- Andy narrando:
Acordo assustada e logo me sento na cama. Ainda estou nua por baixo do roupão e meu cabelo está úmido e desgrenhado. A toalha que estava enrolada nele foi parar do outro lado da cama.
Ainda estou embasbacada e, completamente, assustada de ter sonhado com o garoto do acidente de moto. Quer dizer, eu nem sei se é ele, mas o que ele sussurrou no meu ouvido me leva a crer que só pode ser uma pessoa.
Talvez meu subconsciente tenha só criado um rosto qualquer para ele, mas as sobrancelhas eram realmente muito parecidas com as do garoto que está no hospital.
Pode não ter sido ele, mas dormi um dos sonos mais restauradores das últimas semanas.
Me levanto e vou direto para o banheiro, preciso tomar outro banho e tentar salvar o meu cabelo.
Depois que me vesti com um pijama confortável e sequei meu cabelo no secador, meu celular tocou em cima da penteadeira e pelo som, é uma notificação do aplicativo de mensagens.
"Acordada?" – é o James.
Saio do aplicativo e ligo para ele. Detesto mandar mensagem.
— Te acordei? — me questiona assim que atendo.
— Não, eu já estava de pé. — saio do meu quarto e, ainda do final do corredor, vejo no relógio da parede da cozinha que já passam das duas da tarde. — Aconteceu alguma coisa?
— Vamos sair hoje à noite. Está a fim? — seu tom de voz é hesitante e eu sei por quê. James sabe que eu não saio, não sei porque insiste em me chamar.
— Não, eu tenho que... — pauso para pensar em uma desculpa enquanto abro a geladeira e tiro a manteiga de lá de dentro.
— Você não tem que nada, Andy! É só dizer que não! — ele se altera um pouco e no final murmura: — Como sempre.
— Você tem toda a razão. — admito. — Eu não vou, mas obrigada por ser tão insistente. — rio.
— Eu devia desistir de você, sabia? — ele deveria estar aborrecido, mas parece estar se divertindo.
— Também acho.
— Nos vemos amanhã?
— Com toda certeza.
Me despeço do James e passo um café. Sei que deveria almoçar, mas tomar café da manhã às 2 horas da tarde é muito mais divertido e menos trabalhoso.
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Na manhã seguinte estou indo para o hospital.
Trabalho numa escala de 24 horas seguidas com 3 dias de folga, mas como vivo cobrindo furos na escala do hospital, quase nunca isso é respeitado.
Eu vivo mais no Memorial do que em casa.
O prédio imponente do Northwestern Memorial Chicago é visível há quarteirões de distância. São dois prédios enormes. Um é uma das construções mais antigas de Chicago, do Século XIX e o outro é um prédio moderníssimo, feito de aço e de vidros espelhados.
Passo pela recepção e libero a roleta de acesso com a biometria do meu polegar direito e enquanto me dirijo para o CTI do terceiro andar, vou cumprimentando os colegas de trabalho que surgem no meu caminho.
São 6:30 da manhã e a primeira pessoa que encontro quando saio do quarto dos médicos do CTI é o James. Já estou com o meu pijama azul escuro e meu jaleco branco por cima quando ele sai do posto para se encontrar comigo e me entrega um copo descartável de café da Starbucks.
— Duplo e com chantilly. — ele me avisa e eu bebo assim que o copo chega até a mim. A bebida quente e reconfortante me aquece de dentro para fora e eu agradeço ao James com um abraço assim que termino o longo gole.
— O que seria dos meus plantões sem você? — ele revira os olhos e me dá as costas, se afastando de mim.
— Sínica! Você diz isso para todos os enfermeiros de todos os plantões. Pensa que eu não sei?
Caminho apressada para alcançá-lo.
— Mas você é meu amigo, eles não.
James sorri.
— Patrick e Alicia estão te esperando para passar o plantão. — me afasto de costas para olhar para ele.
— Obrigada! — ergo o copo de café e ele sorri.
Encontro Patrick, minha dupla de plantão, e Alicia na porta do primeiro box. Ela está deixando o plantão noturno e tenho certeza que está louca para ir para casa.
— Bom dia. Podemos começar?
Alicia me entrega a prancheta com a relação dos pacientes que estão internados e começa a explicar sobre o paciente do box 1 e como ele passou as últimas 24 horas.
Fomos box a box. Um por um.
A cada paciente que Alicia passava, eu e Patrick a seguíamos, ouvindo com atenção o que ela dizia, mas minha cabeça não estava ali. Estava no Box 6 e no papel preso a prancheta onde estava escrito: Homem branco, mais ou menos 30 anos, desconhecido.
O garoto tinha sobrevivido ao que deveria ser, facilmente, considerada como às piores 24 horas da sua vida.
— Box 6. — Alicia anuncia e eu sobressalto, nem tinha reparado que já havíamos passado tantos pacientes. — Homem branco desconhecido, vítima de acidente de moto... — não ouvi mais nada. Meus olhos se prenderam ao garoto na cama do hospital. Todo monitorado e dependendo da ajuda de aparelhos para viver.
Seu prognóstico não é bom, nada bom na verdade, e a única coisa que desejo é que encontrem sua família a tempo para se despedirem dele.
Eu não ia querer isso para mim ou para alguém que eu conheço. Porque desejaria isso a um estranho?
Ele parece ser tão jovem. Viveu tão pouco tempo.
Imagina a quantidade de sonhos que ainda tem para realizar? Coisas a alcançar...
Que loucura!
Alicia se despede de nós e do plantão e quando eu e Patrick vamos dividir os pacientes peço para ficar com o box 6, mas na hora de examinar o garoto eu fico completamente paralisada ao lado do seu leito.
— Oi, estranho. — digo baixinho para ele, só estamos eu e ele no box agora. — Como você saiu de casa sem carteira, sem nada? — abro seu olho, afastando as suas pálpebras com o meu polegar e o indicador, e examino suas pupilas. Não estão 100%, mas estão melhores do que quando ele internou. — A quem você estava indo socorrer? — paro e coloco a mão sobre o seu peito, sentindo seu coração bater forte sob a minha palma. — Ou você é muito irresponsável ou era alguma coisa muito importante pra você sair daquele jeito na chuva. — ausculto seus pulmões com ajuda de um estetoscópio e conecto a parte do aparelho que tem que ficar nos meus ouvidos. O que eu escuto não é bom, parece um ruído de pneumonia.
— Tudo bem aí? — a voz do James vem da porta e eu tiro o estetoscópio dos meus ouvidos.
— Vamos iniciar um ciclo de antibiótico como forma profilática, não gostei da ausculta dele.
James assente e dá dois tapinhas no batente antes de sair do box.
Eu deveria solicitar uma tomografia de tórax e confirmar minha suspeita, mas ele está tão grave que tem restrição de ser removido. Precisa de cirurgia ortopédica, por exemplo, mas a sua fratura na pelve só vai ser corrigida cirurgicamente após ele ficar estável.
Na primeira e única cirurgia que ele fez foi instalado uma válvula, uma espécie de dreno, em sua cabeça para drenar o sangue em seu cérebro e a equipe da cirurgia geral aproveitou a sedação dele para corrigir a laceração hepática, o que fazia uma veia jorrar sangue para dentro do seu abdome.
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