Capítulo 1
CAPÍTULO 01
FALLON BEAUFAY
Aeroporto Charles de Gaulle / 00:45 AM
O ar frio batia no rosto como malditös espinhos congelados e a minha vontade de esganar Jack, por não ter avisado antes da saída de Lorenzo Angelle da cadeia, era genuína .
Ele tinha um único trabalho e serventia, mas claro que até naquilo gostava de falhar. Graças a falha dele, eu tinha que encarar um voo de última hora .
“Uma boa fodä não vale tudo isso”.
Constatei isso, infelizmente, enquanto aquelas lesmas que trabalhavam no aeroporto se moviam para levar minha bagagem e checar meu passaporte .
— Senhorita Fallon Beaufay? — o imbëcil responsável pelo check-in perguntou, olhando para a foto no passaporte e depois para mim, obviamente confuso pela mudança na cor do meu cabelo .
— Sim — respondi com um sorriso afetado. — Eu sei que o loiro não me valoriza, mas minha cabeleireira mente muito bem .
Ele riu .
— Decepção amorosa?
“Por Cristo, seria mais fácil um pé de feijão subir aos céus!”
— Sim, ele foi o primeiro a quebrar o meu coração — menti e ele pareceu acreditar, já que carimbou a drogä de passaporte e me entregou com uma expressão irritantemente solidária .
— Tenha uma boa viagem, senhorita Beaufay.
— Obrigada — respondi por educação .
Segui o corredor para embarcar e minha expressão se tornou fechada enquanto tudo que conseguia pensar era no quanto queria tomar a p***a de uma dose de tequila .
Queria sentir aquele calor descendo pela garganta e, aos poucos, me fazendo esquecer da bagunça que a minha vida tinha se tornado .
Ajeitei o casaco da Prada enquanto caminhava apressada e quando passei pelas telas suspensas, onde geralmente se passam as notícias de última hora, precisei parar para pegar um pouco de ar e acabei me deparando com aquele rosto familiar.
“— Na manhã desta terça feira, o jovem herdeiro da família Angelle, uma das maiores e mais bem-sucedidas de toda França, teve sua liberdade decretada após cumprir na cadeia a pena de 5 anos de prisão por porte e tráficö de drogäs quando ainda estudava na Universidade Paris-Panthéon-Assas. O jovem foi levado a julgamento e o advogado que defendia o réu, pediu por pena mínima enquanto negava a vertente, onde o réu teria direito a sair por fiança. O até então CEO das empresas Angelle, preferiu mostrar ao mundo que seu filho seria julgado como qualquer outro rapaz a cometer um erro como esse. Agora-…”
Antes que aquela baboseira fosse concluída, bufei e saí dali sorrindo para a aeromoça que me esperava na porta antes de embarcar .
Apostava minha vida que Louis Angelle estava pouco se fodendö para a realidade do mundo; afinal, tudo que ele fez com o filho foi para manter as aparências, mas Lorenzo estava livre e aquele velhote iria fazer questão de usar o fato a seu favor .
Mesmo que todos soubessem a verdade sobre o que acontecia em torno da família Angelle e do quartel francês, não havia como provar e, com as atitudes do velhote, tudo era ainda mais difícil de ser levado à frente .
— Velho esperto! — resmunguei me sentando no meu assento, na primeira classe, em seguida suspirei pedindo a aeromoça por um champanhe .
Eu não tinha motivo para me preocupar com nada daquilo por ora, porque para onde ia, os Angelle não tinham poder algum .
Sorri, me lembrando do fato e encarando a tela do celular com mensagens antigas da Esme, quase senti pena dela, mas ela tinha que servir para alguma coisa, já que nasceu com o rosto parecido com o meu .
***
ESME BEAUFAY
Rua Mouffetard, Nº75 | 07:15 AM
— Precisa descansar mais, tirar alguns dias de folga e deixar o consultório de lado. — As palavras da minha mãe soaram quase como uma bronca, mas, como em todos os outros dias, estava atrasada demais para ter aquela conversa .
— Preciso ir, hoje é o primeiro dia de uma paciente nova, por isso tenho que chegar mais cedo para deixar a sala organizada. — Tomei o restante do cappuccino, enquanto minha mãe conversa sozinha, dizendo o quanto eu estava exagerando na carga horária do trabalho .
Logo em seguida me despedi do meu pai que, como sempre, estava perdido em seus pensamentos lendo o jornal matinal .
Às vezes, me perguntava se continuar vindo na casa deles para tomar café, em alguns dias da semana, fazia alguma diferença para eles, mas sempre que aquele pensamento vinha, também batia uma certa solidão em pensar que não teria mais aqueles momentos com ambos ao meu lado .
— Até mais tarde, querida — ele falou ainda encarando o papel em suas mãos. — Fallon não dá notícias há alguns dias, então se conseguir falar com ela, avise por favor. — Ele pareceu ser meio frio ao falar dela.
Mas não poderia tirar seus motivos, não quando minha irmã simplesmente sumia durante dias, meses, sem dizer nada, como se não tivesse família ou alguém à sua espera em casa.
Deixei um suspiro escapar, pensando em como Fallon sempre foi distante de tudo e todos.
— Tudo bem, vou ligar para ela mais tarde — respondi antes de sair, em seguida fui para a garagem, onde entrei em meu carro.
A parte boa em morar em Mouffetard?
Meu consultório não ficava mais de 30 minutos dirigindo.
E o lado rüim?
Os incontáveis semáforos que me faziam perguntar se o engenheiro, que achou uma boa ideia os colocar ali, tinha algum problema.
Quando finalmente estacionei, quase 8:00 AM, fui até a entrada do meu consultório e esbarrei com Jessica, a pessoa responsável por organizar minha vida nos últimos 3 anos.
— Bom dia, senhorita Beaufay, a paciente das 9:00 AM acabou de ligar para avisar que talvez vá atrasar um pouco — Jessica disse e sorri.
Ela sempre foi direta, focada e sempre chegava mais cedo para deixar tudo organizado, o que gostava nela.
Isso junto ao fato dela nunca ter sido o tipo que ficava à toa ou de conversa afiada.
— Obrigada, vou para minha sala revisar as anotações das sessões passadas, assim que ela chegar me avise, por favor.
Talvez, realmente exagerasse um pouco às vezes, saindo muito cedo de casa, ou ficando até depois do horário de fechar, mas aquela sensação, aquele sentimento de estar fazendo o que gostava, não tinha preço, e era algo que, definitivamente, queria continuar fazendo até meus últimos dias.
Passei quase uma hora perdida em meus pensamentos, verificando laudos de alguns pacientes complicados, geralmente os que são mandados por outros profissionais por conta da complexidade em atendê-los, pessoas difíceis, que muitos acreditam não ter solução.
Sei que sou boa no que faço, mas não podia mentir, às vezes até mesmo eu tinha dificuldade em saber o que aquelas pessoas pensavam.
Beatrice Richard, paciente transferida daquela manhã, era uma delas, uma menina complicada que continuou se metendo com o que não deveria.
Não sabia explicar, mas não importava quantas vezes lesse ou revisasse a ficha dela, sempre lembrava da minha irmã.
Fallon nunca foi uma garota fácil e mesmo que fôssemos gêmeas idênticas, era completamente o oposto de mim. Nunca nos víamos na escola, nunca saíamos juntas, éramos estranhas uma para a outra, e aquilo sempre me incomodou um pouco.
Fui tirada dos meus devaneios quando Beatrice chegou, e pude conhecê-la; mas a parte difícil foi a confirmação do quanto era parecida com Fallon. Os trejeitos e o sorriso que era obviamente forçado. Ela era uma versão mais jovem da minha irmã.
A sessão durou cerca de uma hora, mas, sendo sincera, foi uma das primeiras vezes que parei para ouvir alguém com tanta atenção.
Talvez, fosse pelo fato dela se parecer com Fallon, o que acabou me fazendo pensar que se a entendesse, poderia entender a mulher que possuía o rosto igual ao meu e, ao mesmo tempo tão distante.
Depois que ela foi embora, passei o dia pensativa, tentando entender como sua mente funcionava e mesmo após sessões com clientes habituais, percebi como o dia havia passado rápido.
Eu tinha prometido ligar para Fallon e, em dias comuns, daria uma desculpa no lugar de me importar com aquilo, mas depois da sessão com a Beatrice, senti vontade de ouvir a voz da minha irmã.
Jessica foi a primeira a ir embora, por isso me peguei sozinha, sentada em uma das poltronas da recepção.
O nome de Fallon brilhava na tela do meu celular e quando liguei para ela, como esperado, não atendeu.
Frustração, palavra exata que descrevia o que estava sentindo, pois era a primeira vez, depois de muito tempo, em que queria falar com ela de verdade.
Mas claro, Fallon não se importava com o que ninguém, além dela mesma, queria.
Olhei a hora no relógio de pulso e vi que novamente me deixei levar pelo trabalho. Apaguei as luzes do consultório e tranquei a porta, saindo em direção ao beco, que para meu azar, estava com algumas das luzes dos postes queimadas.
— Tudo bem, isso não é nenhuma novidade. — Soltei um suspiro profundo e virando após guardar as chaves me deparei com uma pessoa no meio da escuridão, uma silhueta alta e máscula, que ao me ver começou a se aproximar.
Pele bronzeada e corpo definido, foi o que vi enquanto ele se aproximava. Sua camisa meio aberta mostrava algumas tatuagens em seu peito e ao encarar seu rosto, pude ver que, assim como o corpo, ele não era de se jogar fora.