- Andy narrando:
Quando consigo me recompor, saio do box 1 e caminho para a sala de controle da radiologia.
O neurologista, o radiologista e o resto da equipe dele estão concentrados nos monitores que mostram, em tempo real, o exame do garoto, que está dentro da máquina de tomografia computadorizada. Através da ampla janela de vidro, de dentro da sala de controle, conseguimos ver tudo o que se passa na sala de exame.
— E então? — pergunto, apreensiva, com muito medo da resposta.
— Quer começar por onde? — o neurologista me responde em tom de brincadeira quando se levanta e passa por mim sem me dar a resposta, saindo da sala de controle.
O ignoro e me sento no lugar que ele ocupava antes, focando minha atenção no exame que está na tela. Logo de cara já vejo uma laceração importante no fígado e uma hemorragia interna considerável.
— Vai ser difícil ele sobreviver. — o radiologista diz quando me encara. Eu apenas assinto. Não quero falar. Nem como ele e nem com ninguém. Primeiro eu quero que esse nó que se formou na minha garganta se desfaça. — TCE grave, hemorragia subdural, fratura de pelve e perna esquerda e, para completar, laceração hepática. — ele diz e se levanta. — Esse garoto é uma bomba relógio!
Desvio os meus olhos dos dele e olho para a tela do exame, depois olho para o garoto dentro da máquina. O monitor ligado ao seu peito diz que ele está estável, mas agora ele tem medicações específicas para manter sua pressão arterial boa e seus batimentos cardíacos em um nível tolerável. Se não fosse elas talvez ele não estivesse vivo.
— Vamos para o centro cirúrgico. — o neurologista diz quando volta a sala, mas não entra. Apenas bate no batente da porta para chamar a nossa atenção, dá o recado e sai.
Poucos minutos depois vejo ele dentro da sala de exame e a equipe retirando o paciente de dentro da máquina.
— Qual a sala? — pergunto ao neurologista quando eles saem da área da radiologia para ir em direção ao centro cirúrgico.
— Sala 4.
Volto correndo para a urgência, literalmente, e aviso ao colega que está de plantão comigo que acompanharei o paciente do trauma no centro cirúrgico. Eu não preciso fazer isso, mas não posso deixá-lo sozinho. Simplesmente não posso.
Eu sinto que não posso.
Quando chego ao centro cirúrgico me escovo e faço a assepsia das minhas mãos no tanque que fica no corredor do setor, antes de entrar na sala que prepararam para o meu paciente.
Ao entrar, o encontro na maca com um campo cirúrgico esticado, protegendo do meio da sua testa até a parte de trás da sua cabeça, onde ele vai ser operado.
Não sei o que estou fazendo aqui. Não entendo nada de neurocirurgia. Entendo de pacientes críticos, mas o cara vai operar o cérebro! Eu nem precisava estar aqui.
Uma enfermeira me oferece um avental e luvas estéreis e eu visto-os, com a ajuda dela. O paciente é sedado e a cirurgia começa. O barulho da serra elétrica serrando o crânio é angustiante e, buscando um pouco de conforto, eu me aproximo da maca e fico olhando o rosto do garoto, a única parte que está livre do campo estéril, das suas sobrancelhas para baixo.
— Pode me dar uma compressa, por favor? — peço a uma enfermeira.
Ela entende o que eu quero fazer e me entrega uma compressa cirúrgica e uma pequena bandeja com soro morno.
Com todo o cuidado do mundo, eu umedeço a compressa no soro e começo a limpar o sangue seco em suas bochechas. Perto da onde o tubo, que o ajuda a respirar, está preso. Umedeço a compressa mais uma vez e limpo suas pálpebras fechadas e, enquanto a cirurgia dura, eu me ocupo em limpar o seu rosto e ver o máximo que eu consigo dele.
Seus lábios, apesar do inchaço, parecem carnudos e suas sobrancelhas devem ser o traço mais forte do seu rosto. Já sei que seus olhos são castanhos e é visível a linha marcante da sua mandíbula, deixando seu rosto bem masculino.
Não sei quantas horas eu fiquei no centro cirúrgico, mas em algum momento me chamaram na urgência e eu tive que deixar o garoto em cirurgia, nas mãos da equipe do neurocirurgião.
Quando volto a urgência, Anthony, o médico que está de plantão comigo, sai para almoçar e eu me ocupo em olhar os pacientes que estão em observação e que ele atendeu sozinho enquanto eu estava no centro cirúrgico e eu deveria me sentir culpada por isso, mas tudo o que eu consigo fazer é pensar em voltar para o centro cirúrgico e acompanhar o garoto do acidente de moto.
— Já pode ir almoçar quando quiser. — Anthony diz assim que retorna do seu rápido almoço.
— Liberei os pacientes do leito 1 e do leito 3, os dois com a orientação de procurar tratamento ambulatorial. — ele assente. — Vou comer e volto em 15 minutos.
— Tira seu tempo, está tranquilo aqui. — sorrio ao entregar a prancheta com o controle dos pacientes para ele e caminho para o quarto dos médicos para deixar meu jaleco lá.
Sei que eu deveria ir almoçar, que eu estou com absolutamente nada do estômago, mas meu coração me leva direto para o centro cirúrgico.
— O garoto da neurocirurgia ainda está na sala 4? — pergunto a recepcionista do setor, sem nem ao menos entrar.
— Acabaram de descer com ele para o CTI3, Andy. Tem uns 10 minutos.
— Obrigada.
Desço de escada até o CTI3, esse caminho eu sei de cor, e quando entro, vou até o posto médico procurar por Alicia ou Sthefanie, sei que hoje é o plantão delas.
— Oi, Andy! — Alissa diz assim que me vê, sorrindo para mim. — Não deveria estar na urgência?
— Estou no meu horário de almoço. — me explico. Não que eu deva, apenas não quero problemas com o Sullivan. — Trouxeram um paciente meu para cá, depois da cirurgia.
— O garoto do acidente de moto? — assinto e olho para o box que ela olhou, instintivamente. — Box 6, acabou de descer do centro cirúrgico.
— Como foi a cirurgia?
— Só não decretaram morte encefálica ainda porque ele apresentou drive respiratório, mas é só uma questão de tempo.
Assinto e desvio o meu olhar da Alicia para a entrada do box do garoto.
— Já sabem alguma coisa sobre ele? — pergunto encarando a porta e vendo o garoto através da grande vidraça que permite ver todo o interior do box.
— Nada ainda. Nem um nome, família... nada! — alguém chama o nome dela e isso nos chama atenção. Olhamos juntas para a porta do box 3 e vemos um técnico de enfermagem gesticular para que ela vá até lá.
Alissa sorri para mim e eu tento devolver o sorriso para ela, mas acho que não consegui.
A notícia que ela me deu ainda está tentando ser processada na minha mente e o nó que ela se formou na minha garganta tentando ser digerido.
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