CAPÍTULO 04
ESME BEAUFAY
Rue Saint-Dominique, Nº142 / 09:22 PM
Eu não conseguia acreditar, na verdade, mäl conseguia respirar .
Meu corpo inteiro tremia e enquanto me encolhia em um canto escuro do meu quarto, entre minha cama e a parede, aquela imagem voltava à minha mente .
O fogo ...
O estado em que meu consultório foi deixado.
— Por quê? — grunhi, tentando conter os soluços . — Por que explodiram meu consultório?
Minha mãe suspirou e se aproximando, segurou em minha mão .
Sabia que ela tinha a melhor das intenções, mas era claro pela forma como me olhava, assim como todos os outros, iria me dizer para seguir em frente .
— Querida, você está bem agora, é isso que importa . Podia ser pior, Esme . Você ainda podia estar lá dentro, meu amor … Não vê? Fazia minutos que você tinha fechado o lugar …
Eu a encarei, mas aquilo não fez a angústia que sentia se esvair; estar segura não mudava o quanto aquele lugar era importante pra mim .
Passei três anos trabalhando 12 horas por dia, às vezes mais . Não tirei férias, não tive descanso, nem mesmo uma vida social eu me permitia ter. Dei tudo de mim, para conseguir comprar aquele lugar, para ter um consultório onde poderia atender meus pacientes do meu jeito, sem precisar de um dólar sequer do dinheiro dos meus pais .
Eu queria tanto ser a filha independente que diferente da Fallon, não precisava dar a eles preocupações ...
Mas o que fazer?
Bom, eu estava afundando, assim como ela .
Eu tinha conseguido o que desejava e um “acaso” me arrancou algo precioso .
— Filha … — minha mãe continuou a me chamar. — Por favor, não foque em coisas que podem ser substituídas … E o seguro …
— Não cobre — sussurrei .
— Como é?
— O seguro não cobre atentados …
Minha mãe piscou .
— Mas … O incêndio …
— Ele começou no meu consultório, após uma … Explosão . — Minhas palavras saíram com dificuldade e a minha mãe me encarou com óbvio medo estampado em seu rosto .
— Esme … Filha ... Você … Como isso aconteceu? Seus pacientes …
— Não … — grunhi. — Mãe … Eu não sei! Mas não acho que foi um dos meus pacientes que fez isso!
Ela me encarou e era óbvio, pela sua expressão, que não acreditava nem um pouco naquilo . O problema era que não fazia diferença, nem para mim e nem para a polícia ou o pessoal do seguro .
No fim, apenas me permiti chorar e, no dia seguinte, tive que ligar para cada um dos meus pacientes avisando que devido a “imprevistos” teríamos que cancelar algumas sessões .
Eu mäl sabia o que poderia fazer, mas Jessica fez questão de cancelar minha semana seguinte e depois de praticamente desidratar, além de ter meus pais morando na minha casa por quase uma semana, eu me levantei, decidida a voltar a viver .
— Esme!
Ouvi minha mãe dizer surpresa ao me ver sentada à mesa para o café da manhã e meu pai, que sempre ficava quieto, dirigiu um sorriso gentil a mim, ao constatar que eu estava finalmente me movendo de novo.
— O que quer comer, querida? Posso preparar ovos com bacon pra você.
— Tem panquecas — meu pai acrescentou e sorri, olhando para os dois.
— Obrigada… Vou querer os dois — murmurei e respirando fundo, encarei meu pai. — Depois do café, vou sair para procurar uns lugares que possa alugar para trabalhar momentaneamente, e… Também vou tentar manter alguns pacientes online — expliquei. — Mas… Eu queria agradecer a vocês dois.
Minha mãe parou o que estava fazendo para me olhar sobre o ombro.
— Pelo quê, meu amor?
— Por continuarem aqui e terem… Me apoiado.
Ela sorriu.
— Esme, somos seus pais, é o mínimo que podemos fazer.
Sabia que quando se tratava dos meus pais, aquilo era verdade, mas ainda não podia deixar de me sentir grata por tê-los ao meu lado.
No fim, a minha família era a coisa mais importante pra mim e era uma pena que o mundo não parecesse se importar nem mesmo um pouco com aquilo, já que minhas esperanças, que recém tinham sido recuperadas, foram esmagadas sem piedade quando me vi recebendo um não após o outro, a cada nova tentativa de encontrar um lugar para alugar.
Meus pais voltaram para casa depois que afirmei estar bem e poderia me virar, mas depois de três dias recebendo um não atrás do outro, tive que encarar a realidade.
Joguei a bolsa sobre o sofá já cansada de tanto andar e liguei para Jéssica para confirmar que todas as consultas passariam a ser virtuais dali para frente.
— Esme… Deus do céu, como você está? — ela perguntou assim que atendeu e me forcei a sorrir.
— Exausta. Recebemos outro não dos outros três possíveis lugares e… Teremos que ficar no atendimento online.
— Sobre isso…
— Ah, não! Conheço este tom.
— Esme, a maioria dos pacientes não se sente confortável com a ideia…
— Mas ainda será eu!
— Eu sei, mas…
— Eles não ligam — murmurei. — Você indicou o doutor Claudio?
— Sim, indiquei para ele e para Tábata.
Meu maxilar travou e tive que me conter para não desabar.
— Certo… Restou alguém?
— Na verdade… Não.
— Entendo… Obrigada, Jéssica. Neste caso… Estarei me ausentando por um tempo — falei antes de finalmente desligar a ligação e sentindo que já não tinha nada, me ajoelhei no chão. — Merdä! Isso não pode estar acontecendo… — Tentei conter o choro e, respirando fundo para manter o controle, decidi ir até meus pais, porque se ainda tinha algum lugar onde me sentia bem, era lá.
Sequei o rosto com a manga da blusa e pegando meu carro fui até Mouffetard. No caminho, enquanto dirigia, tentei pensar positivo e ser a pessoa que todos pensavam que eu era, mas depois de estacionar o carro em frente à casa em que vivi toda a minha vida, o barulho dos dois conversando alto chamou minha atenção.
Eles estavam discutindo, gritando um com outro sobre os “problemas” de suas vidas.
— Estou cansada disso! Você precisa dar um jeito nas coisas. Eu não me casei com você para sofrer desta forma!
Ouvi minha mãe rosnar e enquanto abria a porta vagarosamente, olhando pela fresta, me deparei com os dois quase atacando um ao outro. Meu pai percebeu minha presença e mudando drasticamente o comportamento, tentou fingir que nada estava acontecendo. Já minha mãe olhou assustada pra mim, nitidamente surpresa por me ver chegando daquela forma, e se virando para esconder o rosto que estava inchado por conta do choro, me cumprimentou, tentando disfarçar sua voz rouca.
— Esme… Bom dia, vou preparar um café pra gente. — Ela sequer me olhou enquanto falava, seguindo para a cozinha como se eu fosse alguém de quem deveria fugir, enquanto meu pai veio até mim, me dar um abraço.
— Vocês estão bem? Aconteceu algo? — Deixei escapar, porque nunca tinha visto os dois discutindo daquela forma.
— Sim… Desculpe por isso, apenas nos deixamos levar pelo estresse do momento — ele respondeu sem graça, pigarreando enquanto pegava o telefone que estava no bolso. — Preciso ir agora, tenho que encontrar com um de meus sócios.
— Tudo bem... Tenha um bom dia, pai. — Eu me despedi, cabisbaixa, dando um suspiro profundo enquanto ia até o sofá.
Quando me sentei, papéis com o símbolo do banco de Paribas chamaram minha atenção e mesmo sabendo que não deveria ler, minha curiosidade falou mais alto.
Eram contas, muitas contas.
Eu não sabia dizer de onde vieram e nem como meus pais haviam conseguido entrar naquela enrascada, mais na carta que estava previamente aberta dizia que se o valor de 150.000 dólares não fosse p**o até o final do mês, a casa seria levada como garantia de p*******o.
Tentei não me abalar, não demonstrar o quando estava quebrada por dentro, e com as mãos trêmulas, devolvi a carta de onde havia tirado.
— Não posso deixá-los ainda mais preocupados — sussurrei a mim mesma, levando as mãos até o rosto, o massageando.
Eu precisava apenas de um consultório novo, era apenas aquilo, então as coisas voltariam ao normal e poderia ajudá-los com as contas.
Com aquilo em mente, passei a manhã com minha mãe e evitei tocar no assunto.
Achei melhor fingir que não havia visto nada.
Quando decidi voltar para casa, combinei de passar em uma galeria na Bd Vincent Auriol, rezando com todas as forças para que desse tudo certo.
Porém, não foi o que aconteceu.
No fim, o local estava reservado para outra pessoa e me vi dentro do carro, dirigindo de volta para o apartamento com os olhos embaçados.
Mas quando cheguei no apartamento, tudo se tornou um verdadeiro pesadelo.
De longe, vi que a porta estava aberta, mas não apenas aquilo, havia sangue na porta, junto a alguns xingamentos e insultos que nunca imaginei ler na vida.
— Não, isso não... — Corri, vendo todos os anos que investi na vida rasgados, quebrados e queimados.
E se do lado de fora do apartamento estava um completo caos, do lado de dentro já não sabia mais o que estava acontecendo.
Tudo!
Estava tudo completamente destruído, meus móveis, eletrodomésticos, até mesmo minhas roupas...
Tudo havia acabado, como se algum maníacö tivesse escapado de algum asilo e vindo direto na minha casa descontar todo o ódio e frustração de sua maldita vida.
Eu mäl consegui pegar o telefone para ligar para a polícia, pois meu corpo não me obedecia e senti que iria desmaiar por conta da pressão.
Minha vida que já estava uma bagunça total, naquele momento havia se tornado um verdadeiro inferno sem sentido.
Minha voz não saía quando os policiais atenderam do outro lado da linha e quando finalmente chegaram, eu estava paralisada no chão, ajoelhada, olhando para o interior do meu apartamento, vendo o que minha vida havia se tornado.