Capítulo 1
- Andy narrando:
Bip bip bip. Bip bip bip.
Acordo assustada com o barulho estridente do meu pager bem perto do meu ouvido. Ergo a minha cabeça e, ainda sonolenta, tateio a pequena cama de solteiro com a mão direita em busca do meu celular.
Abro os meus olhos e a claridade da tela me cega por alguns segundos. Tento ajustar a minha visão, mas m*l enxergo o visor.
São 3:17 da madrugada, é o que consigo ver.
Que m***a!
Largo o celular e pego o pager, olhando as letras embaralhadas no visor. Pisco os olhos com força algumas vezes e isso me ajuda a ajustar, de vez, a minha visão.
Paciente do box 4 arrancou o tubo.
É o que está escrito no pequeno aparelho em minhas mãos.
Deixo minha a minha cabeça cair de volta no colchão e encosto a testa no macio do travesseiro.
Eu deveria voltar a dormir. Provavelmente alguém vai resolver isso, qualquer médico recém-formado intubaria um paciente.
Eu posso voltar a dormir.
Posso fingir que não ouvi o bip do pager. Posso usar às 40 horas ininterruptas de plantão como desculpa para o cansaço que não me permitiu ouvir o bip, mas sou a líder do plantão e chefe do CTI3 do segundo melhor hospital de Chicago, nas horas vagas. O que não me dá o direito de ignorar um chamado no meu pager.
O pager vibra forte no aperto da minha mão e toca novamente.
— Pelo amor do Santo Deus, Andy! — alguém reclama do outro lado do quarto. Provavelmente, quem acordou com o barulho infernal do meu bip.
Me forço a sair da cama. Enfio meus crocs rosa claro nos pés, com pins de cupcakes e de sorvete, pego meu jaleco pendurado em um gancho atrás da porta do estar médico e saio do quarto.
A claridade e a movimentação do corredor me desperta. Coço os meus olhos e refaço o coque no meu cabelo, bem no topo da cabeça. Sou líder do CTI3 do Northwestern Memorial Chicago, um cargo que estudei e lutei muito para conquistar. Não vai ser uma noite m*l dormida que ficará entre mim e a minha carreira.
É apenas mais uma.
— Como ele conseguiu fazer isso? — digo assim que chego ao posto médico, depois que percorri poucos passos para fora do quarto.
— Foi muito rápido. — James me responde, já me entregando um avental descartável e uns óculos para p******o dos meus olhos. — Quando vimos, o alarme já estava soando.
— Cadê o Patrick? — questiono me aproximando do paciente e sorrio para a fisioterapeuta que tenta ofertar oxigênio para o paciente com uma máscara mais simples. — Ele não deveria estar de olho nos pacientes?
— Ele não respondeu ao chamado, Andy. — encaro James, meu amigo e enfermeiro do nosso plantão, e ele faz uma cara que conheço bem. Algo do tipo "Não me olhe assim, garota. Isso é problema seu".
O filho de uma mãe tem razão.
— Me lembre disso quando eu estiver completamente acordada. — James ri.
— Com toda certeza, gata.
Nos paramentamos e James me ajuda na tarefa de intubar o paciente novamente. Depois de tudo feito, tiramos o oxigênio da máscara e acoplamos ao tubo orotraqueal. A fisioterapeuta se encarrega em ajustar os parâmetros da máquina que o ajudará a respirar e eu e James recolhemos toda a bagunça que fizemos.
— Café? — ele me oferece quando chegamos ao balcão do posto médico.
— Preciso de uns 2 litros. — caminhamos juntos até a cafeteira e nos sentamos em uma das macas que fica no recuo do corredor.
— Quando irá para casa? — James me questiona enquanto assopro meu café na caneca branca de porcelana.
Ele é meu amigo há anos ou o que eu já tive mais próximo de ter um. Conhece minha vida melhor do que ninguém e sabe que não gosto de estar em casa. Eu não tenho nada para fazer em casa. Não tenho amigos, não tenho hobbie, não sei cozinhar, a única coisa que sei é salvar vidas e isso eu faço muito bem, por isso, não saio do hospital.
— Isso aqui ainda vai te m***r, Andy. — ele diz com um tom triste, sem esperar a minha resposta.
— Então morrerei fazendo o que amo. — sorrio para ele, vitoriosa, e beijo sua bochecha.
— Eu me preocupo com você, gata.
— Não deveria. — retruco e dou um longo gole no meu café. Sentindo o líquido escaldante descer pela minha garganta e me aquecer de dentro para fora.
— Porque não saímos e conhecemos pessoas?! — indaga, animado.
Não! Tudo menos isso!
— Porque tenho preguiça de conhecer pessoas, James. Você sabe. — ele ri. — E porque a vida que eu levo não permite incluir nenhuma outra pessoa nela.
— E se você diminuir o ritmo? — irritada, pulo da maca e lhe entrego minha xícara de café. Preciso encerrar o assunto antes que eu brigue com ele.
— Jay, eu te amo e preciso dormir. — caminho de volta pelo corredor, mas giro meu corpo, andando de costas para olhar para ele. — Vá ser feliz lá fora. Eu sou feliz aqui!
Ele gesticula como se eu tivesse falado uma grande besteira e eu me viro novamente, percorrendo o caminho até o quarto dos médicos.
Tiro o jaleco, deixo meu crocs ao lado da cama e me jogo no colchão.
Isso me faz pensar que não sei porque comprei uma cama para o meu apartamento. Não me lembro de ter dormido nela nos últimos meses. Quando não estou dormindo no hospital, estou pegando no sono, exausta, no sofá de casa.
Já são 5:15 quando me deito novamente e eu espero que até às 7 horas da manhã nenhum dos meus pacientes decida aprontar outra vez. Sei que já estive pior, mas essas chegaram perto de ser às 48h seguidas de plantão que foram as mais cansativas da minha vida.
Completamente sem sono, vagueio pelos aplicativos do meu celular e vejo algumas mensagens da minha mãe que eu ainda não li.
Merda! Amanhã preciso ligar para ela.
Meus pais me odeiam. Eu sou a pior filha única do mundo. Certeza!
O sonho da minha mãe era que eu fosse bem menininha. Me casasse, tivesse uma penca de filhos e vivesse feliz no subúrbio com algum marido rico.
Mas eu não fui feita para amar alguém, eu fui feita para amar algo e nesse caso é a medicina.
Está legal, eles não me odeiam, isso foi drama demais, mas sei que não suportam as minhas escolhas.
E elas são tudo o que eu sei ser.
Não existiriam Andy sem o hospital. Eu não conseguiria viver sem praticar a medicina.
De repente começo a ouvir uma música enjoada bem no fundo da minha mente, ela vai ficando cada vez mais alta e audível e quando acordo é que percebo que peguei no sono.
Droga!
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