- Andy narrando:
O plantão foi uma loucura, talvez as piores 12 horas iniciais de qualquer plantão que eu já tenha feito. Por isso, quando chegou a noite e Patrick disse que eu poderia ir descansar eu não hesitei em aceitar a sua oferta.
Passei no box 6 para me despedir do garoto do acidente de moto e fui direto para o quarto dos médicos. Eu deveria comer também, não como nada desde a hora do almoço, mas nesse momento só preciso descansar e livrar os meus pés desses malditos crocs.
Penduro meu jaleco no gancho atrás da porta e chuto os crocs dos meus pés, me deitando em seguida. Coloco o pager e o meu celular ao lado do meu travesseiro e, assim que fecho os meus olhos, já entro em um sono profundo.
Estou em um lugar lindo. Grande, amplo e bem arejado. Talvez uma galeria de artes, onde tem os quadros mais bonitos que já vi em toda a minha vida.
Eles estão por toda a parte e a luminosidade forte que entra através de uma parede de vidro dá uma vida surreal a eles, a maioria foi pintado com cores fortes e vibrantes.
Os quadros variam desde rostos femininos a paisagens cinematográficas. O mais incrível é que dá para ver que todos eles foram pintados a mão.
Desvio os meus olhos dos quadros pendurados nas paredes e começo a caminhar pelo local, reparando nos quadros que estão nos cavaletes, alguns com a tinta fresca ainda.
— Gosta do que vê? — sobressalto com a voz masculina que ecoa pelo amplo espaço, mas agora ela não é mais desconhecida para mim.
Giro em 90 graus para procurar o dono da voz e o encontro no segundo andar, numa espécie de sacada interior. Sentado na beirada do mezanino e com as pernas penduradas em direção ao primeiro andar.
— É incrível! — sussurro, voltando a olhar para os quadros e volto a caminhar entre os cavaletes. — Foi você quem pintou? — olho para ele.
— Costumo fazer isso quando estou entediado. — ele dá de ombros e aponta para um quadro enorme perto da parede de vidro na entrada. A pintura pega quase toda a parede, chegando na borda do teto.— Esse é o meu preferido.
— Quem é? — encaro o quadro. Tem a silhueta de uma mulher em um campo florido. No fundo, tem um riacho e um coreto branco e dourado.
— Minha mãe. — olho para ele e o vejo se levantando e indo em direção a escada. O estranho desce os degraus lentamente, um a um, até estar no mesmo andar do que eu e conforme ele caminha na minha direção meu coração parece querer sair do peito.
Ele é mais bonito do que eu me lembrava. Está com um jeans preto e uma camisa de malha branca, simples, ambos sujos de tinta e seus pés estão descalços.
O estranho para bem na minha frente e pousa sua mão na lateral do meu rosto. O contato da sua pele na minha é quente e eletrizante, faz parecer que meu coração vai parar a qualquer momento.
— Você tinha razão, Andy. — seu hálito sopra no meu rosto e fecho os meus olhos, ansiando que ele me beije. Nenhum homem nunca causou essa sensação em mim. — Eu estava indo socorrer o meu pai.
Abro os olhos e encaro o castanho dos olhos dele.
— De que? — sussurro, apreensiva.
— De algo terrível. — ele aperta os olhos com força. Parece querer se livrar de alguma lembrança r**m.
— Ele estava com você? — o estranho balança a cabeça, negando com veemência.
— Preciso que você descubra se ele está bem, Andy. Por favor.
— Me diz seu nome. — peço agoniada e ele n**a. — Como vou chegar ao seu pai se não sei quem você é?
Ele se aproxima mais de mim, sua mão grande ainda emoldura o meu rosto. Ergo o meu rosto para não perder os meus olhos dos dele e engulo seco quando seu nariz quando toca o meu.
— Na hora certa você saberá. — ele sussurra nos meus lábios.
Me assusto com o despertador do meu celular tocando e me mexo na cama, ficando de barriga para cima e encarando o estrabo da cama acima da minha, na beliche.
Porque estou sonhando com esse homem?
O que isso significa?
O que ele quer me dizer?
Suspiro e toco os meus lábios com o indicador da mão direita. Ele quase me beijou.
Fecho os olhos e consigo sentir o calor do seu corpo tão próximo ao meu. Consigo sentir o tormento no meu coração quando ele me tocou ou quando seus lábios estavam tão próximos dos meus.
Essa é, sem dúvida, a maior loucura que já vivi.
Sonhar com o meu paciente e idealizar coisas surreais. Impossíveis.
Pulo da cama quando o despertador toca novamente na função soneca e o desligo. Enfio o celular e o pager nos bolsos do pijama e pego o meu jaleco, calçando meus crocs em seguida.
A luminosidade do corredor me cega momentaneamente quando saio do quarto, aproveito para fechar os meus olhos por alguns segundos enquanto ajeito o meu cabelo.
— Tudo tranquilo por aqui. — Patrick diz assim que chego ao posto médico.
— Vai descansar. — ele assente e se recolhe na direção do quarto dos médicos.
Eu fico encarando a entrada do box 6 até ter coragem para ir até lá.
O estranho está da mesma forma que eu o deixei quando fui descansar.
Entro, me aproximo bem do seu leito e olho o seu rosto ainda bem machucado do acidente.
— Porque está fazendo isso comigo? — sussurro para ele e olho para a entrada do box para ver se ninguém está nos olhando. — Não posso ficar sonhando com você! Do nada! — falo, consternada. — Precisa parar com isso!
— Café? — dou um pulo quando ouço a voz do James.
— p**a m***a, Jay. — coloco a mão no peito e me concentro em acalmar a minha respiração.
— Você estava falando sozinha? — ele ergue uma das sobrancelhas quando entra no box e me entrega um copo descartável com café.
Dou mais alguns passos e me sento na poltrona reclinável que fica ao lado do leito.
— Eu não estava falando sozinha. — murmuro um pouco envergonhada e com medo dele achar que estou com sérios problemas psiquiátricos. James balança a cabeça e gesticula que devo continuar. — Promete que não vai achar que estou ficando louca?
— Você é louca. — ele ri e eu o acompanho. Bom, James é a única pessoa com quem eu poderia dizer isso. Então me ajeito na poltrona e encaro o meu amigo, seriamente, e solto depois de respirar fundo:
— Eu tenho sonhado com ele. — falo baixinho, de forma retraída.
— Com ele quem? — James indaga com cautela.
— Ele. — inclino minha cabeça, apontando para o estranho com ela.
— Ele, ele? — ele aponta para o paciente com o indicador e eu assinto antes de dar um gole no meu café. — Isso é loucura.
— Para, James.
— Está falando sério? — ele para de rir e me encara sério dessa vez.
— Muito sério. — me levanto, dou um gole no meu café e deixo o meu copo sobre a mesa de cabeceira do quarto. — Ele quer que eu procure pelo pai dele. — James fica me olhando como se eu tivesse virado um bicho de sete cabeças. — Estou falando sério, James.
— Andy, você precisa diminuir o ritmo. — ele diz firmemente, com o semblante fechado. — Tem ficado muito aqui, precisa ver pessoas de verdade.
— Eu não estou ficando louca. — afirmo e volto a me sentar.
— Eu sei. — James caminha até a mim e ergue o meu rosto quando segura o meu queixo. — Me promete que vai cumprir sua folga dessa vez? — assinto para ele. — Vá ver os seus pais, passeie no lago, saia da cidade... Você precisa viver.
— Obrigada. — sorrio para ele ternamente e James deposita um beijo na minha testa antes de sair do box e me deixar sozinha com o estranho.
Fico encarando-o, olhando o seu peito subir e descer enquanto o respirador mecânico faz o trabalho dos seus pulmões. Ele continua sereno, continua com o semblante tranquilo.
Como se fosse acordar a qualquer momento.
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