da pediatria: ela era jovem, magra, loira e disponível... Eles pareciam muito, muito íntimos enquanto caminhavam, de mãos dadas e sorridentes para o carro dele. Ellie desistiu, não conseguiu terminar de comer, mesmo tendo pedido o seu prato favorito em um dos restaurantes ali perto: apenas suspirou profundamente enquanto contemplou a ironia de sua própria desgraça daquele alto terraço, aquele era o seu dom, sempre escolher o homem errado, aquele com o maior potencial destrutivo, aquele vai ter a capacidade de causar o maior estrago... O homem que vai partir o seu coração, por diversas vezes.
Sempre fora assim: desde nova, desde o primeiro - que ela nem mesmo havia beijado, por infelicidade do destino - amor: Austin Bryans, o menino dos cabelos cacheados, o menino do acampamento, do Parque Nacional do Gran Cânyon e seu amorzinho platônico, por longos anos... E no fim, lá no fim, ele parte seu coração contando suas histórias sobre a garota que ele havia levado ao baile, a garota que ele havia beijado, a namoradinha... Aquilo partira o coração de Ellie.
Quando estava no ensino médio, havia Bruce McAvoy, e ele era um destruidor de corações, e ela sabia. E mesmo assim, ela aceitou o convite dele para o cinema, para o Baille, para a sua festa de aniversário e para a sua cama. Ele nem mesmo a deixara sair: terminara com ela na mesma noite e ainda riu, dizendo que ela fora boba de dar tão rapidamente tudo o que ele queria.
E assim, como se aquele lindo e ensolarado dia de primavera tivesse se tornado cinzento e sombrio, Ellie decidiu fechar-se novamente para o mundo... E não era a primeira vez.