- Andy narrando:
Fico encarando a porta por alguns minutos, dá onde estou, até criar coragem para ir ao box dele.
Ainda nem entrei em seu leito e já percebo seu rosto sereno, como se ele apenas dormisse tranquilamente. Se não fosse o tubo enfiado em sua boca daria para dizer isso, mas também tem sua cabeça enfaixada e suja de sangue, além de todos os aparelhos que o monitoram ou o mantém vivo.
Ainda na porta eu confiro os seus sinais vitais no monitor, na prateleira acima da cama, e constato que eles estão estáveis. Também, com meia dúzia de bombas infusoras, infundindo dezenas de drogas para manter seus parâmetros normais... Isso também não quer dizer que ele esteja vivo. Se seu cérebro parar de funcionar, conseguiríamos mantê-lo vivo assim por dias. Só com drogas e aparelhos.
Balanço a cabeça para afastar o pensamento fúnebre e me aproximo da cama dele.
Ele não vai morrer! Repito mentalmente.
— Oi, estranho. — digo olhando para o seu rosto e rindo da forma que achei de chamá-lo. — Por favor, espere pelo menos acharem sua família. — sussurro para ele. Ninguém merece morrer assim, sem ninguém por perto, sem se despedir de quem se ama... Ele deve ter família! Talvez até seja casado, tenha filhos. Eu não sei... Pelo menos alguém deveria estar aqui.
Decidir se vão doar os órgãos dele ou não. Por Deus! Quem não doaria?!
Um corpo jovem e saudável como o dele mudaria a vida de dezenas de pessoas.
— Andy? — sobressalto e giro o meu corpo para olhar para a porta. — Estão te procurando. É da urgência.
— Diga que já estou voltando. — a enfermeira dá um sorriso tenro e assente, saindo da porta do box do paciente.
— Volto amanhã de manhã. — falo para ele. — Tente ficar vivo até lá. Tudo bem?
Coloco a mão no seu peito e sinto seu coração bater tão forte que sinto o seu pulsar em minha pele, menos através da camisola do hospital.
Quando saio do CTI me lembro que acabei não almoçando e que, provavelmente, não terei tempo para comer nas próximas horas. Ainda no corredor, paro na máquina de guloseimas e pego uma barra de cereal, um suco de laranja e como enquanto caminho até a urgência.
Quando chego, já terminei de comer e me ocupo em atender os pacientes pelo restante do dia, até a hora de eu, finalmente, poder ir para casa.
Eu sempre odiei essa hora, a de ir para casa, mas hoje, excepcionalmente, eu estava com esse desejo. Principalmente de dormir em uma cama decente. Coisa que não faço há dias.
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A primeira coisa que faço quando chego em casa, depois daquelas exaustivas 60 horas de plantão, é me lembrar de não me sentar no sofá ou dormiria nele assim que meu corpo relaxasse.
Então, eu jogo minha bolsa de viagem nele e aperto o botão da secretária eletrônica no aparador ao lado da porta.
— Oi, Andy. É a mamãe... — sua voz ecoa pelo meu apartamento. — Sei que está ocupada e que eu não deveria deixar sete recados na sua secretária, mas eu só estou preocupada, seu pai também... — a mensagem é cortada por um bip.
Rio quando percebo que as outras 6 mensagens que estão na secretária também são dela e apago todas, sem nem ao menos ouvi-las.
Pego o meu celular na bolsa e, depois de desbloquear a tela, ligo para ela.
— Andy, minha filha. — ela atende angustiada.
— Oi, mamãe. Eu estou bem. — rio e acabo me sentando no sofá da sala.
Meu apartamento é legal. Gosto dele e sei que deveria passar mais tempo aqui, mas gosto mais de ser médica, então o hospital continua sendo meu lugar favorito. Voltando ao apartamento, ele é um único cômodo, amplo e arejado, com um quarto separado. Tem uma TV em cima de um móvel de madeira maciça e, na frente dela, um jogo de sofás marfim. Do lado direito, uma vidraça com porta dupla que dá para a varanda, do outro lado, a cozinha branca e uma mesa de jantar com 6 cadeiras da mesma madeira do móvel da TV, tem um enorme quadro atrás dela. Duas portas ficam atrás do sofá, a do banheiro social e a outra da minha suíte.
— Está bem? Tem quase uma semana que não dá notícias. — seu tom me entristece e eu desvio minha atenção da minha sala para dedicá-la integralmente a minha mãe.
— Mamãe, só faz 3 dias. — rio, mas entendo seu desespero.
— 3 dias é muita coisa para uma mãe.
— Como está o papai? — pergunto tentando mudar de assunto.
— Com saudade de você. — ela reclama. — Todos nós estamos com saudades de você.
— Irei aí no final de semana. Tudo bem?
— Você sempre diz isso.
— Eu prometo. — me levanto do sofá quando minhas pálpebras começam a pesar demais e sinto que vou dormir a qualquer momento.
— Sentimos sua falta, Andy.
— Eu também, mamãe.
Me despeço dela e vou até a cozinha. Deixo meu celular sobre a ilha e abro o congelador atrás de qualquer coisa que eu possa me alimentar sem me dar trabalho e encontro um macarrão com queijo congelado, desses que já vem pronto no mercado.
O enfio no micro-ondas e coloco o tempo conforme a instrução da embalagem, enquanto isso me sirvo com uma taça de vinho tinto com a garrafa que está aberta na porta da geladeira.
Demoro menos tempo para comer do que o tempo que o macarrão demorou para ficar pronto e vou para o banheiro da minha suíte carregando minha taça comigo. A coloco no balcão da pia e me dispo, deixando a roupa suja ao lado da taça, sobre o balcão da pia.
Tomo um banho quente de chuveiro e quando saio, termino de beber o meu vinho. Ainda estou de roupão e com uma toalha enrolada no cabelo úmido quando me deito por alguns minutos.
— Andy? — ouço meu nome ser chamado por uma voz masculina desconhecida, mas agradável, e giro o meu corpo em 180 graus para achar quem me chama.
É um homem alto e muito bonito. A primeira coisa que me chama atenção em seu rosto são as suas sobrancelhas marcantes e o traço forte da sua mandíbula. Ele não tem menos que 1.90 e seu cabelo castanho é um pouco mais comprido do que o normal para um homem, seus fios chegam até o topo das suas orelhas.
— Sim? — confusa, olho para ele profundamente. Sei que o conheço de algum lugar, mas não me recordo de onde.
— Você é ainda mais bonita pessoalmente. — ele diz se aproximando e toca o meu rosto.
— Nos conhecemos? — pergunto erguendo um pouco o meu rosto para olhar em seus olhos. Sei que deveria me afastar, eu m*l o conheço, mas não consigo. Virei um amontoado de massa quando o homem tocou em mim.
— Talvez. — ele sorri. — Ou talvez eu seja o homem dos seus sonhos.
Ele ri e isso me faz ver os seus dentes perfeitamente alinhados e é impossível não rir junto com ele.
— Não está grandinho demais para acreditar nessas coisas? — brinco e ele dá de ombros quando tira sua mão do meu rosto.
— Nunca é tarde para acreditar em qualquer coisa, Andy. — ele se vira para ir embora, mas seguro o seu braço.
— Quem é você? — questiono, confusa, unindo minhas sobrancelhas para o desconhecido. Ele se inclina sobre mim até alcançar a minha orelha esquerda e então sussurra:
— Oi, estranho.
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