- Ele é um magrelo, mas não muito magro, com algumas tatuagens perdidas, anda de boné as vezes virado pra trás, outras cobrindo o rosto, Jão o seu nome. - Falei pra Ketllyn pra saber mais, mas ela negou com a cabeça, indicando não saber dele.
Eu sabia porque era amigo de Isa, e ele também disse quem era, não seria nem de longe um varão perfeito, como Paulo, o meu Paulo, tão sonhado, acredito que era justamente ao contrário, quando tocou os seus lábios nos meus, senti nojo, aquele meu primeiro beijo deveria ser de que eu gostava.
Mas a cada dia as minhas esperanças morria, Paulo e Isa se uniam mais, começaram o ato carnal dentro de casa, eu até tentei dizer pra a minha mãe, mas não tive coragem, Isa é mais nova, e além de estragar a sua vida, ela estraga a de Paulo também, o meu coração doía, rasgava em dor, e quem acha que amor só dói apenas o peito, esta enganado, a dor reflete em tudo, em todas as partes.
Menos na voz, eu ainda a tenho para cantar, e nas faxinas me dedicava com o fone no ouvido, o meu canto de louvor, era sentimento reprimido, rejeitado, negado por mim mesma, que nunca tive coragem de falar do que sinto para quem amo.
Na igreja todos sempre elogiava a minha voz, todos os elogios se estendia a ela, quando recebi o convite para cantar em outra igreja, me alegrei, eu tinha talento e razão para cantar, alguém me ama com perfeição e esse é Deus, somente para ele me dedicaria.
Me arrumei de maneira diferente pela primeira vez, não pranchei o meu cabelo, não porque o magrelo achava bom assim, era porque eu também passei a achar, era o primeiro elogio que eu recebi sem ser pela voz, pelo canto.
Vesti uma saia jeans, e a blusa da igreja, salto médio preto, quando cheguei na igreja, o pessoal já estava arrumado pra ir, esperava apenas o pastor, eu quis que alguém elogiasse também o meu cabelo natural, cacheado, um elogio de repente perdido, para me fazer sentir mais que a minha voz, mais não veio. Quando a van chegou, o meu coração animou, entrando em festa quando do lado do motorista, lá estava ele, Paulo ia com a gente, meu coração disparou sem controle.
E por isso adiantei bem o passo, passei por ele para entrar na van, que me visse e notasse que tenho alguém além de uma voz bonita. — Boa noite Paulo! — O cumprimentei quando conversava com o motorista da outra igreja, ele virou me olhando e sorriu. — Boa noite irmã. — Era novidade o seu cumprimento para mim, irmã? Quando eu deixei de ser Danda pra ele? Mas não perguntei, só entrei na van, levando o violão comigo.
Só de ele estar ali estava feliz, segui o caminho inteiro a espera de que ele virasse por um instante e falasse algo, mas nada, os dois falavam de futebol, o rapaz da van, estava tão desviado quanto ele, pelo jargões que usavam, chegamos na igreja para a noite de virgília, o espaço muito maior, eu quis ser notada muito além do que por um magrelo da favela, que só tinha uma intenção comigo.
Mas como uma das colunas, estava em invisibilidade, cantei, louvei, o dia começou outra vez, voltei pra casa pregando os olhos de sono, mas estava feliz pelo meu canto, era pra Deus, isso me causava paz, quando ninguém mais me acompanhava, cheguei no beco que moro, sozinha, sem, acompanhante, era normal, já que como eu, as demais também, só queria uma coisa, nossas camas, cobertas quentes e travesseiros.
— Demorou! — Eu pulei num susto quando ouvir, lá estava o garoto de boné preto, sabendo bem se esconder no escuro, no beco ou na viela de qualquer lugar. — Garoto! — Gritei lutando para pegar a chave na caixa de correio de casa, eu precisava me livrar dele com urgência, e somente com oração ia conseguir. — Você não dorme? — Ele se aproximou pegando o violão da minha mão.
— Já que tu dá pra tua irmã, decidir vir trazer pessoalmente. — Era seis horas da madrugada e ali estava um cara de uns vinte e pouco anos de pé, tirando alguma coisa do bolso, ao ponto que eu recuei, não tinha nada de bom pra pensar dele, certo que já tinha me ajudado a correr de tiro, mas... eu julgava demais, percebi isso quando tirou algo de embalagem amarela do bolso, um bombom, no culto tinha lanche, mas já tinha tanto tempo.
— Não posso aceita, eu não sou... — Antes que eu terminasse de dizer, ficou batendo a cabeça e boca me imitando. — Como a Isa, eu sei que não é, se eu quisesse já tinha dado uns amasso na tua irmã, faz tempo. — Engoli em seco, o bombom tava lá na sua mão, não era possível que com tanta oração pra me livrar do m*l, ia ser um bombom que ia me fazer cair em tentação, estava faminta, mas preferia a minha cama, com toda a certeza da minha vida.
— Se eu pegar você vai me deixar em paz? — Ele já descacava o chocolate com o violão apoiado contra o peito. — Não! — Empurrou na minha boca, de forma arrogante, só mordi, nunca tinha visto algum conto de alguém que morreu pela boca por causa de chocolate, descartem a branca de neve, nunca vi uma história com tanta complicação, jamais ninguém ia escrever sobre mim, por ter morrido assim, mastiguei o chocolate com ele pegando a chave da minha mão, antes de terminar me deu o outro pedaço na boca novamente.
Talvez ele não fosse tão r**m, eu sempre achei que todos ali eram, superiores, ruins, marginais, mas o que ele ganharia mexendo comigo? Quando ninguém queria mexer? — Tu ganha muito dinheiro nessas coisa aí? — Ri quase me engasgando com os bagaços da casca do recheio. Eu ganho a graça de Cristo, e isso me basta. — Hum... se esta pensando em mim roubar, você chora. — Mas ele riu fraco, quando eu disse, negou com a cabeça.
— Tu canta bem, só não pega bem essas musicas aí, devia investir sei lá, não entendo dessas ideias. — Enquanto ele falava, só virei pegando o violão que nem era meu, é da igreja. — Já me viu cantar? — E pra minha surpresa ele afirmou. — Hum rum, sempre vejo lá na igreja, depois que o n***o saiu ficou melhor pra tu. — Ele me observava, eu não sabia, mas saber que alguém me via era bom.
— Não acho, Paulo canta bem, ele faz falta! — Passei o cadeado na grade, lhe deixando do lado de fora, já tava em casa e depois de comer um chocolate. —Obrigado pelo chocolate! — Só dei as minhas costas, não ia vacilar de novo para ele me beijar, entrei em casa deixando o violão na sala, tirei o sapato na entrada, pra não fazer barulho, mãe e Maicon acordam cedo de qualquer maneira, domingo ou não, é o costume.
Do jeito que tava, me joguei na cama, quando acordei minha mãe brigava com a minha irmã, e mais uma vez, a guerra era por causa das calcinhas dela, já fazia grume no banheiro, estava duras e Isa não lavava, o que custava lavar no banho, não sei. — O que custa Isa você ser um pouco como a sua irmã? Lavar uma calcinha? Um prato, não tem cabimento esse comportamento.
Eu nem fui lá, sabia que ia sobrar pra mim, arrumei as camas, abrir as janelas, quando Isa saiu batendo o portão com tudo. — Não sei pra quê a senhora fica fazendo esse escassel todo véi, Isa nunca mudou, não vai ser agora. — O meu irmão chegou falando bicudo como pão na mão, roupa de baba todo sujo de lama, chuteira na outra mão. — Ela tem que saber as coisas da vida, como vai casar assim?
Eu não fazia ideia, e nem queria saber, se ela soubesse do terço a metade, surtaria, decidir guardar pra mim o que vi na sala, fiz o café, tomamos café os três, minha mãe lavando a roupa, eu limpando a casa, Maicon tomou banho, no bar da esquina rolava um pagode, tive certeza que o Jão estaria lá, era o coito dele, andar onde os amigos andava.
Já passava das onze quando bateram no portão, minha mãe atendeu a porta enquanto eu me virava no fogão, quando voltou trazia sacolas nas mãos.
— Mandaram entregar, é xinxim e feijoada. — Ela parecia tão surpresa quanto eu. — Foi seu filho? — Estalou a boca negando e me olhando, indo pra a mesa destampar as marmitas. — O Júnior disse que é pra você, eu perguntei se era pra Isa, com certeza se confundiu. — Eu mexendo a panela de purê de batata me fiz de bocó, mesmo sabendo que poderia não ser, tinha a possibilidade?
Evidente que não, qualquer pessoa saberia que eu não ia comer churrasco, feijão e xinxim de festa deles, minha mãe comeu, eu fiquei alheia, se fosse de Isa ela ia brigar, quando chegou ela comeu como draga, depois de dizer sobre o barraco que teve por lá. Falava e ria, eu assistir o programa com um olho nela outro na tv, ele tava lá bebendo com os amigos, mas no que isso devia me interessar, só porque me tratou bem, não merecia minha devoção.