LARA
Abraço meu próprio corpo como se de alguma maneira pudesse sentir o calor do seu abraço. Uma semana se passou e eu ainda ouço sua voz cantarolar baixinho enquanto preparava o café da manhã. Até mesmo o cheiro envolvente da bebida escura, o seu perfume misturado com o cheiro viciante de suas panquecas. Suspiro deixando uma lágrima solitária rolar na minha face. Se eu soubesse que aquela tarde em que saí para trabalhar seria a última, eu teria me despedido melhor. Não só com um abraço rápido e um beijo na bochecha costumeiro, mas sim com palavras que sei que ela merecia ouvir. Um, “eu te amo,” que ela é a pessoa mais importante da minha vida e que devo tudo que sou hoje a ela. Mas não pude. O destino não quis, e não me conformo por isso.
Uma mão familiar acaricia minha bochecha e me estende uma xícara fumegante de café.
— Se eu pudesse arrancaria toda essa dor que você carrega aí dentro. — murmura com um olhar triste e se senta na beirada da cama, recolhendo o restante dos pertences da minha mãe.
Sorrio fraco sabendo que Emma seria mesmo capaz de tudo por mim. E eu por ela. Somos nossa própria família.
Sento-me ao seu lado e ela me envolve pelos ombros onde descanso minha cabeça sem forças para mais nada. O enterro da minha mãe, e ter que separar suas coisas para doação, levou muito de mim.
— Seus avós ligaram, eles querem te ver Lara, confortá-la. Sabemos que eles têm sentimentos verdadeiros por você. Sua mãe, apesar de não ter uma relação boa com eles, sempre lhe disse isso. Que eles te amam!— Emma sussurra acariciando meu cabelo e balanço a cabeça concordando.
Sorvo o café, passando o dedo sobre a borda da xícara, olhando o líquido n***o ondular sobre meu toque.
— Eu vou vê-los — Murmuro — Diga isso, caso eles liguem novamente Emma, por favor!
Termino de tomar o café e olho que horas são no visor do meu celular constatando que se aproxima da hora que marquei com uma cliente, ela está grávida e deseja fazer um book para eternizar esse momento glorioso na vida de uma mulher.
— Tenho uma sessão de fotos para fazer. Você pode terminar isso para mim? — Pergunto apontando para o amontoado de roupas e pilhas de sapatos espalhados pelo quarto.
Emma tem um meio sorriso no rosto.
— Claro que posso!— Afirma, começando a pôr a mão na massa.
Deixo um beijo suave em sua bochecha e caminho rumo ao banheiro onde tomo um banho relaxante, disposta a renovar minhas energias.
De banho tomado, seco meu cabelo com o secador e visto um vestido claro com algumas estampas e calço uma sandália rasteira. A sessão de fotos será no parque, em pleno ar livre, então, o look cairá muito bem com o clima fresco de hoje.
Antes de sair me despeço de Emma com um longo abraço apertado, sussurrando o quanto a amo. Após o falecimento da minha mãe, criei um certo trauma, e dizer o que sinto, para a pessoa que julgo ser importante na minha vida, de certa forma acalenta meu coração.
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Suspiro sentindo um misto de satisfação brotar em mim. Um sorriso bobo rasteja em meus lábios, e se alarga quando Maria, a grávida mais linda que conheci, sorri em êxtase adorando o resultado das fotos.
— Ficaram lindas, Lara! — Comemora de olho em cada foto que mostro na lente da minha câmera.
— Fico feliz que gostou, Maria! — Sussurro com um sorriso perfeito em meus lábios.
Não tiro fotos, por tirar. A cada clique
consigo captar a essência de cada pessoa, sua personalidade, sua alma ou seu estado de espírito. Cada pessoa tem algo diferente dentro de si. Algo reservado, revelador, assombroso, encantador. E de certa forma isso é incrível e me traz um fascínio que não consigo entender.
Começo a guardar meus equipamentos quando ouço meu celular vibrar dentro da minha bolsa. O pego e desbloqueio a tela percebendo ser uma mensagem da minha avó me chamando para jantar em sua casa. Aperto o celular entre meus dedos refletindo se devo ou não ir. Decido que está na hora de vê-los, minha questão não tem nada a ver com eles, nem posso culpá-los pelas atitudes do filho. Quando estou colocando o celular de volta na bolsa vislumbro um fino lenço branco e me recordo imediatamente de um par de olhos verdes hipnotizantes. A intensidade e preocupação genuína que transbordavam deles me tiraram o ar. Embora a circunstância fosse a mais triste possível, não deixei de observar sua beleza. E confesso que senti uma sessão de já o conhecer uma vida toda, o que é bem estranho. Balanço a cabeça apagando esse pensamento bobo. Provavelmente não o verei mais. Dirijo calmamente seguindo para a mansão da família Gurgel. Minhas mãos derretendo em suor, um frio reverberando meu estômago. Não entendo porque estou tão nervosa.
O portão se abre como um castelo de filmes de princesa, cercado como uma verdadeira muralha. Há seguranças por toda parte, e o mais intrigante é que eles me deixam passar sem pedir nenhum tipo de identificação. Respiro fundo descendo do meu automóvel e o trancando em seguida. O ar esplendoroso e chique da bela mansão me ricocheteiam como um lembrete que vim de uma família excepcionalmente rica, a qual não me encaixo.
O jardim bem cuidado, com variedades de flores de todas as espécies, uma área com uma piscina, que mais parece uma quadra de basquete. Franzo o cenho sem conseguir entender o porquê de tanto exagero, se eles só tiveram Alex como filho.
Não me dou o trabalho de inspecionar mais nada. Entro e logo sou recepcionada por Joana, governanta da casa. A qual não me recordo bem, mas o que é vívido em minha lembrança é o seu sorriso, e esse continua o mesmo. Doce, terno, carinhoso. A abraço lhe surpreendendo. Sua postura ereta e elegante vacila por alguns minutos, mas é o suficiente para sentir seu abraço caloroso.
Seus olhos castanhos escuros me esquadrinham com felicidade. Seu cabelo em um coque elegante exibia uma coloração prateada. Seu rosto com traços finos e bem cuidados, embora, já revelasse sinais da sua idade. A observo com um sorriso.
— Menina! Olha para você— Murmura pegando em minhas mãos.
— Já é uma mulher feita. E linda!
Sorrio novamente lhe dando outro abraço.
— Lara? É você, minha neta? — Uma voz aveludada pergunta atrás de mim.
Viro-me encarando uma figura elegante à minha frente. Vestida em um conjunto social branco e um colar de pérolas que tenho certeza que valem uma grana, e um sorriso carinhoso nos lábios. Seus cabelos loiros se balançam com perfeição à medida que ela se aproxima emocionada, me analisando com verdadeira admiração. Seus olhos idênticos aos meus se rompem em lágrimas e ela me abraça apertado.
— É você filha. Oh, meu Deus! Você não sabe como sonhei com esse momento. De vê-la novamente, poder abraçá-la. — Murmura acariciando meu cabelo.
Se afasta minimamente deslizando seus dedos longos e delicados, contra minha face.
— Eu sinto muito, filha. Por sua mãe… posso imaginar a dor que deve estar sentindo — sussurra e sinto uma pontada no peito.
É como uma ferida, que precisará de tempo para cicatrizar. Embora, a todo momento sinto a dor moer meu coração.
Celina me puxa para o luxuoso sofá em couro da sala e me sento do seu lado me sentindo um pouco culpada e desconfortável pelo seu carinho.
Passo uma olhada rápida no ambiente que embora seja muito luxuoso, é lindo de se apreciar. Por mais que bens materiais não sejam prioridades em minha vida.
Há muitos quadros com pinturas pela sala, vasos delicados e de muito bom gosto. Alguns vasos possuem arranjos com orquídeas. Móveis muito sofisticados, ao contrário do meu apartamento minúsculo que divido com Emma. Prezamos pelo conforto, e não pelo o luxo.
Passo os próximos minutos respondendo pacientemente suas perguntas, e o porquê de ter me mudado há um mês e não ter visitado antes. Logo outra figura aparece na sala. Sua postura imponente, cabelos castanhos bem alinhados, com um metro e noventa, mas que se derrete em um sorriso bem reluzente quando me vê.
— Só posso estar em um sonho. Não é possível que tenha um anjo lindo sentado em minha sala— murmura com um sorriso brincalhão nos lábios.
Levanto-me sendo agarrada por dois braços fortes.
— Minha neta! Que felicidade finalmente vê-la. — Sua voz vacila e posso jurar que notei algumas lágrimas em seus olhos.
Sorrio sem graça, enquanto seus olhos negros me avaliam minuciosamente.
Sua mão áspera passeia pelo meu rosto e cabelo em uma carícia suave.
— V-ocê… É uma cópia fiel do seu pai. — Sussurra me puxando novamente para um abraço. Seguro-me para não gritar que não sou nada parecida com ele.
— Filha, já soube da morte da sua mãe, infelizmente soubemos um pouco tarde e não pudemos estar ao seu lado em um momento tão doloroso como esse — Suspira. — Sinto muito! Quero que saiba que estaremos aqui sempre, meu anjo — diz com um sorriso caloroso e concordo com a cabeça desviando o meu olhar do seu.
Sinto-me como um animalzinho indefeso indo para um lugar totalmente estranho, que se sente acuado até mesmo por uma brisa suave. Como minha avó, ele quis ter um breve resumo do que eu fiz durante todos esses anos. Respondo o seu questionário à mesa, durante o jantar. A cada gesto meu, sentia seus olhos em mim. Confesso que não me agrada ser o centro das atenções.
— Filha, a última vez que falamos com sua mãe, ela nos revelou que você estava trabalhando com fotografias. Ainda continua? — Meu avô pergunta visivelmente interessado.
— Sim. — largo o talher no prato e concordo com um meio sorriso.
— Que maravilha, filha! - minha avó comenta empolgada.
— Quando era mais jovem adorava fazer trilha e tinha sempre minha velha máquina fotográfica em mãos. Naquele tempo não tinha essa tecnologia toda, mas era simplesmente encantador captar a essência de um lugar ou pessoa — sussurra com um sorriso saudoso como se lembrasse de algo distante.
Sorrio começando a me sentir conectada a eles, nem que seja por uma paixão em comum.
— Então, já tem um estúdio aqui na cidade? — Seu olhar esperançoso em minha direção — posso te ajudar com isso. Tenho ótimos imóveis bem localizados. É seu se quiser, o que melhor lhe interessar— Jorge sugere, e engulo em seco.
Ajeito-me desconfortavelmente no assento não gostando do rumo que a conversa está tomando.
Balanço a cabeça discordando.
— Obrigada, mas eu estou bem instalada em um estúdio no centro da cidade.
Seus olhos negros piscam por breves segundos. Um rastro de decepção passa por eles.
Celina sorri em cumplicidade para ele que retribui minimamente.
Não quero parecer ingrata, mas prefiro me virar sozinha, sem a influência que a família Gurgel possui.
— Tudo bem, fico feliz. Mas não hesite se precisar de qualquer coisa.
— Okay! — murmuro sem saber o que dizer para eles.
Quando anuncio que tenho que ir, eles demonstram uma certa tristeza. Acabo prometendo que os visitarei mais vezes.
— Olha, quem resolveu nos visitar. Hoje é o nosso dia de sorte, Celina!
A voz do meu avô troveja felicidade. A poucos centímetros em pé na sala de visitas, está um cara de olhos verdes e sorriso brilhante. À medida que me aproximo tenho uma visão mais clara e então, seus olhos cravam nos meus.
O ambiente pareceu pequeno diante da sua presença.
Seus olhos brilham em curiosidade e de repente um sorriso perfeito se espalha por seus lábios evidenciando suas covinhas.
Estou paralisada. Em choque. Não pode ser ele… Está tão… Lindo!
Seus cabelos castanhos bagunçados, lhe dando um ar desleixado e, ao mesmo tempo, sexy! Meus olhos vagueiam por seu corpo sem que eu perceba. Alto, forte, ombros largos e um sorriso desconcertante.
— Blake, você se lembra da Lara, não? Vocês costumavam ser inseparáveis quando crianças— Minha avó Celina inquire com um sorriso.
Minha boca se abre e fecha sem conseguir racionalizar uma frase coerente.
Ele parece genuinamente surpreso, tanto quanto eu.
— Nossa… É… Sim!
— Lara! — Pronuncia meu nome com um sorriso tímido, como se recitasse uma poesia.
Esfrego minhas mãos uma na outra tentando não suar, mas do que estou suando agora. Meu coração batendo fortemente no peito.
Limpo a garganta sem graça diante do seu olhar demorado em minha direção.
— Blake, então, você é médico? — Pergunto, me lembrando da primeira vez que o vi no hospital . Não é atoa ter sentido aquela sensação de já o conhecer.
Ele sorri me pegando de surpresa em um abraço apertado. Leva alguns minutos para que eu o corresponda. Mas quando o faço, me sinto bem, protegida. Esse abraço com certeza foi um dos melhores que já recebi em toda minha vida. Suspiro internamente.
Seu cheiro marcante assalta minhas narinas e meu corpo todo se arrepia com seu calor.
— Sinto muito! Por sua mãe, por todo seu sofrimento. — Sua voz rouca sussurra em minha orelha e estremeço sentindo algo estranho no peito.
Rapidamente desfaço nosso abraço sendo consumida por dois pares de olhos verdes hipnotizantes, que me envolveu como uma chuva torrencial em dia de inverno.