Capítulo 3

1859 Words
BLAKE Ficamos paralisados um preso no olhar do outro. Engulo em seco tentando frear a velocidade dos meus pensamentos. É ela, a garota do hospital e a Lara, minha amiga de infância, são a mesma pessoa. Só posso estar vendo alucinações. O plantão de hoje foi pesado e sinto que a qualquer hora, entrarei em um sono profundo. Mas quando ela me encara e um sorriso tímido brota em seus lábios, meu coração salta no peito e sim, é ela. A garota risonha, cabelos loiros e olhos castanhos claros que conheci na minha infância. Ela se afasta minimamente como se estivesse saindo de um transe. Desvia seu olhar dos meus e afasta um longo fio loiro do rosto. — É bom vê-lo novamente, Blake. — Sua voz suave sussurra através dos seus lábios perfeitos. Demoro alguns minutos avaliando-os mais do que o normal. Rosados, carnudos, com um arco proeminente. Ela morde o lábio inferior involuntariamente e sei que pelo seu olhar indecifrável, devo estar parecendo um lunático. Lara tornou-se uma mulher muito linda, atraente e por mais que eu me esforce não consigo olhá-la diferente. Meus olhos continuam vagueando por seu corpo como se gravasse cada pedaço dele. Cada curva, traço, tonalidade alva como a mais delicada porcelana. Celina pigarreia chamando minha atenção. Corro as mãos pelo meu cabelo com um meio sorriso. — É bom vê-la também, Lara. — Concordo. Celina me envolve em um abraço, assim como Jorge. Apesar de não termos os mesmo laços sanguíneos, os sentimentos continuam. Sempre que posso, venho visitá-los, mas nesses últimos dias, não tenho feito como gostaria.  — Está vindo ou indo para o hospital, filho?— Jorge pergunta. — Na verdade, estou voltando de um plantão exaustivo e hoje dormirei na casa dos meus pais. Sabe como é, dona Melissa quer todos os filhos debaixo da sua saia —  Murmuro e Lara sorri suavemente, seus olhos brilhando quando menciono o nome da minha mãe. — Entendo ela, filho. Nada melhor que termos nossos filhos bem pertinho de nós — Vó Celina sussurra com um sorriso triste.  Abraço-lhe pelo quadril deixando um beijo casto em sua bochecha. Por mais que tenha se passado muito tempo eles ainda sentem saudades do filho. — Vó, vô, foi um prazer revê-los, mas agora tenho que ir. Prometo voltar em breve. - Lara os abraça com a promessa de sempre visitá-los. Meu coração salta novamente no peito adorando ter essa informação. Ela caminha em minha direção com os lábios curvados em um sorriso gracioso. — Até mais, Blake — Sussurra me abraçando e deixando um beijo rápido em minha bochecha. Fecho os olhos inalando seu cheiro doce. — Filho, você poderia levar Lara até sua casa? — Jorge sugere e Lara arregala os olhos, constrangida. — Vô, não precisa. Estou de carro. — É rápida em responder. — Bem, nesse caso me sentiria mais tranquilo se ele fosse, mas já que está de carro, tudo bem.  Lara sai praticamente correndo da sala nos deixando atordoados. — Ela é um pouco arisca, mas não desistirei dela — Celina murmura com um sorriso. — O que achou dela, filho? — Pergunta me pegando de surpresa. Reflito por alguns segundos e continuo em um estado de êxtase. Quando criança, sonhava com esse momento. De reencontrá-la novamente. Ensaiava frases para serem ditas para ela. Conforme o tempo foi passando, meu sonho ficou cada vez mais distante. Ao vê-la outra vez, algo renasceu aqui dentro, algo grandioso, que não sei explicar. Ela é simplesmente… Maravilhosa!  Acabo pensando alto demais a última parte. Celina e Jorge esboçam um sorriso estranho nos lábios. Trocam olhares e sussurram entre si. — Sim, ela é! — Concordam. Converso algumas amenidades com eles e também me despeço, hoje o dia foi cansativo e tudo que desejo é a boa comida da minha mãe e cama. Estou saindo da mansão quando vejo Lara debruçada contra o volante do seu carro, um Fiat branco, resmungando sem parar em uma tentativa de ligá-lo.  Aproximo-me da janela e bato suavemente chamando a sua atenção. Ela baixa o vidro com suas bochechas se tornando um vermelho vivo adorável. — Posso ajudá-la? Ela faz uma nova tentativa de ligar o carro e falha. Bate a testa no volante e sussurra contra ele. — Parece que sim! Ela abre a porta do carro e desce torcendo os lábios em uma linha fina. — Olha, não entendo nada de mecânica como meus irmãos, mas posso levá-lo na oficina do meu pai e lá resolveram o problema. Enquanto isso, garanto que Jorge não se importará de lhe entregar algum carro disponível da sua garagem. Ela balança a cabeça discordando. — Não. Eu posso ligar para Emma, minha colega de quarto, e pedir para ela vir me buscar.  Percebo pela sua expressão que fui infeliz na sugestão. Como Celina mesmo afirmou, Lara é arisca e não é acostumada com esse tipo de regalia. Enfio minhas mãos nos bolsos frontais do meu jeans e a observo. — Tudo bem.  De repente um estalo me vem à mente e fico tentado a lhe oferecer uma carona. O máximo que pode acontecer é outra recusa da sua parte. — É… Posso lhe oferecer uma carona, se for do seu agrado. Ela começa a contornar o carro, abre o porta-malas e pega algumas bolsas e se aproxima parando a centímetros de mim. — Certo, eu vou com você. — Obrigada! Concentrei-me em suas sardas, sete em cada lado do rosto e não em seus lábios que a cada palavra sussurrada soava como um maldito convite. Começo a me arrepender de tê-la convidado. O que há de errado comigo, oras? Estou agindo como um psicopata aleatório. E ficar em um pequeno espaço ao seu lado, sentindo seu cheiro não ajuda muito. Grunho baixinho. A guio para meu carro, um Fusion preto. Após pedir para Léo, o chefe da segurança cuidar para que alguém leve o carro de Lara a oficina do meu pai,  passamos pelos grandes portões da mansão, escutando ela suspirar, como se estivesse aliviada por deixar o local. — Esse universo te assusta? — Pergunto de soslaio. Ela solta uma risada baixa e sinto seus olhos em mim. — Qual universo? Uma vida repleta de luxo e riqueza? — Sua voz murmura calmamente. Aproveito que o sinal fechou e me viro em sua direção. Ela arqueia uma sobrancelha e ergue os cantos dos lábios segurando o riso. — Não. É… eu só não me vejo nela. — Entendo. — Coloco uma mecha de cabelo atrás da sua orelha e ela engole em seco. Nossos olhares se encontram e sinto uma pontada no peito. Seus olhos caem sobre meus lábios e inalo profundamente me inclinando em sua direção, saboreando seu cheiro adocicado de frutas vermelhas. Sua respiração quente roça a minha pele. Estamos tão perto e… somos interrompidos por uma sessão de buzinas ensandecidas atrás de nós. A névoa em que estávamos envolvidos foi dissipada. E um clima estranho se instaurou no pequeno espaço.  Lara se afasta sem me olhar nos olhos com o rosto virado para a janela do carro. Os próximos segundos fluíram com um silêncio ensurdecedor.  — Então, como é estar de volta à cidade após terem se passado dezoito anos? — Sou o primeiro a quebrar o nosso silêncio. Ela suspira com um sorriso triste. — Não é nada como gostaria. Me amaldiçoou mentalmente. — Desculpa. Sou um i****a, você perdeu sua mãe, então… — Não, você não é — Sussurra olhando brevemente em meus olhos. — Foi um infarto fulminante, não foi? Ela assente e percebo seus olhos marejados.  Decido mudar o rumo da conversa para um mais alegre, arrancando alguns sorrisos tímidos dela. — Aposto que deve ter uma legião de pacientes, para atender. Principalmente do sexo feminino. Imagina se elas perderiam a oportunidade de serem examinadas por você.  Paro em outro sinal vermelho e viro-me em sua direção com um sorriso malicioso. Um rubor começa a se espalhar por seu colo e percorre seu pescoço, se concentrando em suas bochechas. Lara tem seus olhos vidrados nos meus e passo a língua nos lábios sentindo a garganta secar, a achando muito sexy. O clima esquentou e sei que ela também percebeu isso. — E porquê você pensaria isso? Seus olhos dobram de tamanho e ela solta uma risada nervosa. Coloca suas mãos sobre sua face murmurando: — Esquece que eu disse isso, por favor! Pego em seu joelho, ainda sorrindo quando sinto sua pele abaixo da minha. Uma descarga elétrica. Foi isso que eu senti quando a toquei. Sua expressão se torna séria e retiro rapidamente minha mão, não querendo prolongar essa sensação correndo por todo meu corpo. O sinal abre e coloco o carro em movimento, roubando alguns olhares furtivos dela. — Você está com alguém, Lara? — Quando dou por mim, já tinha pronunciado essas palavras. Droga! Rosno baixo. Acabei de reencontrá-la, e já estou bancando o i****a, pela segunda vez. Ela desvia seu olhar da paisagem lá fora e olha para o colo onde torce nervosamente suas mãos. — Não. — E você, está com alguém?— Rebate e fico em silêncio enquanto procuro as palavras certas para lhe dizer. Ela suspira e se ajeita no banco. — Suponho que a resposta seja não — Murmura — Parece que sua vida é bem agitada para pensar em um relacionamento. Suspiro.  Definitivamente, sou um maldito covarde. Pois, me vejo concordando com suas palavras. — Tudo bem. Você é jovem, bonito, logo pintará alguém legal para desacelerar essa sua rotina maluca. — Sorri e me vejo retribuindo seu lindo sorriso. Suas sardas se espalham pelo seu rosto e me pego hipnotizado.  Embora, não me sinta confortável em deixá-la acreditar que não, tenho alguém. Não sou homem de rodeios e nem meias-palavras, mas se tratando dela não sei como agir. Ela bate levemente em meu joelho e aponta para um prédio de quatro andares. — Eu moro nesse prédio.  Estaciono meu carro na calçada, em frente ao edifício Golden. Apesar de ser recém-reformado, não é muito seguro. Apenas um guarda do lado de fora que mais dorme ao invés de ficar alerta. Tem o zelador, Jorge, um senhor de idade que já não possui cem por cento da sua audição. Celina e Jorge com certeza não ficariam contentes com a moradia da neta. Mas não é da minha conta. Lara é uma mulher adulta e responsável por si. Ela recolhe suas bolsas e a ajudo a descer do carro. O ar frio da noite a faz estremecer e sinto uma bruta necessidade de abraçá-la e aquecê-la. Tudo fica pior quando seu cheiro delicioso alcança minhas narinas. — Obrigada pela carona, Blake. —  Agradece e se aproxima exatamente no momento em que viro o rosto quando ouço o som do alarme do meu carro disparando. Seus lábios tocam suavemente o canto da minha boca me fazendo ofegar em surpresa. Ela se afasta rapidamente com o rosto queimando de vergonha. Mal tenho tempo de lhe dizer algo e me vejo parado em frente ao seu prédio, totalmente sozinho, respirando com dificuldade. Sentindo meu corpo febril com apenas o roçar dos seus lábios macios nos meus.
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